Dados na mesa
Usar o nome de Natasha mostrou-se como um grande acerto por parte de Hector e Melissa. O suspeito abriu e revelou tudo o que sabia, em troca de um acordo para ingressar no programa de testemunhas e manter a sua segurança, apesar de estar receoso sobre a capacidade desse programa barrar as investidas agressivas de uma mulher em fúria, como deveria estar Natasha, após saber que estava no radar da polícia.
Hector estava impressionado com tudo aquilo que descobrira e, sobretudo, ao saber que Melissa possuía informantes na polícia há mais de dez anos! Isso o levou a refletir sobre as operações feitas naquela delegacia assim como nas cidades adjacentes e de que maneiras, ela tinha interferido nas investigações, processos e resoluções tomadas ao longo dos anos. Em parte, explicaria como alguns casos, outrora insolúveis, poderiam ser resolvidos uma vez que ela fora responsável por ocultar provas e “sumir” com testemunhas-chave para o processo. Todavia, pensar nessas coisas o levava a pensar em um mundo “perfeito”, onde mocinhos pegam bandidos e as pessoas se respeitam.
No entanto, a vida é uma caixinha de surpresas. Pensar em fantasias era tarefa para crianças e não cabia a ele esse papel. Precisava ser sério, objetivo, uma vez que estava mexendo com um peixe grande agora. Quaisquer vacilos seriam fatais. Nesse sentido, começava a ter receio em incluir Letícia nas investigações, pois correria mais perigo nas investigações e, devido a parca experiência que ela detinha, sua presença poderia ser mais um risco do que um auxílio. A questão que ficaria agora é: como despistá-la?
Poderia usar da sua voz de autoridade e, simplesmente dizer que estava fora, posto que ficaria mais perigoso daquele momento em diante. Ou então tentaria apelar para racionalidade dela, uma vez que havia perdido um ente querido há pouco tempo. De algum modo, ela entenderia. Será?
- Alô Letícia?
- Sim, olá Hector. Alguma novidade na investigação?
- Sim, sim. Nós precisaremos viajar para a cidade vizinha, aqui de Eucadócia, uma vez que a nossa inteligência identificou que Natasha e seus comparsas podem estar escondidos por lá.
- Certo, certo e quando partimos?
- Então, era isso que eu queria falar com você. Devido à periculosidade da situação, eu penso que seria melhor para você ficar de fora dessas tratativas, especialmente levando em consideração os últimos acontecimentos…
- Não se preocupe comigo, eu posso ir.
- Não acho que seja bom pra ti…
- Eu estou bem, é sério, eu aguento.
- Olha…
- Quer parar de implicar com isso? Se eu vir que não aguento o tranco, peço pra sair.
- Não estamos fazendo brincadeiras aqui. Se você for ficar, saiba que precisa ter um estômago forte e muita paciência diante dos percalços que encontraremos.
- Olha, eu perdi um grande amigo, perdi um sobrinho, um cunhado e por pouco não perdi a minha irmã. Eu devo isso a mim e a todos eles. EU VOU.
Impressionado com a tenacidade de Letícia e, um tanto quanto sem jeito para tirá-la da investigação agora, Hector acabou concordando com a sua participação, apesar de achar que isso não era uma boa ideia. Nesse momento, também se recordou das falas de Luís sobre ela ser uma “mulher difícil”. Até que fazia sentido…
Em torno de 3 dias depois, a investigação partiu rumo a Eucadócia. A equipe era composta de dez agentes treinados. A equipe de polícia local também foi acionada, compondo um total de 40 policiais para atuar. Os policiais locais estavam espalhados pela cidade, próximo aos armazéns que a gangue possuía. Estavam vestidos à paisana, próximo aos locais onde a gangue circulava. Era uma estratégia para não chamar atenção e estar atento aos movimentos que eles fariam. Tudo isso para prender essa gangue e a sua temida líder.
Hector e Letícia chegaram na cidade por volta das dez da manhã. Encontraram com Érica, líder da equipe policial local para trocar informações e discutir como seriam feitas as operações, assim como juntar as provas de que dispunham, uma vez que não poderiam prender alguém de mãos abanando.
- Érica, correto?
- Isso. Você é o Hector, chefe da operação.
- Sim, eu e a investigadora Melissa.
- Olá, tudo bem?
- Tudo. Então, qual o plano?
- Bem, eu pensei que nós poderíamos pegá-la durante o período da noite, quando a segurança é mais baixa.
- Em algum dos seus armazéns?
- Isso.
- Parece simples. Ela possui cinco armazéns aqui. Segundo, conseguimos apurar ela estava tendo muitas reuniões no armazém cinco, próximo ao Mercado Municipal. Creio que está transportando algum material ou se preparando para algum evento.
- Nesse caso, devemos agir rapidamente.
- Sim, não teremos margem para erros.
- De acordo. Onde nos reunimos para o ataque?
- No cais da cidade, que fica por trás do Mercado, às 17h.
- Ok, nos vemos lá.
- Certo, até lá.
Letícia estava fascinada com o que via. Já havia aprontado das suas, é verdade, mas aquela operação tinha um tamanho muito maior. O olhar comprometido dos agentes era algo fora do comum. No entanto, alguma coisa lhe dizia que aquilo não estava tão certo assim. Não sabia explicar a sensação, mas o seu sexto sentido falava que estava tudo muito “fácil” para uma operação naqueles moldes. Será que estava imaginando coisas?
Não por acaso, essas dúvidas também ecoavam nas mentes de Hector e Melissa. Tamanha organização e pouca contestação por parte da equipe local os surpreendiam positivamente, pois nesses tipos de operações é comum haver disputa por poder e posição. Refletiam se aquilo podia ser algum problema que não estavam enxergando ou uma preocupação clássica de quem vive sempre alerta. Em todo caso, Hector deixou avisado com um de seus parceiros, escondidos pela cidade, para ficar atento aos seus movimentos. Que poderia agir em caso de perigo. Mal sabia ele que isso seria crucial…
Já no final da noite, por volta das 23h, uma chamada misteriosa era feita.
- Alô?
- O encontro será amanhã à noite por volta das 19h. Esteja preparada.
- Certo, certo. E quantos serão amanhã?
- Eles estão em dez, mais os nossos ficam em torno de quarenta.
- Olha só… Parece que vai ser interessante.
- Sim, será. Então, até amanhã.
- Até minha querida..
Para quem teria sido aquela mensagem misteriosa?
O andarilho