- É. É isto aí! Da vida só levamos o tanto que amamos e fomos amados. Não adianta espernear. O algoz do tempo, cruel e frio, fica ali, bem no ouvido "tic tac, tic tac", como que lembrando em uma tortura estridente, que uma hora tudo acaba. Assim é o mundo.
- Você está muito profundo hoje.
- Tô não. Sempre fui assim. Apenas você não tinha me pegado em um "bom dia".
- Não acredito. Já vi seus rompantes
- Mas nunca viu minhas "nascentes".
- Vamos supor que eu concorde.
- Com o quê?
- Com o que disse.
- Faz diferença não. É só uma coisa bem minha.
- Mas enquanto estamos aqui... Dá para ser diferente?
- Dá, dá... mas... quem quer?
- Todo mundo, oras!
- Claro que não. Olhe ao redor meu amigo! A vida tá cheia de gente vazia que se conforma com quase tudo, menos com a mediocridade gritante,
- Besteira!
- Besteira é ver o relógio andando e deixando para trás o que tem valor. Mesmo que o que tenha valor seja só seu.
- Não entendi.
- Como manga!
- O que tem a ver manga nesta história toda?
- Um dia você experimenta, gosta, sobre no pé e pega umas madurinhas. Delícia! Depois o tempo vai passando, você nem lembra mais do gosto que tinha e quando compra naquela bandeja medonha de isopor, tá seca, sem cheiro sem sabor...
- Entendeu?
- Não.
- Mas é mais ou menos isto. A gente vai esquecendo. Vai deixando de lado, vai se acomodando. Um dia, ficar deitado no sofá com o controle da TV na mão já é o suficiente.
- Isto eu entendi.
- Que bom. Então tem salvação.
- Não é tão ruim assim.
- É sim. Vai por mim. Só que estamos tão acostumados com tudo isto que nem percebemos... até o último minuto, até o "tic tac" parar.
- Você já escolheu?
- O quê?
- O que fazer então?
- Claro que já. Que pergunta!
- Posso saber o que é?
- Bem... Primeiro vou tirar você do meu espelho, depois vou fazer de conta que não tive esta conversa comigo mesmo e por fim, à noite, vou ver televisão até dormir. Agora sai do meu armário que eu preciso trabalhar!