Cirurgião de memórias
Ricardo esquivava entre a multidão da 25 de março, famosa pelo comércio e sempre cheia. Na sua mão, um guardanapo amassado, com o endereço do cirurgião de memórias. "Sò pode ser picaretagem.. Mas não custa nada saber do que se trata", pensou. Quando finalmente chegou no edifício, passou por um porteiro que era cego e anão. Como se isso não bastasse, o elevador parecia ter um século. Terceiro andar. Logo ao sair do elevador, já foi recebido por senhor barbudo, que se não fosse pelo avental branco surrado, passaria por um mendigo. "Venha, por aqui" disse o senhor.
Se não fosse pela maca, o lugar passava por um escritório simples.
"Se você veio até aqui, é por que deseja remover alguma parte da sua memória. Devo lhe informar, que antes você deve assinar uma termo de responsabilidade pelo que deve acompanhar o processo. Que na verdade é bem simples, você deve escrever o que você deseja esquecer da sua vida. De preferência separe os momentos em dia, horas, minutos. Mas antes, quero que me pague adiantado. Isso, obrigado. Ótimo, agora, irei lhe hipnotizar e irei excluir para sempre estes momentos da sua vida. Também devo lhe informar, que alguns momentos fazem parte da sua personalidade, e ela pode sofrer imensamente com estas mudanças"
Ricardo não pensou duas vezes.
"Eu quero esquecer todo o meu casamento. Quero esquecer que tenho dois filhos, quero esquecer que sou católico, quero esquecer que sou vascaíno, quero esquecer o curso inteiro que sociologia, esquecer que todos livros que li, esquecer todos momentos em que sofri, esquecer todas traições que sofri e esquecer toda desilusão que já tive em toda minha vida..."
O médico pediu para Ricardo deitar e relaxar. Ele deitou-se, descalço e fechou os olhos. Com algumas palavras inaudíveis porém firmes e diretas, ele sugestionou Ricardo e ele entrou em transe. Perguntou sobre cada momento que Ricardo escrever. Ao receber o feedback, ele ordenava: esqueça isso. Isso não aconteceu, e após você acordar, não irá se lembrar.
"Como se sente?" Disse o cirurgião.
"Estou ótimo... Um pouco confuso, mas me sinto leve, tranquilo. Sinto a alegria e a euforia de viver que eu sentia quando era criança. Parece que existe um mundo inteiro lá fora para ser descoberto! A propósito doutor, não tenho tempo a perder. Você poderia chamar um taxi por gentileza? Tenho um vôo para o Caribe em uma hora.
E assim seguiu Ricardo, morreu com cento e dois anos e casou-se quatro vezes com lindas caribenhas.