TRANSFIGURAÇÃO
Era uma jovem linda, toda vestida de cores alegres, num vestido que era a primavera em flor.
Bem criança que era, ainda assim eu a odiei. Olhos de criança má vidrados na figura que graciosamente passeava sob árvores, explorando o gramado, aspirando o perfume das flores, admirando o céu...
Oh! aquilo chegava a ser ofensivo! Aquele sorriso, o cabelo longo,sedoso, feliz...
Encolhi-me embaixo da árvore, não sentia a relva, não via a flor, o orvalho, a manhã... Nada era sol, o céu havia desmaiado e o ar estagnou-se na figura de uma bela moça - argh, horrível! Ares de quem sabe que a vida é bela, olha e ama a vida. Ah! a morte não foi generosa, não veio com sua foice, não desfez o esplendor, não derramou suas lágrimas...a moça ainda estava ali: majestosa!
Meus olhos brutais de criança ofendida desfolhou a flor e um vento impetuoso sacudiu as folhas velhas do chão e subiram rodopiando até o céu.
Foi divertida a brincadeira do redemoinho. E continuei. Fuzilei a moça com os olhos à espera do inacreditável. E aconteceu!
O vestido partiu-se em dois de cima a baixo. A moça nua perdeu a graça do sorriso e quando a roupa caiu por terra, entrou em desespero, tentando se cobrir.
Ri. Ri muito, assistindo a cena com crueldade. Fitei seu olhar e destilei dos meus olhos veneno mortal. A moça se fechou, paralisada como uma estátua de sal, pálida e muito... muito triste. Fixei mais! Queria seus cabelos desgrenhados, sua figura deformada e seus pés, antes adoráveis, feios!
A obra estava feita, perfeita! Admirei, bati palmas, ri meu riso estrondoso, pulei freneticamente, girei e .... chorei. Eu era a única que tinha lágrimas, a moça não. Pular, rir, bater palmas, não era presença de felicidade!
Ondas gigantescas de lágrimas foram se formando e meus olhos não suportando foram arrancados e levados pela enxurrada morro abaixo. O sal dos meus olhos separou-se da água lacrimejante que foi buscar estranho caminho da verdade. Transformei-me em uma estátua pequena e sem luz. No caminho da verdade a moça se salvou, pois a água atingira sua figura, desfazendo todo o mal trato que sofrera. Ela se cobriu com ramas de flores, penteou os cabelos com os dedos, a cor voltara e ela ainda se tornara mais bela.
Entendi, então, que o meu horror que se tornara em lágrimas salvara a vida da moça.
Escutei seus passos, não tinha olhos para vê-la, mas adivinhei sua intenção. Meus olhos? Estavam perdidos na água, comicamente, olhando para mim e outro procurando a verdade. A moça se aproximava e eu imaginava seus pezinhos... um pressentimento me acudiu... de fato um de seus pés se levantou e calcou brutalmente um dos meus olhos. E depois o outro...
A moça perdera a inocência. A criança ganhara para sempre a escuridão.