A PRIMEIRA PERGUNTA
A PRIMEIRA PERGUNTA
No princípio, não entendeu o que era, nem o que estava fazendo ali. Memórias vagas de um cantinho aconchegante, e uma certa inquietação, uma sensacão de incompletude e inadequação. Sentia-se diferente, solta, livre, mas perdida.
Fora abruptamente expulsa de seu cantinho, como um ser indesejado, e, agora, via-se envolta num líquido morno, que a impelia para a frente. Para onde? Porquê? Na sua viagem cega pelo túnel escuro e cilindríco que se estendia a sua frente, via coisas flutuando, tal como ela, na mesma direcão. Coisinhas minúsculas, revolteando ao seu redor, impelidas pela mesma correnteza.
Ela? Por que referia-se a si mesma como „ela”? Nao era uma certeza, apenas uma intuicão. Teria dado de ombros, se possuísse algum. Percebeu que, quanto mais se deixava guiar pelas ondulações que a levavam naquele caminho inevitável, mais calma ficava, mais feliz e mais expectante.
A expectativa crescia, a medida que compreendia, não, não compreendia nada! Sentia! Sentia que aquele caminho era sua vida, sua missão e sua felicidade. Seu objetivo de existir e sua derradeira finalidade. Uma euforia crescia no seu interior, uma sensacão de que logo, logo, chegaria ao seu destino e entenderia tudo. Todas as respostas lhe seriam desvendadas, tudo se esclareceria, tudo faria sentido, enfim.
Tremeu. Um ruído ensurdecedor, um milhão de sussurros, um milhão de ondulacões sonoras atingiram-na em cheio e ela, em um clarão de entendimento, sentiu o que estava por vir. O barulho se aproximava, inexorável, anunciando… o quê? Algo se movia em sua direção. Algo forte, tumultuado, faminto. Algo que mudaria tudo, que a arrastaria para sempre no desocnhecido, que a englobaria e a aniquilaria, para sempre!
Numa curva membranosa, surgiram. Eram milhares, milhões? Bilhões. Enxameavam sobre ela, que, icapaz de reagir, viu-se empurrada e picada por todos os lados de sua circunferência. As pancadas repercutiam como um trovão dentro dela, as cabeças batendo contra ela, tentando penetrá-la violentamente, sentiu-se rachar, mas nao sentiu dor. Ao contrário, foi um alívio. Percebeu que aquilo era apenas o começo, que para aquilo tinha percorrido aquele longo e sinistro caminho, sem explicações, sem saber por que, apenas chegara e agora, fora rompida.
Sua crosta foi perfurada, e adivinhou, senitu-se invadida, gloriosamente invadida, preenchida, completa!
Uma explosão de prazer percorreu-a, uma tempestade de novas sensacões e uma certeza de completude e vida! Até aquele momento, não sabia o que era, mas, agora, entendia: fora antes uma metade, e agora, fundida com sua outra parte, estava finalmente completa.
O túnel continuava a sua frente, curvando-se para além da imaginação, jamais saberia o que havia depois. Foram, ela e a invasora, aprisionadas por uma teia vermelha, que as impedia de seguirem seu curso. Mas era ali mesmo que deveriam estar, ambas sabiam. Ambas, nao. Ela sabia.
Ela tonteou, sentindo diluir-se por dentro. A fusão estava completa, e foi só o que ela entendeu, antes de perder a consciência, e involuntairamente dividir-se, primeiro em dois, depois em quatro, e assim sucessivamente.
Quando seu corpo estava pronto e seu cérebro amadurecido, já não havia qualquer vestígio de lembrnça do que vivera antes, restara apenas um desejo, uma meta e uma necessidade vital: esclarecer aquela dúvida, tao esmagadora e terrível que a levara até ali, e a fazia contorcer-se de desespero: Quem sou? De onde vim? Para onde vou?
Seu cérebro só sabia de uma coisa, e para isso voltava todos os seus esforcos: precisava sair dali, em seguranca, sem dor, inteira, para descobrir a resposta. Gritou.
_É um lindo garoto! – Disse o médico. - Como vai se chamar?
_Edson, como Pelé, e vai ser jogador de futebol! – Disse o pai, orgulhoso, e cheio de certezas inúteis.