A Travessia
Tudo começou com uma brincadeira entre amigos, ninguém levava muito aquilo a sério. Porém você sabe como são os jovens, uma baita auto afirmação, então decidi tomar coragem e resolvi fazer a tal da "travessia".
A brincadeira era baseada em uma lenda urbana, que dizia que se uma pessoa ficasse mais de três dias sem dormir, ela quebraria a barreira entre a plano físico e espiritual, podendo assim "estar dos dois lados". Pelo que eu me lembre era mais ou menos isso.
Porém ninguém conseguia! Uns ficavam um dia e meio, mas não aguentavam e caiam no sono. Mas lembrei que um tio meu, que era vigia, costumava misturar refrigerante cola com café, e isso o deixava acordado a noite inteira.
Tudo foi combinado para ser feito no feriado de páscoa, aonde todos poderiam estar juntos o tempo todo, vistoriando para que eu não dormisse. Adiantando a história, no primeiro dia tudo transcorreu normal, apesar de já sentir o cansaço e as pálpebras começarem a latejar... Neste meio tempo bebi quase um litro de café. As horas foram passando, e eu estava tendo leves alucinações, como vultos na visão periférica, e parecia que estava escutando um gemido de choro, mas deveria ser ilusão. No segundo dia, os meninos já estavam ansiosos, e eu confesso que comecei a ficar um pouco assustado. Já estava começando a ficar dificil andar, muito menos falar. A visão estava afetada também, parecia que tudo tinha adquirido um tom opaco, escurecido. Eu não conseguia mais distinguir os rostos dos meus amigos, que agora ora estavam borrados ou com feições pitorescas, grotescas. Faltavam 10 horas para o terceiro dia e eu estava numa agonia danada.
Estavamos todos na praça, no centro da vila quando minha mãe foi chamada, e vendo meu estado decidiu me levar ao hospital. Tamanho era o desespero dela, que gritou para que o motorista acelerasse o máximo que pudesse, e como nestas ironias doidas da vida, o carro acertou em cheio em um poste, aonde nós três morremos.
Isto é, pelo que eu me lembre eu morri. Na verdade não sei de nada. Desde então venho vagando pelas ruas do centro de são paulo, uma sombra que quase não chama atenção. Como restos de comidas, tem dias que nem como. Não lembro a última vez que dormi, mas sempre quando durmo, eu lembro do momento que estava no carro, e me pergunto se eu dormi naquele fatídico instante.