LINHA POLICIAL - Paulo Alves - Parte três - Capítulo dois

LINHA POLICIAL 3

Paulo Alves

O sonho de toda mulher é a maternidade. De repente esse sonho pode não estar em primeiro plano, mas de qualquer forma ele sempre se faz presente na vida de todo ser do sexo feminino. No caso de Janaína, a maternidade se encontra fora de seus projetos – pelo menos por enquanto. Só em pensar que há uma grande possibilidade dela daqui há nove meses ter nem seus braços um bebê exigindo dela todo o seu tempo, a jornalista entra em crise.

- Não, isso não pode ser verdade, é apenas um mal estar passageiro. – falou sentada em sua mesa na redação.

Quem ficará feliz em saber será Paulo que já declarou que gostaria de construir uma família com ela. Casar, morar juntos e dividir às contas, até aí tudo bem, mas ser mãe agora já é demais.

- Como pude dar um mole desse? – sacudiu a cabeça.

Um simples e barato teste de farmácia acabaria com essa dúvida, porém o que a maltrata é justamente o processo de sair e ir até a drogaria. Serão momentos torturantes, angustiantes esses poucos metros até lá. Como trabalhar com a cabeça girando a mil por hora? Seria viável ligar para Paulo e deixá-lo a par disso? Depois de refletir um pouco Janaína achou melhor não atrapalha-lo em sua missão. Ela até tentou voltar a trabalhar digitando sua matéria, mas a ansiedade foi mais forte e ela correu para a farmácia.

*

Paulo Alves voltou para o ponto de observação, um prédio modesto que fica em frente ao prédio onde Romão mora. Tudo o que ele conseguiu obter de informação até agora foi saber que Félix adora farra com prostitutas e que diariamente ele pede comida pelo aplicativo. Alves sabe que para prender um sujeito feito Félix é preciso mais do que ficar ali, pendurado na janela observando suas movimentações. É preciso descer e agir. As vezes a vontade é de ir até lá, tocar o interfone e algema-lo, mas isso não seria inteligente, esse ato faria com que o efeito surpresa fosse por água a baixo. Paulo Alves tem um lema que ele faz questão de lembrar quando está a ponto de cometer uma idiotice. Quem troca tiro com vagabundo é policial burro. Por essas e outras razões que ele permanece ali, sentado, aguardando uma oportunidade para dar o bote certo.

Quem espera sempre alcança, ou morre esperando, e às vezes consegue êxito. Por volta das dez da manhã Romão Félix recebeu em seu apartamento um sujeito esquisito, alto e sem muito jeito para andar. Não se passaram cinco minutos e logo ele deixou o prédio. O policial deixou seu equipamento e desceu de dois em dois degraus chegando na calçada ainda pouco movimentada devido ao horário. Paulo estava quase correndo quando faltava poucos metros até o esquisito.

- Amigão! – disse Alves.

O cara era ainda mais estranho de perto.

- Diga?

- Sou sobrinho do Romão.

O homem apertou os olhos.

- Acabei de sair de lá e ele estava sozinho. – retrucou.

- Eu estava no banheiro. – falou rapidamente. – eu não pude deixar de ouvir e, é isso mesmo?

O rapaz deu dois passos para trás.

- Isso o que?

- É que eu estou afim de fazer parte, só que meu tio prefere que eu vá estudar na exterior e você sabe como é.

O bandido mediu Paulo com os olhos da cabeça aos pés.

- Verdade, seu tio tem razão, você não tem perfil de traficante.

Alves se sentiu um jogador que acabará de fazer um golaço.

- Poxa, você poderia convencê-lo a me aceitar. – fez cara e voz de pena.

- Moleque, são duas toneladas de cocaína pura, um plano brutal, seu tio não precisa de você, ele precisa de caras como eu e outros. Vá estudar, vai ser bom pra você. Agora me deixe em paz. Fui!

Outro golaço e dessa vez olímpico. Assim que o marginal se distanciou Alves balbuciou.

- Te deixar em paz? Claro que vou, lá na prisão.

*

Paulo Alves é a pura personalização do que chamamos de empolgação. Fazia tempo que ele não se sentia assim. Ele passou por sua mesa e foi direto para a sala de Damião Ramos que no momento se despedia de dois representantes do governador. Ao vê-lo, Ramos quase pediu pelo amor de Deus que ele se aproximasse em forma de gestos. Alves entendeu a urgência e colou nele.

- E aí, novidades? – falou bem alto.

- Sim. Precisamos agir imediatamente, senhor.

- Ótimo. – se voltou para os dois homens de terno e gravata. – bom, senhores, diga ao governador que o DP segue firme no combate ao crime. Agora, se me dão licença, preciso trabalhar. – empurrou Alves para dentro da sala praticamente.

Lá dentro, Ramos deixou seus ombros caírem.

- O que o governador queria?

- O mesmo de sempre. – apertou os olhos com os dedos. – ele tem a pretensão da reeleição, por isso cobra da polícia mais eficácia. Entendeu?

- Saquei.

Damião bocejou e em seguida alongou sua lombar.

- O que temos do Romão Félix?

- Ele comprou duas toneladas de cocaína pura. Resta saber quando e onde ele receberá a mercadoria.

- Putz! Duas toneladas. Ele quer mesmo ser o rei de Luzia. – andou até onde fica a cafeteira. – o que vai fazer agora?

- Continuarei observando, ou de repente um trabalho disfarçado resolveria parte da operação.

Damião serviu dois copinhos de café fresco.

- Lhe aconselho a continuar observando. Se infiltrar seria perda de tempo e perigoso. Vá devagar. Félix é um indivíduo de altíssima periculosidade.

- Sim, senhor.

*

Janaína deixou a farmácia segurando a sacolinha contendo o teste. Ela sentiu uma enorme vontade de chorar ou talvez de sair correndo pela rua até ficar exausta. O pior que ela gosta de criança, sempre que pode ela liga para sua irmã que mora fora da cidade para falar com suas sobrinhas. Mas agora, ser mãe é outro papo. Ela não se ver mãe, trocando frauda, dando de mamar. Não, isso não. Um bebê a essa altura faria com que ela voltasse a estaca zero e isso seria o fim para ela. Outra vez o enjôo. A mistura de vários cheiros a fez parar e respirar fundo desacelerando os passos.

- Moça, a senhora está bem? – perguntou um vendedor ambulante.

- Só um pouco enjoada, mas já já passa. Obrigado.

Quando conseguiu chegar na redação sem vomitar em ninguém, Janaína quase comemorou. Ela estava apertada para ir ao banheiro. Antes de ocupar o sanitário a namorada de Alves ainda pensou em colher sua urina e acabar de vez com o sofrimento, mas se acovardou. Xixi feito e descarga dada. Melhor voltar ao trabalho.

*

Quando um trabalho é bem executado, não há como sair errado. Alves ouviu isso de seu finado pai e guardou para si. No trabalho da polícia às coisas precisam dar certo e todo bom policial conta ainda com a ajuda da sorte. De repente para muitos, ficar ali horas, dias e talvez meses seja perda de tempo, mas desde o início, Paulo Alves sabia que ele seria bem sucedido nessa missão. Entre um bocejo e outro ele abriu os olhos no momento exato onde Romão Félix deixava o prédio. Quarenta e sete anos, mas nem parece, pensou o detetive o observando pelo binóculo. Na calçada o bandido terminou seu cigarro e o apagou na sola de seu sapato. Um carro com os vidros pretos para e sem ver de quem se tratava ele entrou e ocupou o banco do passageiro. Paulo memorizou a placa, mas é bem provável que seja uma dessas placas clonadas. Não faz mal. Ver é melhor do que não ver, assim declarou Damião Ramos um dia. O veículo manobrou de maneira precisa e seguiu sentido saída para o porto de Luzia.

- Duas toneladas de cocaína pura. – pensou alto. – será hoje o dia da entrega.

Chegou o momento de Alves reunir a tropa e dar o bote. Ele desceu as escadas falando ao celular com um de seus homens.

- Preciso que convoque o restante do pessoal, Romão Félix vai receber a carga no porto de Luzia hoje, temos que dar o flagrante.

- Como sabe que será hoje, e onde? Não podemos deslocar o pessoal para algo incerto, investigador.

- Vai por mim, quando foi que te coloquei numa furada, Gilmar?

- Tá beleza, nos encontramos lá.

Paulo entrou em seu Sandero grafite e partiu para o local.

*

Porto de Luzia. O sol já se escondia deixando no céu tons de laranja mais belos que se pode imaginar. Entre contêineres, resto de embarcações, latões empilhados e maquinário enferrujado, Romão Félix e todo o seu exército reunido discutindo suas funções dentro da organização. Encostado, pé apoiado e jogando fumaça no ar, o líder aguarda com paciência a conclusão da conversa de seus asseclas. A conclusão não vem, por isso Félix foi obrigado a intervir.

- Vocês estão discutindo por coisas idiotas. Ninguém aqui terá um posto maior que do outro. Todos vocês serão meus soldados, farão o que eu mandar, entenderam?

Todos assentiram.

- Quem não se sentir a vontade e quiser dar o fora, a hora é agora. – apontou a saída.

Não houve manifestação.

- Ótimo, então se preparem para trabalhar. – andou em direção a balsa.

Pois é, a última palavra é sempre a do patrão, o cara que resolve as coisas. Todos ali tem a plena convicção de que estão a serviço do sujeito mais perigoso de Luzia e que também não podem jamais falhar com ele. Romão Félix intimida bastante. Apenas um olhar dele já é o suficiente para que todos entendam o recado. Na cintura uma arma e na mente inúmeras ideias de como se tornar o maior vendedor de entorpecentes que Luzia já teve. Parado, olhando para o mar calmo ele avistou as luzes de uma embarcação de longe chegando e deduziu que fosse sua encomenda.

- Atenção, rapaziada, o pó está vindo ali, todos em suas posições.

Félix e seu grupo não estão sozinhos naquele porto. Espalhados e posicionados estrategicamente os agentes aguardam ordens de Paulo Alves para efetuarem suas prisões. Paciência é virtude e sem ela, tudo o que foi planejado pode se desmoronar em questão de segundos e o é pior, mortes desnecessárias podem ocorrer. Por isso Alves espera agachado em outra parte do porto entre latões e outras sucatas.

O barco ancorou. Tudo foi muito rápido. Romão friamente cumprimentou o sujeito que em seguida deu a ordem para que seus homens descarregassem a cocaína. O pessoal de Félix também ajudou no trabalho braçal levando os tabletes para dentro de um caminhão. Tudo aconteceu num espaço de dez minutos cravados. Feito isso, os chefes se cumprimentaram novamente.

- Confira o dinheiro. – disse o colombiano.

- Não precisa. – retrucou Félix. – está tudo aí.

- Tem certeza?

- Meu acordo foi com o seu chefe. Agora, se você acha viável perder tempo contando toda a grana. – tirou do bolso o telefone. – ligue pra ele.

Eles ficaram se encarando por um tempo e depois disso a expressão fechada do colombiano foi desfeita por um largo sorriso.

- Tudo bem. – fechou a maleta. – vamos embora pessoal.

Romão Félix jogou o cigarro no mar e estalou as falanges. Um carro parou ao lado do caminhão carregado com drogas. Félix entrou no veículo e deu novas ordens.

- Vou na frente. Levem o caminhão para o lugar combinado.

- Sim, senhor.

Gilmar ao ver Romão indo embora passou um rádio para Alves.

- Félix está indo embora, vamos pegá-lo?

- Não, ainda não, vamos abordar o caminhão.

O caminhão e mais um carro de passeio estavam deixando o porto quando viaturas atravessaram o caminho e agentes com seus fuzis apontados fizeram com que os motoristas pisassem abruptamente nos freios.

- Sem resistência, vocês estão cercados. Desçam agora. – gritou um PM.

- Merda! – vociferou o motorista do caminhão esmurrando o volante.

A bandidagem se encontra em desvantagem, Paulo Alves convocou praticamente um exército e qualquer meliante que ousasse esboçar o mínimo de reação seria fuzilado. Eles foram colocados algemados nas viaturas enquanto que Alves e Gilmar conferiam o baú.

- Que prejuízo, hein? – Zombou Gilmar.

- Histórico. – colocou às mãos na cintura. – vamos nessa.

*

Receber aplausos é bom, mas, receber aplausos de Damião Ramos e todo o departamento é algo inexplicável. Foi essa a sensação sentida por Paulo Alves e seu grupo ao chegarem da operação. Alves achou tudo aquilo o máximo, porém o que ele queria de verdade era estar com sua pretinha, comemorando na cama.

- Duas toneladas de cocaína fora de circulação, isso indica, menos jovens se drogando nas ruas. – Ramos apertou o ombro de Paulo enquanto falava. – parabéns rapazes. – próximo passo é a prisão de Félix.

- Obrigado a todos. – Alves estava ruborizado.

Longe dali Alguém não estava nada feliz. Pelo contrário, Romão tingia a parede com seu sangue a cada murro desferido. Ele não sabia se chorava ou se grunhia de ódio.

- Maldição, maldição, vão pagar caro. – voltou a socar a parede.

Félix correu até o banheiro, abriu a torneira e deixou que a água fria lavasse o sangue do punho direito enquanto ele pensava num jeito de ter de volta o seu carregamento.

- Vamos seu idiota, pense, pense.

O sangue foi estancado e a mão enfaixada por bandagens. Espumando de raiva Romão ainda parou na frente da TV e assistiu a coletiva dada por Alves na chegada ao DP.

- Então foi você seu filho da mãe.

Ao som da voz do investigador respondendo as perguntas Romão fez uma ligação rápida para outro comparsa.

- Me encontre no café em dez minutos, leve sua arma.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 06/02/2021
Código do texto: T7178165
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