Café com hora

E estava eu a pé em busca de mais uma entrevista de emprego, resolvi me locomover desse jeito, visto que, hoje em dia, chegaria muito mais rápido a meu destino, e sabendo também que não tinha tempo para os semáforos e as agressividades do trânsito. Rumava meus passos desatento, focado somente na chegada, pensando agora mais calmo em como não percebia o mundo ao meu redor, crianças que choram, palhaços que demonstram habilidades, flores que não tive tempo de cheirar... será que é o só o vento lá fora?

Mas lá ia eu, minha roupa engomada, minha pasta de referências que continha mais recibos de estacionamento que reais referências, mas levava também uma grande mochila de coragem e apoio, bem, apoio eu tinha de minha mãe, e aliás, quem não a tem? Não por isso deixo de me sentir entusiasmado, penso no que diriam sobre o rapaz que vindo do nada, conseguiu a vaga... Dias de glória deveriam vir sim, eu tinha fé, pois como já dito por Clarice: “A felicidade só vem para aqueles que choram”, e ainda não sei como não apresentei sintomas de desidratação, e penso que sou hoje, imune a nãos. E um tanto serelepe ia eu, coragem nos braços, pressão nas costas, tempo no pulso, foco nas ideias.

E meu transe ia seguindo pelas avenidas, pouco filtrava daquela sinestesia de sons e odores, até que ao longe ouço um assovio, e obviamente, não olhei, não costumava ser parado nas ruas, até que continuei minha caminhada rumo ao sucesso(?) e não sei se é só comigo, mas sempre sinto quando alguém vem se aproximando de mim, e senti isso, e depois um braço me puxava as mangas largas de minha camisa de botões, sim, o assovio era para mim. E quis me desvencilhar do puxavante, neguei que alguém fosse atrapalhar aquele meu momento de saborear uma chance a glória, mas sim, fui fraco e deixei me levar pela mão que me puxava.

Parei meus passos, arfei rispidamente e vermelho de raiva tive de enfrentar um ser normal para uma cidade grande como Recife que tem gente até de um olho só, era um homem mais ou menos de minha idade, seus 25 anos, barba por fazer, cabelos desgrenhados ao ponto de eu, todo esbaforido como estava, me sentir formal ao seu lado, seus olhos me passavam tranquilidade, algo que eu ansiava a bastante tempo. Resolvi dar ouvidos ao estranho que, num rompante, deveria estar me parando para perguntar a hora ou algo do tipo.

E em convidou a uma viela, deixou que eu controlasse meu acelerado coração urbano, e se apresentou como Ataraxo, nome pouco comum, mas já falei que não me assusto com a criatividade das pessoas do interior. Desse jeito calmo não precisou usar argumentos para que eu ficasse com ele, e simplesmente o segui para um local que era um renomado café. Sentamos a mesa, atitude que me deu certo alívio pelo calor infernal que estava lá fora, e continuamos sem falar, até que o garçom se aproximou de nós e tomou os pedidos. Fora sua abordagem e sua fisionomia, Ataraxo me parecia um ser diferente, em detalhes como a ausência de um relógio no seu pulso em tempos que o tempo é dinheiro ou mesmo seu pedido ao garçom de um chá-verde, quando o calor consumia os corpos.

Resolvi não mudar muito meus hábitos e pedi o velho café com leite, mas gelado, visto o sol escaldante lá fora, enquanto esperávamos o pedido o rapaz me fez perguntas sobre meus hábitos, e aos poucos me senti estranho demais ao respondê-las, e não entendia, ao menos, o que eu estava fazendo ali tendo um compromisso a cinco minutos de distância... E então soltei afobadamente a pergunta: “Por que você me parou?”, e ele calmamente riu de soslaio, e respondeu que sentiu que eu precisava parar um pouco, estava perceptivelmente bitolado.

Ele parecia ter uma espécie de sexto sentido aguçado, e suas palavras foram de um cuidado tão grande e tão real que me fizeram ficar, mesmo que olhando repetidamente para o relógio. Então as nossas bebidas chegaram e houve aquela pausa na conversa, até que ouvi estilhaços no asfalto, era chuva, e muita... O chá deve ter chegado em boa hora para Ataraxo.

E entre goles e tique taques conversávamos sobre coisas banais, contava minhas futilidades e pouco conhecia do rapaz, até que ele me perguntou porquê eu estava tão afobado, e tive que responder que o tempo passava e eu não tinha ainda perspectivas de emprego, logo agora que minha namorada estava grávida, e em nove meses eu teria mais uma boca para alimentar, ainda citei a dificuldade de me formar em Economia, visto que os cursos de aperfeiçoamento que tinha de fazer eram de inglês e eu não sabia a língua, puxei ainda nuances de minha infância em que não tive tempo de brincar, trabalhei logo cedo...

Depois de um desabafo completo, Ataraxo pegou minha mão, tirou a pasta de minhas costas e falou um pouco dele, disse que não estava ali por acaso, que sempre me observou passar nas ruas agitadas e antes que eu perguntasse porque me destacava em sua visão, ele falou de lembranças que tinha de mim criança, sim, Ataraxo era aquele que eu pouco falava na escola, aquela criança pouco entrosada, mas sempre com um conselho maduro a dar. Eu não podia exercer de toda minha sinceridade ali, mas não tinha lembranças de Ataraxo, pelo menos nenhuma clara.

E falamos de oportunidades perdidas na vida, ele me perguntou o que eu faria se o dia tivesses 48 horas, e falei das vezes que poderia ter estudado mais, amado mais, dado atenção àqueles que me amam e foram embora, até que ele parou minhas lamúrias e disse que havia tempo para tudo isso, falou-me que quem era dono do tempo era eu, e que nada era perda de tempo, mas ganho de vida, sejam lágrimas de ódio, metros de conquista ou reais de negócios... Quem definia o tempo?

Perdi a noção de quanto tempo perdia ali, sei que pedimos a conta e já sabendo o quão “salgado” seria o preço daquele específico café fui imaginando como seria lavar pratos no calor, mas Ataraxo prontamente me dispensou e mandou-me ir para onde eu estivesse indo, e fui. Meio cambaleante, mais leve da conversa, andei com rumo, mas sem rumo, sem pressa, sem tempo, e cheguei a tal repartição, quando fui abordado com olhos esperançosos da secretária que me falou ser eu o primeiro a chegar para as entrevistas, me assustei mas abri um sorriso amarelo. Eu estava sim, meia hora antes do combinado, sentei e tive tempo de refletir que sim, tomei um café com o Tempo.

Gabriel Amorim 05/03/2014