MÍSTICA
Marília via coisas entranhadas pelas paredes. Pessoas desconhecidas. Falavam, mas não conseguia entendê-las. Retornavam sempre às duas da madrugada.
Aquela mais magra era uma parisiense, a mesma de um rótulo de perfume dos anos 50. Vinha com o seu par de dançar a valsa sugestiva de romances. Beijavam-se com fogo nos lábios.
Velas acesas lançavam cores sobre as paredes onde outros personagens apareciam em cenas de jantares domésticos.
Um homem a tomou pela mão e a levou para um jardim e ali ficaram até que um vendaval soprou a população das paredes.
Mário colocou um anel no dedo médio de Marília e a deitou na grama do jardim.
No outro dia, pela tarde, Marília avistou Mário sentado no barzinho. Tomava vinho e olhava para o mar.
Dentro de um navio pirata o casal apaixonado olhava as gaivotas cujas cabeças eram as faces das personagens das paredes.
Chegaram à Itália e seguiram imediatamente para a Grécia onde foram recebidos por Platão que acabara de dar uma aula sobre O mito das cavernas.
Marília pediu a Mário para visitar uma pitonisa. Desejava conhecer o passado e ficou, então, sabendo que era funcionária em um shopping, mas que no futuro seria Cleópatra. Não ficou muito satisfeita porque há controvérsias sobre a beleza da Rainha do Nilo.
Marília, mesmo grávida, abandonou Mário, pois se apaixonou loucamente por um poeta chileno, a despeito de um jovem e belo presidente de uma nação poderosa tê-la convidado para substituir uma loira maluca que morreu misteriosamente.
A criança nasceu e se chamou Ramsés. De repente, sem saber como, Marília passou a ser a Rainha de Sabá e estava na cama com o rei Salomão. O poderoso era ciumento e decapitou um jogador de futebol que queria ser mais rei do que ele e tentava conquistar sua rainha que viera da longínqua futura Bahia.
Entrou em cena Dalila. Com a cabeleira de Sansão nas mãos, falou usando toda a força de seus pulmões: Toma, Salomão, que este filho é nosso. Corte-o ao meio e divida para vocês duas que eu vou ali assistir ao show da Madona. Ficou decepcionado porque, depois de sete anos de trabalho, em lugar de Madona, estava Dercy.
Na parede do quarto estavam, em terceira dimensão, Frank Sinatra e Elvis cantando My Way e Carlos Gardel, totalmente bêbado, dançava um tango com Evita.
Observação: escrevi este texto para ver se consigo ser tão lida quanto Paulo Coelho.