Morte no Camping - parte 1 de 3
A garota loira enfiou a cabeça no vão da porta do chalé.
---- Hei! A turma já fez a fogueira! Vai demorar aí?
O homem dentro do chalé virou-se assustado.
---- Ora Carla! Quase me mata de susto! Já te falei para respeitar minha privacidade!
---- Ah, que besteira! Vem!
---- Já vou! Mais cinco minutinhos!- ele disse e continuou a contagem que fazia quando fora interrompido.
O camping era em um local de grama rala e uma lagoa de água serena e límpida ficava a menos de dez metros de onde estavam as barracas. Prevendo enchentes em dias de chuva a relva onde as barracas estavam juntamente com os chalés, ficava em um terreno mais elevado que impedia a água de acabar com o divertimento das pessoas que ali acampavam.
Uma fogueira ardia entre três barracas pequenas. Ao redor da desta, oito jovens estavam sentados. Uns bebiam vinho, outros tomavam caipira. Eram três homens mais cinco mulheres. Além do homem que agora caminhava para eles como um líder.
Era de estatura mediana, barba por fazer e rosto não tão alegre.
Trazia na mão uma bacia onde tinha batata doce.
---- Aí pessoal! Batata doce assada na brasa é o jantar nosso de hoje!
---- Eca! e a carne? - perguntou um rapaz de olhar inteligente e atento.
---- Amanhã Leonardo! Temos ainda mais dois dias de acampamento! Uma coisa de cada vez! - disse Carla que era a mais velha da turma.
---- Sei não! O senhor é diferente dos outros guias! Eles geralmente são alegres e festeiros. - disse uma menina que tremia de frio dentro de um moletom. Seus cabelos ainda estavam molhados do mergulho que dera recentemente.
---- É que eles são esses guias modernos. Eu ainda mostro o jeito antigo de fazerem as coisas. Por exemplo, se fosse por mim as barracas de vocês só seriam montadas depois que a fogueira se apagasse. A gente cavaria um buraco, jogaria as brasas, colocaria terra em cima e então sim, as barracas seriam montadas. Não precisariam nem de cobertas.
O solo conservaria o calor.
---- Ha Duvido! - disse um outro rapaz que estava com o copo de caipira na mão.
O homem de barba pegou o copo com uma das mãos e com a outra jogou uma batata no meio de umas brasas que retirara de entre o fogo.
---- Eu vou montar a minha barraca desse jeito! Daí depois vocês podem tirar suas conclusões.
---- Quero só ver! Então porque está com o chalé?
---- E onde guardaria todas as coisas? Ainda se algum de nós tivesse uma daqueles barracas de família, com varanda e tudo.
---- Meu pai tinha uma. Mas a Carla falou que não era necessário!
---- Foi você quem falou para dizer a eles para não trazerem! - disse a moça loira.
O homem sorriu, mostrando os dentes brancos.
---- Vocês já imaginaram subirem a mata com uma barraca daquelas nas costas? Ou então o tamanho de uma mochila para levar um troço desses? Mesmo se tivesse uma mochila assim, logo haveria um monte de Quasímodos por aí.
Todos deram risadas.
---- Faz tempo que você é guia? - perguntou Carla - Eu peguei seu anúncio no jornal e foi o que me cobrou mais barato, mas a gente nem teve tempo de conversar direito.
---- Tem razão! Deveríamos ter conversado mais. Sou guia a um bom tempo. Conheço esta mata como se fosse parte dela. Suas árvores, suas grutas e quedas d’água.
---- Pois é, a Carla disse que a gente amanhã vai subir até uma cachoeira. Estou curiosa pra caramba! - disse uma outra menina enrolada em um cobertor e bebendo um copo de vinho.
----- Porra bicho! A gente bem que podia ligar um som! Isso aqui até tá parecendo um enterro. - reclamou um dos adolescentes
----- Não! Nada de som! A natureza não pode ser entendida dessa maneira. Se vocês querem gostar dela, entendê-la. não tragam para cá os modernismo. Já vi gente acampando com televisão, frigobar, rádio,...um monte de idiotas. Ocorre que ao invés de curtir in natura ficam presos como se estivessem na cidade. Não! comigo não!
---- Mas...Everaldo, nem uma musica em volume baixo!? Não tem ninguém por perto! O Márcio tem razão as coisas estão muito chatas! - disse Carla.
---- Vamos fazer o seguinte então: uma rodada de piadas, cada um conta uma piada, que tal? - disse o homem olhando para todos os jovens.
Concluiu que nenhum deles tinha mais que 25 anos e que todos já haviam passado dos quinze.
Logo contavam alegremente piadas e o tempo foi passando. As batatas assadas na brasa da fogueira eram pouco a pouco devoradas. Alguns dos jovens tinham problemas no pegar, mas logo aprenderam como o fazer.
Tempos depois, alguns já estavam com sono, e começaram a se retirar para dormir.
Então ficaram ao redor da fogueira quatro pessoas.
Carla, Everaldo o guia, Márcio e Ana Carolina.
---- e agora? Alguém sabe de mais alguma piada? - perguntou Everaldo.
Todos balançaram a cabeça negativamente.
---- Conta alguma coisa do teu tempo de guia! Provavelmente já deve ter passado por muitas situações inusitadas! - disse Carla.
----- É! tipo aquelas histórias de horror! Lobisomens e coisa e tal! - disse Ana Carolina.
O guia abaixou a cabeça e levantando os olhos, fez com isso uma cara que assustou os jovens ao seu lado. Com o reflexo das chamas em sua íris era como se suas vistas estivessem pegando fogo.
---- Querem mesmo ouvir isso?
---- Claro! eu não estou com sono!- disse Carla
---- Nem eu! - ajuntou Ana Carolina.
----- Tamos aí! Manda ver!- disse Márcio ansioso.
O guia jogou um pedaço de madeira na fogueira e fagulhas subiram no ar.
----- Bom, vou contar uma história pra vocês! Mas não é história, é coisa real.
----- Se é algo bom pode contar. - disse a loira que organizara a viagem.
----- Depende o que é bom para vocês!
---- Ora! História boa tem que ter sangue, porrada. Senão vira história da carrochinha! - disse Márcio tomando um gole de vinho.
Carla estava com uma espiga de milho na boca.
---- Não sabia que era tão bom! -huhumm - pode começar, estou ouvindo.
---- Vai se empanturrar Carla! - disse Ana Carolina rindo.
---- Bom, a história começou em Dezembro de 1989. Em um camping da cidade de Santos- São Paulo. O dono do camping estranhou o cheiro que vinha de um dos chalés. Era um cheiro nauseabundo, nojento mesmo. A polícia foi chamada e encontraram o cadáver de uma moça de 23 anos todo retalhado. Olhando nos registro para ver quem ocupara o
chalé pela última vez, chegaram ao nome de Francisco de Oliveira.
O guia parou de falar e mordeu a espiga de milho que tinha na mão. Tomou fôlego.
---- Porra! Só isso? - disse Márcio
---- Bom, eu só estava tomando fôlego. A policia iniciou uma busca baseada no retrato que o dono do camping fez e quando o caso chegou nos jornais, uma senhora ligou para a policia dizendo que Francisco de Oliveira era seu filho. Mas que tinha desaparecido já fazia vinte dias. O desenho do retrato foi mostrado a ela e apesar de achar o desenho mal feito, disse que parecia seu filho sim e confirmou que ele saíra de casa para acampar no litoral. Não sabia precisar o local.. A policia pensou que já tinha resolvido o caso. Ledo engano. Dez dias depois da moça ser encontrada no chalé, vizinhos de um camping em São Vicente encontraram um corpo em estado avançado de decomposição. Na verdade pouco restava do cadáver. Através de uma corrente em torno do pescoço a policia constatou que se tratava de Francisco de Oliveira. O verdadeiro, pois no laudo descobriram que o jovem já estava morto fazia uns sete dias quando da morte da moça em Santos. Quem o matara tomara seus documentos e fizera-se passar por ele. Através de fotos antigas de Francisco a policia observou que era de um tipo comum. Fisionomia, altura, constituição física igual a milhares de pessoas. Qualquer um poderia passar-se por ele.
---- Mas ninguém viu nada? Digo, alguém que andava com ele, durante os dias que esse Francisco estava acampado em São Vicente?
---- A policia disse que o assassino era alguém muito esperto e que provavelmente só se encontrava com Francisco á noite.
---- Por que só a noite? - indagou Carla.
---- Francisco era gay.