Silvestre Desejo
Noite injustificável, pois uma vez mais presenteava o de sempre. O que já se sabia que chegaria, e que não queria. Fica para a próxima noite, então, a promessa de se alcançar o tão almejado fato. Consumi-lo. Saboreá-lo. Devorá-lo em cada milionésima parte de tudo aquilo que o configura, que o define, que o caracteriza enquanto algo ainda inatingível para aquele mísero ser humano, e por que não, indigno.
Indigno de receber e deleitar-se com aquilo que muitos outros já tinham alcançado. O néctar adocicado do mistério, da pequena morte, daquilo que lhe proporcionaria o segundo fatal, definitivo, para a mudança do seu olhar para todo o resto da sua vida.
Porém, ainda não havia sido naquela noite.
O problema seria ela, uma pessoa incapaz de atingir a volúvel e efêmera experiência transcendente? As descrições dos êxtases atingidos lhe alcançava fundo na alma e causando-lhe a apatia pelo resto do mundo, intensificando a sua necessidade de buscar o fato, só possível, em função da pragmática da sua vida, de ser alcançado à noite, naquele ambiente, uma mata fechada e povoada de animais silvestres famintos e desconhecidos, de rostos amigos e outros hostis formados nas copas das árvores e nos semblantes das cinzas nuvens que se reuniam como infantis amigos ao redor da doce lua. Tal lugar, que, pelo costume de percorrer, bem poderia ser seu quarto.
Talvez não fosse ela culpada, pessoa dotada de tal desejo. Mas do ser humano que a acompanhava, ou deveria, mas não fazia, de fato. Do desinteresse de quem deveria ser cúmplice. Pois, que da totalidade dos laços socialmente estabelecidos, emanava um muro alto e sólido e impossível de ser ultrapassado, restando uma única última chance de poder alcançar o tão almejado momento... Esperando, pela próxima noite, talvez, que não houvesse lua, nem paredes, mas apenas sonhos.