Atropelado pela pressa.
Zé da Silva era seu nome, quero dizer, José da Silva, mas por aqui é assim mesmo, José vira Zé, Francisco vira Chico, e assim por diante.
Talvez pela vida corrida que levamos, queremos ser rápidos até nas falas, e encolhemos tudo para que o tempo renda mais.
Essa era justamente a maior preocupação do Zé, o tempo.
Fazia tudo correndo, coisas simples transformavam-se em uma maratona para ele.
Trabalhava demais, acordava cedo.
Engolia o café na padaria da esquina para não perder o ônibus das seis e meia.
Zé corria contra o relógio, e tinha vários. Um de pulso, presente da esposa, era digital, mas por medo de que a bateria acabasse, usava também o de bolso, peça antiga que fora de seu pai, homem correto, sério e pontual. Para se precaver ainda tinha o tempo marcado no celular.
No trabalho executava suas tarefas com perfeição, tudo dentro do prazo. No fim da tarde era a mesma correria.
Em casa também planejava tudo.
Meia hora para ficar com os filhos antes do jantar, e comia os petiscos que a esposa preparava sem elogiar muito, pois teria apenas uma hora para elaborar seus relatórios da empresa enquanto ouvia o jornal da noite.
Hora de dormir e até para fazer amor ele calculava, nunca se deixava levar demais pela emoção para não encurtar o tempo de sono, a esposa reclamava, mas ele era um bom marido.
Em uma sexta feira acordou atrasado, não sabe como, mas dormiu mais do que devia.
Nem tomou o café na padaria, seguiu direto para o ponto de ônibus e quase perdeu o dito cujo por questão de segundos.
Correu uns quatro metros, pulou para dentro e sentou-se perto da janela para respirar.
Por um momento, ao enxugar o suor da testa ele viu de relance um lindo parque com um lago que ele nunca havia notado, sempre absorto em seus tempos e pensamentos.
-Nossa, será que isso estava aí antes? Perguntou a si mesmo.
Sim, o parque estava lá há décadas, mas ele nunca havia percebido.
Era tão pertinho de sua casa, provavelmente a esposa e os filhos conheciam, mas ele não tinha tempo.
Aquele dia pareceu completamente estranho para ele, pois quando acontecia de se atrasar um minuto que fosse tudo parecia fora dos eixos.
Na hora da saída correu entre os pedestres, não queria chegar atrasado em casa.
Como neste dia o próprio tempo parecia estar contra ele, lá vinha o ônibus do outro lado da avenida já chegando ao ponto.
Zé correu e não viu o farol abrindo.
O carro de algum apressado vinha cortando pela esquerda e o motorista também não viu Zé.
Ele não sentiu nada, só viu o mundo rodando e acordou em outro mundo, tudo muito rápido como não podia deixar de ser no seu caso.
Chegou às portas daquilo que ele achava ser o paraíso, talvez porque cada um de nós vá para onde acredita depois da morte, e ele acreditava no paraíso.
Foi recebido por um ser que estava com cara de poucos amigos. Olhou-o com cara de censura e disse:
-Que faz aqui? Não chegou sua hora.
-Como? Estou adiantado?
-Correu tanto durante sua vida que acabou chegando antes do tempo.
- Não entendo, hoje me atrasei em tudo que tentei fazer.
- Mesmo assim está adiantado, pois na sua pressa não viveu, não fez e nem viu metade do que deveria em sua vida.
Zé ficou surpreso, sempre achou que fazia tudo dentro dos conformes, planejava cada minuto...
- Mandem-no de volta!
Ele não disse nada, mas seu coração agradeceu a oportunidade enquanto sua mente esqueceu o episódio.
Zé reapareceu na mesma avenida, momentos antes de atravessar.
Seu primeiro pensamento foi a esposa e os filhos, precisava passar mais tempo com eles.
Viu o ônibus já chegando ao ponto e conformou-se.
De repente, sem saber por que, sentiu vontade de caminhar.
O fim de tarde estava lindo. Iria a pé.
Zé foi andando devagar, cumprimentando as pessoas e observando tudo.
Quanta coisa ele nunca havia notado! Pessoas, prédios e flores. Flores que, teimosas, nasciam em cada pedacinho de terra que havia entre o concreto.
Então Zé sentiu um desejo imenso de visitar aquele parque que vira de dentro do ônibus.
Neste dia, Zé atrasou-se para o jantar, pois ficou lá, deitado na grama, observando o pôr do sol.