A pintura
Havia um artista que se pusera a viajar sem rumo pelas nebulosas planetárias. Por ter deixado seu lar sideral bem cedo, mantinha orgânica aquela fome de pintar, de preencher espaços amorfos, sem sombra, sem luz, com seu traço quase ultra-surrealista, quando não, expressionista. Por causa de sua avassaladora paixão, e profunda tristeza causada pelas super-novas, saiu com pressa a inserir uma geometria brilhante e portentosa pelas Galáxias, ao que chamou suas primeiras formas de "Astros e Estrelas eternas", nome surgido num daqueles "insights" depois do almoço. Em dias de fúria pela falta de criatividade, lançava seus pequenos potes de tinta sobre suas obras, criando uns planetas e também buracos negros, bem como tantos outros rascunhos espalhados pelo cosmos. Cansado de divagar o pincel com o absurdo policromático, pensou como sua própria expressão iluminada pela pintura Sol refletida nos mares da Saturno seria linda, e decidiu fazer auto-retratos. Porém, era possuidor dum orgulho, duma rebeldia, dum narcisismo tal, que jamais os faria para amigos, família, vizinhos, uma vez que estes o ignoraram certa vez por acreditarem ser sua arte mera perda de tempo. Não. Quis pintar a si mesmo. Para si mesmo. Então, passou dias usando seus melhores e mais caros pincéis. Chatos, quadrados, redondos, em fim... Utilizou misturas de pigmentos consideradas anti-acadêmicas pelos pintores tradicionais e, até mesmo para o mais miserável e informal artista. Terminando tudo expôs desiludido sua obra perto de outra especial, a qual deu o nome de Terra. Família, amigos e vizinhos algumas semanas depois, preocupados pela falta de notícias, o procuram em seus aposentos, quando, pois, contemplaram sua arte e suspiraram, todavia lá só estavam as criações. Mais tarde, ao encontrá-lo, depois de uma árdua procura revirando lixeiras numa constelação vagabunda à procura de comida, informam-lhe o quanto acharam perfeitas as pinturas que enfeitavam sua sala. Sem qualquer pretensão de modificar seu status quo expressam-lhe a grande maravilha de sensações que lhes suscitaram ao vislumbrar um espaço com aromas oníricos tão sublimes e não, não o lar esmeril no qual permaneciam. Porém, o artista diz-lhes que há uma pintura de maior magnitude em seu ateliê. Ansiosos pedem que lhes a mostre. Ele volta, afasta do seu campo de visão as outras pinturas expostas em lugares privilegiados, se vale dela cautelosamente e diz: "Tentei pintar-me diversas vezes. Me dediquei bastante, e ainda que com fome, a sede para terminar esse trabalho foi maior. Por longas noites, perambulei sem sono pela casa em recalcitrância aos sentimentos que esta obra me impelia sentir. No fim, vi que tinha projetado sobre a tela o ápice de minha inspiração. Não sou apenas eu nesta pintura. É algo que preciso para ser imortal."