LINHA POLICIAL – Paulo Alves – Parte três – Capítulo quatro

Linha Policial 3

Romão Félix acordou inspirado naquela manhã. Antes do café ele conferiu se os reféns estavam bem de uma certa forma. Lá estavam eles. Sentados no chão, mãos para trás, bem amarrados por cordas grossas e vendados. Somente um deles se mexia, os outros dois pareciam desacordados. Romão chutou a costela do que estava com as pernas esticados. O homem arfou trancando os dentes.

- Seu saco de bosta. – berrou.

- Desculpa, pensei que estivesse dormindo. Soldado Samuel.

- Você será morto, cara. – falou cabo Almeida sangrando pelo nariz.

- Duvido muito. Na verdade eu terei de volta minha encomenda que o seu chefe roubou.

- Você não conhece o Alves, a essa hora ele já deve estar em sua caça, você vai preferir morrer. – disse Araújo quase gritando.

- Deixa de história. Se a polícia de Luzia tem o seu exército, Romão Félix também tem o seu. Mais tarde vocês verão quem está na vantagem.

Sim, Romão se encontra com uma boa vantagem com relação a polícia, porém ele também sabe que sua cabeça está a prêmio. Três agentes sequestrados. É preciso ter uma mente doentia para pensar e executar tamanha loucura. Mas agora é um pouco tarde para voltar atrás. Félix entrou num jogo muito perigoso para simplesmente abandona-lo assim, sem falar de sua reputação como fora da lei. O jeito é colocar a cabeça pra pensar e seguir com o plano.

*

A cidade de Luzia acordou como aquela mãe preocupada que não viu o filho voltar da curtição. A todo momento os telejornais informam a população sobre o andamento das investigações sobre o sequestro dos três policiais. Desde as primeiras horas dessa manhã ensolarada a foto do cabo Almeida e dos soldados Araújo e Samuel estampam as telas dos televisores com repórteres fazendo coberturas ao vivo. Janaína é uma das milhares de pessoas interessadas no caso. Mesmo enfrentando alguns problemas como uma possível gravidez indesejada, ela prepara seu desjejum assistindo ao noticiário matutino.

- A polícia segue com as buscas desde a madrugada. O chefe de polícia, Damião Ramos, em sua coletiva, disse que trazer Samuel, Araújo e Almeida de volta é uma questão de honra para a corporação e que confia na liderança da operação. Como todos sabem, quem lidera a operação é o detetive Paulo Alves. Voltamos aos estúdios.

Janaína Lopes se pegou alisando a barriga ainda inexistente. Ao perceber tal ato ela o parou imediatamente. A jornalista desligou a TV e se lembrou que não havia ligado para o amor de sua vida desde quando ele saiu correndo de casa assim que soube do sequestro dos amigos. Ela fechou a garrafa térmica e pegou o celular em cima da mureta que divide a copa da cozinha.

- Oi, querido, como estão as coisas por aí?

- Complicadas, não temos pistas, estamos agindo no escuro. E você, como está, dormiu bem?

- Sim, na medida do possível.

- Eu vou resgata-los, nem que para isso eu tenha que mandar fechar Luzia inteira.

- Calma, pense. Ramos está do seu lado. Melhor. A cidade está do lado da polícia. Faça o que sempre fez. Trabalhe com inteligência.

- Obrigado, amor, eu precisava mesmo ouvir isso. Te amo.

- Também te amo.

*

Paulo voltou para o DP por volta das dez da manhã. Abatido, barba crescida e com uma leve dor de cabeça louco por um café forte. Antes de entrar ele foi abordado por jornalistas de plantão na entrada.

- Detetive Alves, uma declaração por favor.

- Sim? – Paulo controlou a vontade de bocejar.

- O nome de Romão Félix aparece na linha de investigação, o senhor pode confirmar isso?

- Por enquanto eu não confirmo nada. O que eu no momento posso afirmar é que estamos fazendo o nosso dever. E mais, quero que os familiares dos agentes se tranquilizem, eu irei busca-los.

Paulo entrou e em questão de minutos sua curta entrevista rodou a cidade. Sem paciência, ele andou até o banheiro. Urinou. Lavou as mãos e aproveitou para lavar o rosto também, tentar despertar uma pouco. Sua mente não para de girar. Não bastasse o fato de sua namorada estar suspeitando de uma gravidez – coisa que ele adoraria que se confirmasse, Paulo sabe que terá pela frente um chefe enfurecido, louco, disposto a colocar todo o seu pessoal nas ruas em prol dos companheiros sequestrados. Isso seria péssimo. O jeito é mostrar serviço. Ele saiu do banheiro. Ao ganhar o corredor ele deu de frente com Damião. Braços cruzados, pernas semiabertas, o sujeito fica ainda maior.

- Posso falar com você? – voz moderada.

Expirou Paulo.

- Sim, chefe. – deixou os ombros caírem.

- Lhe devo desculpas. Perdi o controle. Sabe como é, apesar do cargo que ocupo hoje, carrego dentro de mim o policial que um dia fui. Devo admitir, eu me vejo em você, tudo que eu tinha você tem, autocontrole, garra, polícia na veia e principalmente, sede de justiça.

- Obrigado, senhor.

- Precisamos tirar nossos homens das mãos de Félix e já me coloco a sua disposição para isso.

Alves sentiu como se uma tonelada fosse retirada de suas costas. O alívio foi tão significativo que ele não conseguiu disfarçar o sorriso.

- Vou organizar uma operação de busca. Me encontre em meia hora no estacionamento, por favor.

*

Romão assistiu a entrevista do detetive Alves e se sentiu desafiado. Afinal, que raios de bandido é esse que tem a vantagem e não sabe aproveita-la? A polícia não está levando isso a sério, só pode, pensou desligando a TV. Félix agora possui homens a seu serviço, sua fama o trouxe até aqui.

- Pense, idiota, pense! – falou saindo do quarto.

Ele convocou dois de seus asseclas e foram até onde os agentes se encontram presos.

- Patrão, o senhor tem certeza? – perguntou um sujeito alto de rosto marcado por espinhas.

- Não me questione. Pegue o da ponta.

Soldado Samuel, um jovem policial que ingressou na polícia há três anos. Apesar da pouca idade, Samuel possui família, sua esposa aguarda a segunda menina. Ele é colocado sentado de qualquer jeito numa cadeira. Vendado e amordaçado. Braços amarrados para trás do corpo. Ele já não oferece resistência, está fraco e com fome. O bandido inicia o vídeo quando Romão enterra o cano da arma na têmpora esquerda de Samuel.

- Detetive Paulo Alves infelizmente o seu ímpeto vai custar a vida do agente Samuel.

Sem cerimônia o gatilho foi puxado. O tiro a queima roupa assustou até os comparsas que tiveram que assistir a chuva de massa encefálica cobrindo a câmera do celular. Tremendo o bandido a limpou com o dedo.

- A culpa é toda sua, Alves. E digo mais, se eu não tiver as minhas duas toneladas de droga de volta, postarei outro vídeo matando o policial Araújo. Entregue meu material até às onze da manhã de amanhã no porto de Luzia. Deixe lá e vá embora.

Vídeo encerrado.

*

O que é o mundo informatizado. A informação chega no lar de cada um numa velocidade assustadora. Boas ou ruins, as notícias vão se acumulando nos aparelhos deixando seus usuários assoberbados. O vídeo da execução do policial Samuel rodou o país e em questão de minutos Damião Ramos se encontrava com os olhos marejados o assistindo. Alves foi chamado e obrigado a acelerar o processo do resgate. Assim que o investigador se apresentou, o telefone em cima da mesa do chefe soou o deixando ainda mais furioso.

- Chefe Ramos, pode falar, governador.

Paulo Alves estava na metade do caminho, entre o corredor e a sala fria de seu superior que gesticulou para que ele entrasse logo. Damião tentou de todas formas se manter calmo ao falar com o executivo, mas, houve momentos em que a voz grave da montanha ecoava nas paredes. A conversa durou apenas dois minutos, porém foi bastante intensa, ao final Ramos tinha a testa molhada.

- Alves, precisamos sair agora e pegar o Romão.

- Já reuni os homens, senhor, partiremos em cinco minutos.

- Que merda foi essa, meu Deus do Céu. – colocou as duas mãos na cabeça.

- Ele quer a droga. Não darei a ele. Agora virou guerra.

- Concordo com você. – abriu a gaveta e pegou uma Taurus. – simbora.

A imprensa marrom chegou primeiro na residência do soldado Samuel e presenciou momentos de desespero por parte dos parentes e principalmente da viúva grávida de sete meses. Assim como foi o vídeo da execução, a reportagem circulou Luzia causando uma comoção generalizada e aborrecendo as autoridades polícias. Janaína assistiu a cobertura e ficou envergonhada por ser jornalista e não concordar com esse tipo de sensacionalismo barato. Por outro lado, ela se sensibilizou com a esposa do agente. Grávida, sem marido, terá que se virar para cuidar das duas crianças sozinha. Janaína se colocou no lugar dela por um instante. E se eu estiver grávida?, Pensou. Outro vez ela se pegou acariciando sua barriga e mais uma vez a namorada de Paulo espantou o pensamento fechando o vídeo. A redação está movimentada e mesmo em meio ao furdunço ela correu até o banheiro e ligou para o detetive.

- Oi, Paulo. Onde você está?

- Meio ocupado, agora. Fique na linha. – houve uma pausa. Janaína supôs que chefe Damião estivesse por perto. – oi, pronto, Damião estava no estacionamento a meu lado. Estamos saindo agora para mais uma busca. Você viu o vídeo?

- Vi!

- Ele me desafiou, Janaína, ele me desafiou, dá pra acreditar?

- Você é um bom policial. Luzia está em boas mãos. Vá, faça o seu trabalho. Pegue o canalha do Félix.

- Pode deixar comigo.

Assim que guardou o celular no bolso, Paulo Alves gesticulou para sua equipe e isso incluindo seu chefe direto.

- Vamos!

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 28/02/2021
Código do texto: T7195094
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