Sereia
Vagalhões de ondas visíveis. Vagava na beira da praia. Lembranças vagabundas perdidas em sua memória. Vagas. Marco indecifrável. Adorava o mar. Cheiro da maresia. O som do marulho. Maravilha? Ele achava mesmo que. Vaivém que nos leva para longe da terra. Som que nos arrebata, feito canção. Ele as ouve. Você não? Você deve fugir da sua canção. Ou as evita e não as ouve, ou ouve e se entrega. Se as ouve submergirá, ou se arrepende. Se entregar-se é arrastado para o fundo do mar, mas para isso é preciso coragem. Fundo do mar. Amar. Atirar-se da beira do abismo. Queda livre na água ou morte. Mas ouvido o seu canto não se pode fugir. Nunca mais será esquecido. Seu chamado é doce. Doce tormento. Lamento vagante do som do marulho. Arrasta-nos e arrebata.
Caminhava esmagando a areia da praia, cheio de certezas, cheio de estrelas, preso em sua concha. Então ouviu pela primeira vez. Ouviu o som de sua voz ferindo o ar. Atingido. Um baque. Ribombar. Estouro de bomba. Belo o som dos beijos perdidos em sua voz. O chamavam. Beijos bélicos que feriam suas certezas. Vociferantes feriram seu coração. Como garras de fera. Então ele a viu. Olhos cinza-chumbo-verde-azulados. E líquidos. Iam e vinham feito um chamado. Orlados de espuma branca. Arrebentaram suas defesas. Ondas na arrebentação. Sua alma começou a vibrar em resposta. Diapasão. Diáfano aflar o sopro da voz. Como Sirene. Belo. O mesmo que todos ouvem, mas de diferentes maneiras. Intempestivo. Atemporal. Plantou a tempestade em sua alma. Arrebentou em seu peito. Longos cabelos cinza-pérola que podiam o envolver por completo. Envolvido no som da sua voz que vagava mais alto e forte que o do marulho arrebentando na beira da praia. Alma arrebatada.
Ele ainda tentou lutar, fugir do desejo em seus ouvidos. A certeza que o consumia. Evitar o chamado dos olhos. Mas não tinha cera para tapar seus ouvidos. E ele tinha coragem para ouvir e não resistir. As promessas eram tão belas no canto. Encantado de corpo e alma. E ele não tinha nada a perder, a não ser a certeza monótona dos covardes. Como era corajoso se entregou. Por completo, como deve ser. Sucumbiu ao encanto e foi tragado para dentro dos seus olhos, de sua alma, seu corpo. Seu sorriso, que aflorava feito arrecife. Envolvido pelo redemoinho dos belos cabelos quando ela saltou do precipício. Mar. Amar. Precipitar-se. Caminho desconhecido. Feliz? Infeliz? Não se sabe. Mas uma coisa é sabida. Se estiver vivo não se arrependeu. Vaga para sempre no som da canção.