Calcinha No Box
Seguindo o ritual habitual, Vamberto gira seu quadril na cama, colocando os pés descalços para fora. Fica sentado um instante, remoendo sua saudade do edredom. Leva as palmas da mão ao rosto, esfregando os olhos e bochechas. Suspira, toma coragem, e levanta. Caminha arrastado, vestindo uma samba-canção xadrez alaranjada que cobre metade de uma das nádegas.
Faz um resgate preguiçoso e segue para o banheiro. Aproxima-se da privada bocejando. Logo antes de despejar seu alívio em forma de liquido amarelado, trava a bexiga.
"Cacete, quem abaixou a tampa?" – resmunga.
Num gesto rápido e aflito, ergue a tampa e alegremente volta a esguichar o seu mijo. Feito o serviço, coça a cabeça – isso mesmo, sem lavar a mão – despe-se e entra no box. Pânico. Com seus olhos arregalados, ele vê. Ali, pendurada na torneira, uma calcinha bege, de renda, úmida como um coador de café recém usado.
Um turbilhão de ex-namoradas passa pela cabeça de Vamberto, num slideshow direto do túnel do tempo. Marli, Soninha, Marcelle. Todas nas mais diversas situações. De roupa de gala no baile, de bermuda passeando no parque, com o seu pijama de flanela. Mas nunca no seu banheiro. Não assim, não pendurando calcinhas!
“Vou conversar com essa empregada. Que quê é isso? Calcinha no meu box. Eu tenho vergonha de deixar cueca freada, e ela me larga uma calcinha no chuveiro? Que isso!”.
Se ensaboa e se esfrega com força, quase com raiva. Sai do box e se enrola na toalha, batendo a porta de plástico fumê.
De toalha na cintura, chega perto da pia e estica a mão para alcançar sua escova de dentes. E a surpresa, sem lhe dar trégua, só mostrou um par de escovas. Levemente inclinadas, dando um beijo de cerdas no mesmo potinho de acrílico. Segura e olha para ambas na palma da sua mão, perplexo. Cuidadosamente, devolve no pote e se agacha devagar, com a velocidade de um praticante de Tai Chi Chuan. Num rápido movimento, abre o armarinho embaixo da pia com força, dando de cara com um cubo de Sempre Livre Flexi Abas. Não um só, vários. Um estoque! Ergue, olha e revira a pia – perfuminhos, maquiagem, potes enfeitados com bolinhas de algodão.
Olha para o espelho e vê um homem ofegante, de cabelo molhado, catatônico. E no reflexo, uma mulher sentada no vaso fazendo xixi.
“Que foi Vamba? Parece que viu um fantasma”
A mulher olha pra ele com um meio sorriso, com afetuosa curiosidade. Vamberto não responde, só olha para ela, calado. Tudo que ecoa no banheiro é o som da fina cachoeira na porcelana.
Ela olha de volta, já achando que tem algo de muito estranho no seu marido.