A lenda da falta de dinheiro
Dizem as más línguas, até mesmo porque as boas pouco falam, que num país distante, muito distante, distante mais ainda quatro vezes, mas, muito parecido com o nosso Brasil: na língua no tamanho no futebol na safadeza, em tudo! Se não fosse tão distante, iam dizer que era o próprio Brasil, mas não era não! Era não.
Um dia o dinheiro todo desapareceu, sumiu, escafedeu-se! O dinheiro todo, todinho, não se sabe se foi feitiço ou encanto, obra de Deus ou do Diabo, de alguma criança, porque criança às vezes é tudo anjinho e às vezes é tudo diabinho ou os dois de uma vez só e adoram brincar e fazer graça!
Nesse país todo não havia mais dinheiro nenhum, nem pra contar história, nem pra remédio. Dinheiro estrangeiro sobrou? Nem nenhum. Nada!
Os ricos que eram muitos, mas poucos comparados aos pobres, que só pensavam em dinheiro e não existia mais dinheiro para pensar, diziam que não existindo mais dinheiro eles também não iriam existir e assim fizeram. Morreram.
Não morreram todos não! Sobraram aqueles que não só pensavam em dinheiro, pensavam em outra coisa também, um exemplo é a Cléia, era rica, mas era feia, feia de dar dó, feia como bater na mãe por causa de mistura, mais feia que filhote de cruz-credo! Ela arrumou um namorado, e sem dinheiro para comprar um presentinho para ele, arrumou na feira uma moréia, aquele peixe que é cumprido, bravo e feio, não tendo onde colocar, colocou ele na bolsa, depois de amassar e beijar bem o namorado, pediu para ele pegar o seu presente na bolsa dela, ele fez, mas a moréia lascou uma dentada nos dedões dele que rancou naco! Ele pensou que o presente era a dentada e ficou com uma raiva danada! Espalhou a história.
Todo mundo ficou sabendo e apontavam ela dizendo:
_ Lá vai Cléia da moréia!
Depois virou a moréia da Cléia, e como a língua do povo simplifica tudo, virou a Mocréia, por isso que nesse país mulher feia hoje todos chamam assim.
Voltando, deixa desviar não!
Os pobres, que choramingavam a falta de dinheiro, choram tanto, tanto, mais tanto, porque a falta de dinheiro era tanta, que eles morreram também. De secura! Mas antes de morrer encheram o mundo de criança, que para fazer criança não precisava de dinheiro e paravam de chorar um bocadinho.
A criançada, essa cresceu! Fizeram tanta festa com doces pirulitos balas, tudo menos verdura, e isso nem precisava dizer! Não precisava de dinheiro para nada! Iam jogar jogo eletrônico jogo de truco jogo de futebol jogo de vôlei, jogo de damas, até jogo de jantar! Era uma belezura para a criançada tudo era pura diversão!
Havia pessoas que viviam bem sem dinheiro, diziam que dinheiro não era nada e ninguém nunca não precisava dele! Essas viveram melhor ainda!
Comprar ninguém mais comprava, trocava, dava, emprestava, os que pedia de volta ficavam corcunda, é o que acontece com quem empresta e pede de volta, segundo a lenda nesse país,
Iriam comprar como sem dinheiro? Não compravam, faziam assim:
_ Meio quilo de toucinho por um quilo de farinha!
_ Um galo vivo por duas canja de galinha!
_ Um beijo e três cafunés por uma carta assinada!
_ Três litros de óleo por uma carne assada!
_ Toma lá e dá cá, tome isso que dá nisso!
_ Cê ta loco? Loco é ocê ! Você não vê que isso é chouriço!
Num dia desses de troca-troca, um capiau do interior desse país estava numa sede para pitar um cigarrinho de palha, mas com o fim do dinheiro fazia tempo que ele não pitava.
Era de sorte. Passou por ele um jovem cabeludo, olhos vermelhos que nem fogueira de São João, conversa vai, conversa vem, que todo capiau, bom mesmo é de prosa, conseguiu com o cabeleira um punhadinho de fumo que não era de corda não!
Como não tinha onde carregar o fumo, pôs no sapato, chegou em casa guardou em baixo do colchão e fumo era fedido, muito fedido. E com o fumo fedido capiau acostumou.
Pitava, pitava sempre, pitava bem, pitava até olhinhos ficarem em brasa, depois dava uma moleza. Nem perguntava mais porque fumo era tão fedido e não era de corda não.
Certa vez caiu de cócoras como de costume e começou a pitar, calma, tranqüilamente. Pitava só vendo fumaça subir. Encostou perto um dos guardas desse país e deu cheirada no ar, deu safanão no capiau e pediu para ele cuspir no chão, capiau tentou, não conseguiu não. Cuspi estava seco só.
O guarda aguardava aguado, capiau sozinho se ria do guarda que havia tomado seu fumo. O guarda falou:
_ Quê que ta fazendo aqui?
_ To pitando sô!
_ Que pitando que, isso não é cigarro não!
_ É sim, cigarrinho bão!
_ Cheira cheiro mau.
_ Ele cheira fidido assim, porque pus ele embaixo de colchão de dormir, umideceu, estragou, mas ainda tá bom sim!
_ Vai preso ou leva sova, escolhe pra mim!
É por isso que depois daquele dia nesse país, todos que pitam fumo que cheira fedido e não é de corda não, tem que pitar escondido, senão: vai preso ou toma sova de guarda de plantão.
Depois de algum tempo, algum não, muito tempo! Que ser humano não aprende logo de saída, demora, padece primeiro, eles começaram a perceber algumas coisas sem importância, como: honestidade bondade simplicidade caráter índole educação, coisas que o dinheiro escondia, e agora não tinha mais dinheiro para esconder tudo isso atrás dele.
Namoro por interesse? Não tinha mais não. Golpe do baú? Também não. Puxa-saco? Sumiu tudo. Mulher que agüentava marido? Não agüentava mais não!
Sapato de plástico era sapato, de couro de jacaré era sapato, de couro de boi era sapato, de couro de pelica era sapato, botina de lona era sapato, não tinha mais o dinheiro para dizer esse é bonito esse é feio. E era bonito o que era bonito e feio o que era feio!
As pessoas começaram a tratar melhor umas as outras, pois eram tudo gente igual, agora não tinha mais o dinheiro para dizer esse é gente boa esse não é não.
Dizem que nesse país dinheiro não tem até hoje, e a maioria da população passa aperreio, que é o nome que se dá para o ato de ficar sem dinheiro, e que Deus fez o dinheiro nunca não existir para as pessoas repararem mais no interior das outras pessoas e no seu também.