O homem que queria viver só

- Fábio! Vem ver, amor... como são pequenos e lindos os peixinhos ...

-Sim, Soraia... são “pequenos e lindos...”

...

Sua mente divagava...

Na verdade, Fábio foi transportado para outro lugar...

Aquela praia.

Aquele sol.

Aquele dia.

De fato, era o paraíso para qualquer pessoa.

Para ele era o inferno.

Sua feição fantasmagórica em contraste com a beleza inexplicável daquele ambiente natural que inundava seu ser de aromas e sensações... com areias tão sutis que massageavam seus pés e de águas cristalinas, davam início à sua inevitável nostalgia: era melhor viver sozinho.

Exatamente assim.

Sozinho.

Ou melhor:

Sozinho

Sem ponto final, reticências, ponto de exclamação...

Afinal ‘sozinho’ não tem completo, certo?

Ele não queria estar acompanhado.

Mandar cartão de natal, comemorar a data de aniversário com ninguém, em especial.

Não queria carinho, não queria amor.

Não queria balões, confete no carnaval, samba ou frevo.

Queria apenas pagar suas contas, sem precisar olhar para o rosto da atendente, trabalhar costumeiramente em sua casa, sem precisar imaginar quem usaria o produto final do seu trabalho... Já não pertencia a este mundo, pensava consigo.

Mas, sua realidade era outra.

Estava em uma praia, com alguns banhistas, é claro que não muitos, mas tinha um número considerável de pessoas que ora corriam, ora deitavam sob o sol escaldante, ora caminhavam, e cada um em sua atividade que envolvia desde o prazer à necessidade: vendedores, atendentes de quiosques, babás, enfim...

Sentado, a esmo, começou a indagar-se:

- “De onde “brotam” tantas pessoas?”

-“ É exatamente aqui que mora o problema...”

Respondeu para si mesmo e, sem notar, começou a discorrer a plenos pulmões como se quisesse abafar a sonora ópera das ondas que insistiam em quebrar na praia e ao mesmo tempo desabafar o que trazia em seu peito. O sol com raios cada vez mais intensos, acentuava seu discurso:

- “O problema é o excesso de gente no mundo. Hoje, praticamente tudo é superficial. O que antes nos preocuparia, hoje é banalizado. A vida é banalizada, logo, quando alguém morre ou uma multidão é dizimada por questões territoriais, que envolvem política, ou por preconceito ou outros motivos agravantes, não se é dado o verdadeiro valor, o verdadeiro sentimento e respeito às suas famílias, tudo é motivo para piada... e nem vale a pena falar sobre justiça, não é mesmo?...”

E, sem que ele notasse, um certo número de pessoas começou a ouvir suas palavras e ele continuava, caminhando ao acaso, sob sua febre, indo e vindo, pisando e repisando sobre a areia, os mesmos passos, quando seus olhos, de súbito se fecharam:

- “A vida é banalizada, o sexo, a beleza, a inteligência, o amor... o amor... o maior de todos os sentimentos... É por isso que eu quero viver só! Viver só... Sem essas pessoas que precisam a todo momento mostrar se estão felizes ou tristes e precisam de uma motivação para enfrentar seu medíocre dia-a-dia que, com ou sem motivação, começa para todos, no mundo! A futilidade, a maquiagem, o plástico, o reciclável!!! De todas essas necessidades... humanas! Estou farto! Não quero mais saber de gente hipócrita, de gente que não tira seus sapatos, que não encara a realidade, que não enfrenta um problema, sem antes desistir...”

E como em um passe de mágica, saindo de sua agitação inicial, ao abrir os olhos, Fábio se viu só.

A areia daquela belíssima praia não tinha sequer um passo que não os seus.

Tentou lembrar-se de alguma coisa antes daquele momento que o sobrenatural se fez presente em sua vida, mas aquela realidade era tão “fictícia” e deslumbrante que ele não conseguia reunir forças suficientemente lógicas para ordenar algum pensamento concreto.

Apenas respirava sozinho, no mundo que ele idealizou.

***

Sua primeira reação foi ficar nu.

Apenas tirou seu calção.

Sentiu uma liberdade nunca antes fora desfrutada.

-Posso fazer o que eu quiser, com quem eu quiser!

-Com quem eu quiser? Isso parece não ser mais possível...

- Mas, eu existo e isso basta...

Logo depois que percorreu toda a dimensão da praia, resolveu caminhar pelo calçadão.

Não existia movimento nenhum.

Lembrou-se de todos os filmes de ficção que assistiu até então, de filmes cujos argumentos envolviam zumbis e/ ou o fim da vida humana na Terra, ou por et’s ou por máquinas.

Mas, neste caso, a vida humana foi deteriorada por um desejo... Pelo seu desejo.

Cansado de fazer aquilo tudo que imaginou-se fazendo estando só, voltou-se ao seu pensamento primário:

- Os desejos humanos.

Como os desejos humanos podem ascender ou sucumbir uma sociedade! É a grande desgraça...

Percebeu que “ficar só” também não passava de um desejo.

E percebeu o quão egoísta foi consigo mesmo se privando de entrar em contato com todas as pessoas que poderiam fazer bem ao seu pensamento, que poderiam complementá-lo, na sua “semi-solidão”...

E ele começou a ficar quieto. Encontrou-se na sua solidão e novamente permaneceu de olhos fechados, porém, desta vez, emudecido.

Sentiu um vento forte bater e percebeu que durante todo aquele tempo esteve dormindo.

Soraia, que dormia a seu lado, acordou de sobressalto, e os dois puseram-se a correr, procurando refugiar-se da chuva que estava se aproximando.

E a partir daquele dia, Fabio aprendeu que os desejos e as palavras devem ser primeiramente interiorizados, refletidos, pois se vivemos em um mundo banalizado, precisamos valorizar as coisas que nós mesmos produzidos: a começar pelos pensamentos e palavras, que dão origem aos mais secretos desejos.

Daiane Cristalina
Enviado por Daiane Cristalina em 16/11/2011
Reeditado em 16/11/2011
Código do texto: T3339433
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