ACONTECEU EM SANTA CRUZ

Os Moretti chegaram de navio ao Rio de Janeiro na virada do Século XX, literalmente com uma mão na frente, e a outra atrás. Aproveitando o incentivo que o governo brasileiro oferecia a ao cidadão italiano que aceitasse o convite. O desemprego no norte da Itália foi realmente a causa principal da migração da família.

Essa primeira geração precisou de perseverança e foco para dar qualidade de vida e um futuro promissor aos filhos. César Moretti, o primogênito acabou tendo a carreira mais bem sucedida entre os quatro filhos.

Com sua oficina e loja de material automotivo, conseguia simultaneamente fazer serviços que demandariam até três ramos diferentes desse mercado. O cliente parava para fazer uma revisão do carro, mas saía de lá com aquele amassão não só solucionado, mas com a pintura do bólido cristalizada. A loja do estabelecimento, voltada para rua, atendia tanto a demanda interna, como também a externa.

Encontrando esse nicho de mercado ainda em aberto, a empresa prosperou. Como a evolução da tecnologia embarcada nos veículos exigia aprimoramento da mão de obra, Césinha como era conhecido na empresa, bancou cursos de aperfeiçoamento para seus funcionários.

O empresário tratava funcionários como uma família, visando assim dar tranquilidade a todos para se preocuparem exclusivamente com o serviço a ser executado.

Em casa, sua esposa conseguira se transformar numa referência na educação de crianças com deficiência mental. Seus dois filhos desfrutaram da melhor educação privada disponível na cidade, ambos concluíram seus estudos na PUC.

Teodoro seu filho mais velho, avisou a todos de seu desejo fazer a carreira policial, e prestaria concurso para delegado. A reprovação da escolha foi unânime, e na viagem que fizeram no fim de semana à casa de verão em Petrópolis, o assunto único foi sua bendita escolha.

Césinha queria a companhia do filho na empresa, já que Tarciso o menor, participava ativamente do negócio familiar. Césinha sonhava em viajar para enfim conhecer suas raízes alpinas, mas precisava ter certeza que os herdeiros estivessem aptos a tocar os negócios.

Não teve jeito, Teodoro acabou aprovado no concurso, tentou ser deslocado para a 105ª DP em Petrópolis, onde poderia residir com a família na casa dos pais, normalmente subutilizada, mas acabou sendo alocado em Santa Cruz, na 36ª DP, função da aposentadoria do titular. Antes de deixar o cargo, o delegado Barbosa passou para o substituto o andamento de seu último trabalho investigativo.

Mal sentou na cadeira de delegado recebeu uma carta anônima, e vinha cheia de insinuações, sugerindo que encerrasse o inquérito por falta de provas. Afirmavam conhecer bem sua família e já tinha visitado em São Cristóvão, a oficina onde pai e irmão tocavam o negócio familiar. Para aumentar ainda mais a dose de adrenalina, avisaram que Barbosa, sem ter força para aguentar a pressão, optara por se afastar em definitivo da polícia.

Na mensagem havia prazo limite para encerramento da investigação, duas semanas a contar da chegada da carta. Teodoro entrou em pânico, nem comunicou o fato a parentes, marcou para o dia seguinte uma conversa com o secretário de segurança.

A alta cúpula da polícia até então alegou não ter informações sobre a investigação e muito menos da pressão que a milícia exercia na região, e claro do interesse nas denominadas bets, que subitamente se transformou na principal fonte de renda do crime organizado, superando a soma de todos os serviços prestados anteriormente à comunidade, que incluía além da segurança, gás, água, internet e drogas.

Teodoro, não tinha como enfrentar a pressão, mesmo estando em estágio probatório, pediu e conseguiu a transferência para Petrópolis. A família agradecida comemorou a mudança, ficando agora livre do calorão carioca que não respeita mais estações e também dos custos bem superiores para quem vive na capital do estado.

Teodoro até tentou saber quem assumiu a delegacia de Santa Cruz, mas ninguém sabe como anda o clima naquela área, onde a milícia assumiu o controle da maior parte do território e onde comprovadamente pessoas cadastradas no Programa Bolsa Família, investem o dinheiro do programa em apostas e o nível de endividamento no cartão de crédito dos locais parece uma doença contagiosa, que vai indiscriminadamente atingindo a maioria de seus moradores.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 01/10/2024
Código do texto: T8163902
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