O Carnaval

Um sujeito cujo nome, na verdade apelido, era Toidi, passou por terríveis provações durante os dias que sucederam o último carnaval. Fato que é estranho ser chamado de “Toidi”, mas não o faço se não por recomendação do próprio, que, em determinada ocasião, pediu-me após eu chama-lo pelo nome de batismo, Florisbelo, que:

“Não, não... me chame de Toidi! Não quero que o restante do pessoal saiba que este é o meu nome”.

Não fiz caso, e tratei de tranquiliza-lo:

“Como queira, chamá-lo-ei de Toidi, daqui em diante”.

O pobre do rapaz, ao contrário de mim que sou avesso a esse tipo de festividade, desde moço sempre fora dado a folião, bastava passar um bloco e ele seguia em disparada dançando e cantando as marchinhas tradicionais. Chegou ao pondo de, acreditem, usar o dinheiro que estava reservado para custear os seus estudos e viajou, em um carnaval passado, até a Bahia somente para correr atrás daqueles barulhentos trios elétricos.

Sua mãe, uma gorda respeitável, de foz firme e sorriso franco, sempre advertia-lhe:

“Toidi, você vai acabar se dando mal com essa história de carnaval; vai procurar um trabalho, vai ler um livro, vai estudar, qualquer coisa é mais interessante antes de ir para esta algazarra de gente depravada”.

Os conselhos da sua mãe não surtiam efeito algum, era só chegar o mês de fevereiro e o basbaque se entregava a libertinagem.

No carnaval do ano passado deu-se que, Toidi e mais alguns idiotas, ao término daquela folia, prometeram que no carnaval seguinte, ou seja, este que recentemente ficou para trás, que todos, durante os dias da festa, usariam, exclusivamente, roupas femininas.

A promessa fora cumprida por todos.

Dona Rosa, assim se chama a mãe do rapaz, ao ver seu primogênito usando as roupas da filha mais nova, pronto para rumar para a folia que estava iniciando-se, ficou boquiaberta. Suas palavras diante daquilo foram secas e diretas:

- Tu és um desavergonhado rapaz! Teu pai, que Deus o tenha, ficaria muito desgostoso com tua atitude!

Saindo em direção ao quarto, disse, ainda, com voz baixa e triste:

“Onde foi que eu errei na criação desse moço!”

Mais uma vez de nada adiantara para o palerma do Toidi as palavras de sua mãe. As concupiscências do mundo haviam-no arrebatado.

Após ouvir a mãe, pois ainda não chegara ao ponto de virar-lhe as costas enquanto esta falava, saiu para balbúrdia, visto que os outros toupeiras já o aguardavam.

Todos usavam saias.

Nos dias que se seguiram, o Toidi só aparecia em casa para trocar de roupa, não colocava as dele, é obvio, servia-se daquelas que sua irmã tinha a oferecer-lhe. Sua única queixa, nos primeiros dias, era a de que a roupa intima, que agora era obrigado a utilizar, causava-lhe certo desconforto. Porém, conforme as suas palavras: “Nada que pudesse estragar a festa”.

Eis que, finalmente, chegou o último dia do carnaval. Naquele dia, Toidi, ainda noite, chegou em casa chamando gato de cachorro e cachorro de gato. Sua mãe, triste com a cena, somente levou as duas mãos ao peito enquanto lhe escorria algumas lagrimas no rosto.

Visivelmente bêbado, o infeliz jogou-se na cama de seu quarto e somente acordou às 11:00 do dia seguinte.

Sentido todas as consequências físicas daquela jornada da devassidão, pela manhã, foi-se ao banheiro, meio tonto ainda, a procura de um banho e de um antisséptico bucal para eliminar aquele horrível gosto que sentia na boca.

Sua mãe, que na sala estava lendo um exemplar de Contos Fluminenses, de Machado de Assis, deu um salto da poltrona quando escutou um grito do rapaz vindo do banheiro:

- O que está se passando, Toidi? Caiu, quebrou um braço, uma perna?

Com uma voz que denunciava um estado de estupor, respondeu de dentro do banheiro o tapado:

- Não! Não quebrei nada mãe! Agora, vá. Deixe-me sozinho.

Dona Rosa, que via naquilo mais uma das galhofas do filho, atendeu-o.

Voltou ao seu velho Machado.

Dentro do banheiro, como atestou o tom de sua voz quando respondeu sua mãe, Toidi encontrava-se em estado de estupor. Algo impossível, surreal havia acontecido. Havia o pobre do basbaque passado por uma metamorfose. Era agora uma mulher, com exceção do pescoço para cima, onde ainda encontravam-se os caracteres que faziam dele homem.

Os primeiros pensamentos que vieram a dominar o espirito do rapaz, diziam-lhe que estava sonhando, que tudo aquilo não passava de uma quimera. Tratou de tomar seu banho e depois voltar à cama, pois o lugar de sonhar é sobre os lençóis, e isso lhe estava claro.

Porém, após dormir por toda à tarde, após ter curado, parcialmente, os efeitos danosos que aquela semana havia lançado sobre o seu corpo, despertou. O relógio marcava 18:00 horas.

Surpreso ficou quando constatou que aquilo que havia visto no banheiro algumas horas antes era real, que nada de quimérico havia naquilo. Toidi era agora uma dama.

Tratou de achar uma resposta, uma causa para tal mudança, como era possível passar de Adão a Eva? A melhor explicação que encontrou foi a de que, tendo usado roupas femininas durante todos os dias do carnaval, Deus, a fim de pregar-lhe uma peça, havia lhe transformado em mulher, pois talvez houvesse visto nele alguma graça, algumas características do sexo feminino.

Tratou de telefonar a todos os patetas que, junto com ele, haviam usado roupas femininas durante aqueles dias, visto que, talvez, alguns deles, também poderiam ter passado por aquela estranha transformação, e, assim, juntos poderiam achar meios de acabar com aquela confusão.

Entretanto, coisa que causou-lhe mais aflição, soube depois de ter ligado a todos que ele era o único que havia passado por tal processo:

- Tu não fazes ideia do que se passou comigo, acordei mulher, acredita? Por um caso não notaste nada de diferente em você? – disse Toidi a um de seus camaradas que havia participado também daquela estupida brincadeira.

Do outro da linha, essas foram às palavras do seu camarada:

- Toidi! Tu não cansas mesmo de fazer zombarias! É obvio que nada de incomum aconteceu comigo. – e soltou uma rizada que é peculiar aos idiotas.

Fato foi que, durante uma semana, aproximadamente, Toidi teve que habituar-se a uma nova realidade, que, em momento algum, ficou-lhe claro as causas.

Durante este período, fez de seu quarto um forte. Mantinha-o trancado com duas voltas na chave, ninguém podia entrar sem se anunciar. Quando alguém rompia aquela fortaleza, a mãe ou a irmã, afundava-se na cama e tratava de cobrir minuciosamente o corpo para que sua metamorfose não fosse revelada.

Diante de tanta circunspecção, a mãe, no quarto dia após a transformação, disse-lhe algumas palavras:

- O que está se passando com você, rapaz? Há quatro dias está trancado neste quarto. As coisas aqui não vão bem, sei disso! Diga-me, isso é consequência do carnaval, não é? Eu bem que te avisei, bem que te avisei... – e caminhou em direção à porta deixando-o só novamente.

Cinco dias após sua transformação, Toidi estava a ponto de cometer um erro. Estava decido que iria procurar ajuda, que iria recorrer a alguém que pudesse explicar-lhe as causas de tão bizarro acontecimento. Entretanto, ponderando acerca das consequências que isso traria, decidiu que essa não era a melhor opção, pois sabia que a exposição que haveria de submeter-se poderia trazer-lhe graves complicações.

Para felicidade do pobre basbaque, foi exatamente no sétimo dia depois de haver se transformado em Eva que ele voltou a ser o que era, pois, pela manhã, após uma noite mal dormida, visto que desde que passara pela transformação os pensamentos sugavam-lhe o sono, ao apalpar-se notou que os caracteres femininos não estavam mais presentes em seu corpo, pelo contrário, notou que voltava a ter aquilo que faz de um homem homem.

Sua primeira reação diante disso foi saltar da cama e dirigir-se a porta, a qual duas voltas na chave mantinham-na trancada, e depois correr até a cozinha onde estava a mãe. Ao chegar lá, abraçando-a e enchendo-a de beijos, disse-lhe o seguinte:

- Mãe! Saiba que daqui em diante nunca mais irei naquela festa da devassidão e da luxuria. O Carnaval é festa dos sem espirito.

Rafael Oliveira, Florianópolis 2013.