A guerra
Eram 15:00 da tarde,e lá estava Clarice,cumprindo sua rotina,deitada sobre o gramado verde dos fundos de casa,á beira do pequeno lago artificial.
Todos os dias eram os mesmos passos,acordar as 06:00,caminhar pela pequena floresta,voltar pra casa,tomar um banho frio,organizar suas refeições ao som de Pink Floyd, e ás 15:00 ir pro gramado ler seu tão querido Freud,ela o lia era pra se embaralhar pelas correntezas interiores,adorava se perder em si mesma. Eros e Tanatos, compunham sua guerra interior,em momentos ela era vida, outros pura morte,quase que na inércia.
Mas naquele dia, Clarice era pura vida,desde que colocou os pés pra fora da cama,não sabia como,nem o porquê.
Resolveu deixar o livro sobre a grama,e caminhar,descalça pelo terreno pouco explorado por ti. Andou alguns metros e se deparou com um cercado, um senhor tinha comprado parte das terras de seu pai,mas ela ainda não tinha se apresentado para o vizinho. Era um pasto lindo,e tinha um gado,umas seis vacas brancas,lindas e bem cuidadas. Clarice era apaixonada por animais. Se atreveu a pular a cerca e se aproximar mais,mas assim que ia chegando perto o gado se afastava,era instinto,medo de um ser tão mesquinho e frio como o ser humano. Distraída com as belas vacas,ela sem querer pisou em cima de uma das tantas fezes que tinham por ali,quando olhou para baixo se deparou com dois cogumelos médios,da espécie Psilocybe cubensis,ela já tinha lido sobre seus efeitos e sobre algumas religiões que o consumiam. A curiosidade,naquele momento, lhe devorou,foi quando ela os apanhou e seguiu de volta pra casa.
Era hora do lanche da tarde,Clarice foi até a cozinha,depois de dar play no vinil The Final Cut. Ela pegou os dois cogumelos,os lavou,depois os picou com a faca,pegou uma fatia de bolo e misturou os pequenos pedaços do fungo,foi quando comeu,na varanda de sua casa,olhando os pequenos pássaros nos ares. Logo após ter comido,se lembrou que tinha esquecido seu precioso Freud sobre a grama onde estava,foi quando,as pressas,foi buscá-lo.
Ao avistar o livro,o alívio lhe tomou conta,chegou perto,o olhou e logo seu coração se acelerou,ela não entendia,aquela adrenalina dominava seu corpo,como se algo tivesse sido tirado do seu devido lugar.
Sentou sobre a sombra da árvore mais próxima,e respirou fundo,com os olhos fechados. Logo sua audição foi se intensificando,ela ouviu passos sobre o gramado,quando se atreveu a abrir os olhos,se deparou com um homem,louro,dos cabelos enrolados e olhar penetrante,ele estava bem à sua frente,agachado,suspirava próximo aos seus lábios.Foi quando ele se levantou e sem dizer uma só palavra,estendeu suas mãos para ela. Clarice estava enfeitiçada por aqueles olhos perdidos,que buscavam refúgio nos seus,ela pegou em sua mão e levantou,quando olhou em volta,sentia todas as folhas,flores e pássaros dançando num ritmo lento e até mesmo engraçado,era como se tudo estivesse celebrando-a,e aquele homem dos olhos indecisos esperando que ela o seguisse. Ele estava sem camisa,descalço com shorts branco,todo desfiado,isso de alguma forma à passou segurança,era tão natural,longe do que de repente pra ela se tornara grotesco,a modernidade.
Foi quando Clarice o seguiu,sem nem ao menos perguntar seu nome ou de onde aparecera. Pelo caminho,ela via fauna e flora como nunca tinha visto,era lindo,tudo tão compreensível,tão delicado e digno de poder desfrutar intensamente de cada pedaço desse planeta imenso. Foi quando percebeu que nem Freud,nem outros tantos grandes nomes,compreendiam tal sensação,e tentavam loucamente explicá-la,condensá-la em palavras.
Quando se deu conta de que ainda caminhava atrás do moço louro, percebeu que eles já estavam quase ao pé de uma maravilhosa cachoeira,ela ficou tão fascinada,encantada como nunca tinha ficado antes,era tudo questão de sensibilidade,nem um A explicaria tal sentimento insano e ao mesmo tempo esclarecedor.Clarice sentia um amor imenso para com tudo,inclusive sobre ela mesma.
O moço parou de andar e sentou sobre as pedras,olhando para as águas que deslizavam lindamente sobre as mesmas. Clarice sentou ao seu lado,e sem conseguir falar apenas o beijou,aquilo foi insano,era como se existisse um mundo dentro de outro mundo e assim infinitamente. Com os olhos fechados,ela se via pisando em território lunar,pouco gravidade e frio na barriga,o fôlego lhe faltava. Aquele beijo era um mistério mágico,do qual ela nunca mais queria sair. Foi quando ele parou e a olhou,e lhe disse:
- Sou Eros,refugiado de uma vila distante,matei meu irmão, Tanatos, e agora estou condenado a morte.
Passava pelas suas redondezas quando à avistei, tão bela,ao pé de uma árvore,a luz lhe cobria de uma forma que enfeitiçava olhares alheios,fiquei sem chão,precisei me aproximar de tamanha beleza. Senti necessidade dos seus lábios,de caminhar pelo teu corpo,pelo teu infinito universo,queria lhe dominar,fazer parte de ti,como um todo. Beijando-a agora descobri que se eu não ir, eu me enfeitiço de vez,me afogarei nas profundezas dos teus encantos e me cegarei de tanto amor. Eu vou-me, mas voltarei quando estiver mais seguro de mim perante à ti,quando estiveres fraca e indefesa,triste e sem destreza,aí sim,me apossarei ti.
Clarice não conseguiu dizer uma só palavra,foi quando o viu sumir,como um borrão,perante os seus olhos.
E como num passe de mágica,tudo parou de celebrá-la,seus sentidos aguçados se foram,o amor intenso parou de correr em tuas veias. Foi quando Clarice compreendeu: ’’Para que eu seja vida,antes preciso ser morte.’’