O PRISIONEIRO
Encarcerado em recinto escuro, com tons sinistros de pavor, Antônio tentava libertar-se da mordaça que o calava e das correntes esbraseantes que lhe impediam movimentos. Acordara enjaulado entre grades de ferro grosso e ferrugento, mas desconhecia o motivo. Lembrou-se de que chegara cansado do trabalho e que depois do banho, recolhera-se. Como surgira ali?
Ao seu redor, olhares furiosos e repreendedores o carcomiam como se gargantas ávidas para sorvê-lo. Porém, não conseguia ver os rostos, protegidos pela escassa iluminação. Os tais olhares ora se aproximavam, ora se afastavam, numa sádica e constante ameaça. O que fizera? Por que estava preso? O pânico apossou-se de seus nervos, fibras e músculos! Tremia incontrolavelmente! Desesperado, pôs-se a berrar:
– O que eu fiz? Tirem-me daqui! Por que me olham assim? Quem são vocês?
Os olhos esgazeados das fisionomias ocultas dilatavam-se ainda mais, faiscando ira. Um silêncio sepulcral asfixiava o ambiente. Aqueles olhares não teriam rostos? Exausto, Antônio calou seus gritos. Como de costume, desistiu. Foi quando aproximou-se das grades um homem de estatura mediana, um pouco gordo, com as faces cobertas por um lenço de cetim azul. O prisioneiro enxergou-o com nitidez, porque em torno dele havia luz. O indivíduo retirou o lenço lentamente. Eles eram idênticos! Não! O homem era o próprio Antônio! Viu-se do outro lado, absolutamente livre!
– Sou a parte sua que deseja prosseguir em liberdade, mas você não permite.
– Como faço para libertá-lo, se estou preso nesta jaula?
– Basta recuperar a coragem.
– E esses rostos ocultos na penumbra, dos quais só posso ver os tenebrosos olhares? Como livrar-me deles?
– São seus medos; eles vigiam este cárcere, para que não consiga fugir, intimidado pelas feições sombrias e olhos ferozes.
– Salve-me, parte minha que deseja prosseguir!
– Feche os olhos, mergulhe em sua essência. Encontre, acorde, resgate a crença em si, os resquícios da esperança desmaiada sob as frustrações. Seja destino, seja acaso, sejam desígnios divinos, as consequências são as mesmas ao final. A possibilidade de dar errado existe, mas existe também a de dar certo. Você não pode permitir que o medo o aprisione, é necessário brigar pela vida! Vamos! Força, minha parte encerrada!
– Estou conseguindo! Estou sentindo uma grande ternura!
– Continue!
– Sinto orgulho, respeito por mim! Quero proteger-me! Quero manter-me de pé! Eu posso enfrentá-los! Eu quero enfrentá-los!
– Agora, pode abrir os olhos.
Antônio obedeceu. E deliciou-se ao perceber a parte que desejava prosseguir se aproximando mais e mais, penetrando em seus poros, acomodando-se em suas entranhas, nas emoções, nos sentimentos. Em seguida, olhou em torno de si. As feições sombrias de olhares apavorantes eram raios de sol invadindo frestas de porta e janelas! As correntes que envolviam-lhe o corpo e a mordaça que tapava-lhe a boca eram de frágil papel! Rasgou-as todas com facilidade, levantou-se e tocou nas grades da cela. E sensíveis ramos de planta quebraram-se em suas mãos. O recinto iluminou-se de coragem. Antônio libertou-se de seus medos.