Benefício indireto

Eu estava sentado no café, de frente para a rua, quando a garota entrou. Teria talvez dezesseis anos, cabelos negros lisos caindo sobre os ombros. Achei que a conhecia, e não estava enganado: ela veio direto até a minha mesa e parou, me encarando com ar de desafio.

- Eu me lembro de você; - declarou em voz baixa - você matou meu pai.

- É provável - redargui, encarando-a nos olhos castanhos. - Isso aconteceu quando você era bem mais nova, creio.

- Eu tinha onze anos; nunca vou esquecer daquele dia - afirmou ela.

- A filha de Martin Faragó - recordei.

- Natália - identificou-se ela.

- Se veio para me matar, Natália, é bom fazer isso logo - repliquei calmamente.

Ela fez um gesto negativo.

- Procurei você por todo esse tempo, mas para agradecer.

- Então, é minha convidada. Sente-se - convidei-a.

Ela obedeceu, de forma tímida, e ficou me encarando.

- Não sabe quantas vezes eu tinha pedido que o céu ou o inferno levassem meu pai - disse por fim. - Ele era um monstro.

- Seguramente, não foi o céu quem me enviou - admiti. - Mas sim, Faragó era um monstro; soube depois o que ele fazia, com sua mãe e suas irmãs mais velhas. Mas não mereço seus agradecimentos pelo trabalho executado; sou um profissional, ganho bem para fazer isso.

Natália abriu um sorriso feroz.

- E nem precisei pagar, não é?

- Considere como um benefício indireto - avaliei. - Mas o que quer, afinal? Não veio aqui só para me agradecer, certo?

- Verdade. Eu...

Inclinou o corpo para a frente, sobre a mesa, e sussurrou:

- Quero ser uma assassina, como você. Há muitas mulheres que precisam ser libertadas.

Balancei a cabeça.

- É um bom argumento - avaliei. - Mas não estamos neste negócio para fazer justiça, embora muitas vezes quem morra realmente mereça morrer. Compreende isso?

Ela fez um gesto afirmativo.

- Veremos quando tiver que tirar a sua primeira vida - ponderei. - Enquanto isso... chá ou café?

- Leite maltado - replicou simplesmente Natália.

- [25-07-2022]