SOLUÇÃO INESPERADA
Aquele cenário é mesmo de tirar o fôlego, me refiro ao trecho final do verde vale que permeia a Rua Cosme Velho, a principal artéria e também homônimo do bairro, ali vizinha a casa onde residiu o jornalista Roberto Marinho.
O pequeno prédio rosa de janelas brancas, neste trecho da rua conta com o discreto charme do Rio Carioca, correndo livre a sua frente, sua transposição se faz por diminuta ponte, que separa área pública, da privada. Em seguida esse corpo d’água mergulha na escuridão das tubulações, para só voltar aparecer quase na foz, ali na Praia do Flamengo, onde finalmente se junta às águas da Baía de Guanabara.
Quem por acaso esbarrou nas calçadas do entorno do prédio rosa, com um singelo casal e seus três pequenos filhos passeando, não seria capaz de imaginar o drama que acontece em seu apartamento, neste bucólico recanto bem aos pés da Floresta da Tijuca.
Moradores do prédio já conhecem bem de perto o histórico envolvendo o casal, bastava se aproximar o final do mês, momento que a grana ia ficando curta, para Eduardo, o provedor, incomodado com a situação, dar uma paradinha no boteco da esquina, a dois prédios de casa.
Sabe aquela história “de beber para esquecer”, ele levava isso a sério, e esquecia boas maneiras, respeito ao próximo, aí incluídos os três filhos e saía quebrando tudo em casa, aos berros fazia discursos sem sentido, sempre coalhado com palavras de baixo calão.
Naquele instante, era protagonista de um espetáculo às avessas para a vizinhança, que aos poucos foi se acostumando com a coisa, naquele tempo ainda valia aquela máxima, “em briga de marido e mulher, ninguém deve enfiar a colher”.
No dia seguinte, era deplorável a expressão de Marli, sua ainda fiel companheira, que algumas vezes apresentava marcas das escoriações sofridas, resultado da fúria indomável de seu descompensado companheiro.
Fora essas mudanças de tempo, com chuvas e trovoadas, o clima da família parecia harmonioso, ela sempre acompanhada da filharada para cima e para baixo, os quatro sempre juntinhos. Levava cedo as crianças para escola, voltava para os afazeres de casa, perto do meio dia retornava à escola, e a parte da tarde se dedicava integralmente aos filhos, ora ajudando nos deveres de casa, ora cuidando da demanda dos três, em escadinha etária.
Os anos passando, e o comportamento de Eduardo permanecendo o mesmo, crianças crescendo e também presenciando e sentindo a mesma raiva, antes restrita à mãe, que agora respingava para eles, sem qualquer tipo de filtro.
A partir de certo momento, vizinhos passaram sofrer a angústia de assistir de forma passiva, a tanto desequilíbrio emocional, e Artur morador do térreo, mais incomodado com a situação, resolveu acionar a polícia.
Para variar, mais uma vez ficou patente o despreparo de nossos policiais, que a princípio deveriam buscar formas de minimizar o problema, mas diante da realidade, resolveram eles próprios fazer justiça com as próprias mãos, deixando o transtornado Eduardo, com um braço quebrado e algumas escoriações pelo corpo, por resistir à ordem de prisão.
Enquanto isso, Roberto, Rogério e Ronaldo, assistiam estarrecidos a esse filme de horrores, com mais esse novo capítulo, agora envolvendo a força policial.
Agora sim, as coisas iriam complicar de vez, sem condições de dirigir o ônibus da empresa, Eduardo não receberá integralmente seu salário, e o INSS que deveria complementá-lo, habitualmente demora a liberar esse benefício. Logo, o que já não ia nada bem, piorou de vez.
Afastado do trabalho, com tempo ocioso em casa, o provedor passou a assíduo frequentador do bar da esquina.
As confusões antes esporádicas passaram a praticamente diárias, a própria polícia, mesmo acionada, demorava propositalmente a atender ao apelo dos moradores, Eduardo se negava a abrir a porta do apartamento. Fosse para quem fosse!
Aconteceu, logo após a mais uma crise, quando desgastado pelo cansaço, que o inesperado veio à tona, e de forma trágica. Roberto, o mais velho dos irmãos, do alto de seus catorze anos, e que sempre evitava assistir as dolorosas cenas de violência, se entocando no quarto, apertando travesseiros aos ouvidos, finalmente resolveu sair de sua toca.
Já devia ter planejado essa ação anteriormente, mas deve ter lhe faltado coragem anteriormente de levar a ideia a cabo. O maior facão da casa já estava escondido sob sua cama há algum tempo.
Esperou todos pegarem no sono, assistira alguns vídeos na internet com explicação detalhada de como cravar a lâmina no corpo de alguém dormindo, para atingir certeiramente o coração. Seguiu ao pé-da-letra os passos vistos e revistos algumas vezes na telinha, e se saiu muito bem na execução da tarefa.