O negro lado da noite
Autoria: Prof. Osmar Fernandes e Janaína Fernandes
Fazia frio. A madrugada era um breu... tudo era calmo demais. A vida parecia parar por um instante. O negro lado da noite ocupava o lado vermelho do inferno... O mundo parecia ter parado no tempo e no espaço. O sonho adormecido tentava descansar na calçada do sofrimento. A lua se recolheu por algum motivo inexplicável.
O mendigo que não fechava os seus olhos, tremendo de frio, naquela cidade sem alma e sem governante, embrulhado feito “saco de lixo”, em papel velho de jornal, parecia um bicho arisco. Estava atento a tudo e ao nada. Vegetava... afogava-se no medo sem motivação para viver a vida. Àquela rua parecia um cemitério de mortos-vivos, desesperados. Era um após o outro, jovens e velhos esquecidos, sem sorte, sem abrigo, sem fé e sem Deus.
De repente, diante daquela alma penada, irrequieta, que não dormia os olhos, o Negro lado da Noite, perguntou-lhe:
- Por que você vive miserável desse jeito, perambulando, desumanamente?
- Eu vévu assim, pruque num sei falá comu dotô, num tenhu diproma e nem sou adevogado; sempre fui miserávi.
- Mas, isso não quer dizer nada! Tem muita gente que não é doutor, nem tem diploma, nem é advogado e leva uma vida digna; tem família, tem casa, tem comida, tem Deus no coração, enfim, tem vida. Ser pobre nunca foi defeito! Ser bandido é que é crime.
- O sinhô fala assim pruque não vevi aqui nessi mundu disgraçadu. Já tivi quasi tudu issu... Mais essi Deus qui o sinhô diz pra mim, num ixisti, moçu. Tirô tudu dimim. Já tivi famia, já fui da roça, mais cansei. Tô pidindu pra morrê faz tempu. Mais até a morti – essa disgraçada - num mi qué não.
- O senhor está desiludido. Essa desgraça impiedosa é a mendiga de sua situação. A miséria está dentro do senhor. Quando se perde a vontade de viver, de lutar e de querer vencer na vida, ganha-se à desgraça como troféu... é a falência humana. Torna-se um farrapo, um trapo imundo, um derrotado.
- Num sei u qui o sinhô qué dizê cum issu. Mais, a pior disgraça é ter a disgraça de presenti e num pudê faze nada. Óia um monti di disgraçadus qui vevi du meu ladu. Aqui devi sê o infernu. Óia, lá! Aqueli bateu as botas, virô picolé... Tá cum sorti.
- Não! Não foi ele que bateu as botas. Vamos! Temos um caminho longo para caminharmos e o Negro Lado da Noite te esperando. Lá, você vai contar a sua história direitinho. E vai dá conta dos seus feitos vividos aqui na terra. Vamos! Agora, ninguém mais pode te ver, te ouvir ou te salvar.
E, assim, o Negro Lado da Noite partiu, não cochilou e nem dormiu... E a lua começou a mostrar a sua silhueta, lentamente, como quem se despertasse da rede do céu à luz de velas.