MAL DE FOGO

Do ano 980 a 1040 d.c. parece que espectro da morte abril as asas sobre a terra, foi uma época verdadeiramente estranha e sinistra.

A peste e a fome avassalaram toda a Europa e uma doença chamada mal de fogo calcinava as carnes e as faziam cair de podre. A população agora flagelada entupia as estradas e iam, em peregrinação, sucumbir junto das igrejas, ali se acumulando e saturando a atmosfera de odores nauseabundos.

Muitos jaziam insepultos, agarrados ás santas relíquias, a igreja por sua parte fazia dessa triste peste e da fome que estava alheia, uma forma inteligente de aumentar suas riquezas; naquele tempo ergueram-se dezenas de templos majestosos e inabaláveis; pois o povo com medo da morte doava seus bens para a igreja em busca de salvação.

Com a chegada da fome devastadora as pessoas voltaram-se à barbárie. Os lobos deixavam as florestas e viam disputar com o homem o direito de vida. Os ricos emagreceram e os pobres devoravam raízes e não poucos deixaram de incidir na antropofagia.

Vagando pelas estradas, os fortes subjugavam os fracos, espostejavam-nos e comiam-nos.Esse delírio chegou a tal ponto que o animal tinha mais garantias que o homem “.

Texto extraído de uma crônica autentica, escrita por Raul Glaber no ano 1000D.C.

Foi nesse tempo de tristeza e de dor que acordei um dia, tudo ao redor me fazia perceber que o juízo final estava próximo, peno eu por não mais acreditar nessa mentira criada por uma igreja mentirosa e que cresce a cada dia com a desgraça e a ingenuidade de seus fies.

Um dia acreditei e ate segui os seus passos, lá em Roma onde nasci e resisti a uma cidade tomada por inteiro pelo fogo de Nero o impiedoso que a igreja chamava de anticristo.

Foi naquele cenário, creio eu que S. João escreveu o Apocalipse, acho que o cristianismo estava em busca de uma explicação para aqueles tempos de alucinação coletiva.

Após anos de estudos dedicados ao cristianismo e em especial ao livro de apocalipse, descobri que tudo não passou de uma forma estúpida de fazer do medo dos fies, dinheiro; ás pessoas temerosas com o final dos tempos não tinham outra forma se não entregar seus bens em troca da salvação.

Agora no ano 980 eu me deparo com essa peste e com essa fome que destrói crianças, mulheres e idosos, todos sem escolha, o que fizeram para merecer tanto mal?

Estou quase morrendo, meu corpo esquelético já não anda, mas em minha mente resta a ultima força para que eu relate isso tudo.

Estou escondido na floresta de “Mâcon”, perto de uma igreja erguida a S. João, temo por minha vida, as pessoas estão enlouquecidas, qualquer criatura vagando por ai desprevenida pode ser uma presa fácil, tenho um pouco de carne de cervo que aqueço entre minhas pernas, às vezes me arrisco e saio para ir ao mercado de “Tournous” em busca de noticias, mas, infelismente; escuto que os pais devoram seus filhos e outros desenterram os mortos para comê-los.

A fome está por toda parte e o resultado dela também, corpos podres pelos cantos e os odores são insuportáveis.

Ainda no mercado vi e afirmo com certeza, que muitos já vendiam carne humana; a que ponto o homem pode chegar para sobreviver?

Voltei para minha cabana escondida na floresta, muita vezes quando algum viajante passando pela floresta a noite queria abrigo, eu não pensava e prontamente os dava uma cama quente e um pouco de alimento, quando amanhecia os meus visitantes já não estavam mais, eles iam sempre sem deixar explicações e eu passava o dia inteiro a chorar por não ter mais alguém para minimizar a solidão.

Um dia, acordei com dezenas de pessoas que tinham tochas em suas mãos, eles queriam me queimar na fogueira, eu desesperado não entendia aquilo, eles estavam me acusando de quarenta assassinatos, fui levado para o alto de um monte e lá eles me queimariam vivo.

Ali preste a ter meu fim de uma forma atordoante, comecei a lembrar das coisas que fiz tomado por uma força estranha e quem sabe até sobrenatural; essa mesma força estava por toda parte, ela me cegou e me fez comer quarenta pessoas vivas.

O sicário queimou por inteiro e dava para escutar seus gritos por toda a floresta, ele foi apenas uma das mais de 70.000 pessoas que de uma forma ou de outra foram vítimas desse fantasma que logo depois de um eclipse solar desapareceu trazendo uma nova era de calma e paz.

Era o que chamavam de trégua divina e nada de final dos tempos como pregavam os profetas, que fizeram dessa enorme dor, sua maior alegria.

Thiago Rodriguez
Enviado por Thiago Rodriguez em 19/08/2008
Reeditado em 05/10/2015
Código do texto: T1136075
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