A garçonnière

Havia seguido a mulher por dias e finalmente sua paciência estava sendo recompensada. Anotou o endereço no qual ela desembarcara de um táxi com uma sacola de compras, e tirou algumas fotos com teleobjetiva da fachada do prédio decadente de quatro andares. Agora só lhe restava descobrir em qual apartamento ela entrara. Saiu do carro, que estacionara do outro lado da rua, e posicionou-se junto da entrada principal após subir um lance de degraus. Quando a porta abriu-se pouco depois para dar passagem a um morador, ela olhou por cima dos óculos escuros e sorriu, bolsa na mão:

- Grata! Eu já ia pegar a chave...

E entrou.

O prédio não tinha porteiro, provavelmente apenas um zelador. Fotografou as caixas de correio que ostentavam plaquetas metálicas com os nomes dos residentes e números dos apartamentos, e depois começou a subir as escadas para o último andar, ver se a boa sorte continuaria a acompanhá-la.

Eram quatro apartamentos por andar, dois de frente para a rua, dois de fundos. Em cada andar, parava no meio do corredor e punha-se a ouvir, na tentativa de descobrir o paradeiro do seu alvo por eliminação: música caribenha, um cão latindo, crianças brincando, máquina de lavar, som de TV... silêncio. Decidiu que estava no lugar certo e subiu mais um patamar, sentando-se nos degraus entre o terceiro e o quarto andares, atenta a qualquer alteração nos sons do terceiro andar.

Uma hora e meia depois, quando já começava a sentir-se dolorida pelo assento desconfortável, ouviu indistintamente duas vozes, feminina e masculina, e depois uma porta foi aberta no terceiro andar. O casal estava despedindo-se.

- Eu não sei se poderei vir na terça que vem, - disse a mulher - vai depender de como as coisas estarão lá em casa essa semana.

- Mas se vier, será neste mesmo horário? - Indagou o homem.

- Sim, por certo.

Silêncio. Intuiu que o casal deveria estar se beijando ou coisa assim; em seguida, a porta fechou-se. Passos desceram a escada para o térreo. Ela esperou dois minutos e depois tomou o mesmo rumo. Ao sair para a rua, ainda pôde ver seu alvo afastando-se pela calçada, provavelmente para pegar um táxi na avenida principal.

Ela atravessou a rua, entrou no carro e deu partida. Precisava voltar ao escritório no centro para colocar as informações em ordem.

* * *

O cliente olhou consternado para as fotografias e documentos que ela colocara sobre a mesa.

- Isso não é possível - disse ele por fim.

- O senhor ainda não está convencido? - Redarguiu polidamente.

- Não é isso... as evidências que apresentou são inegáveis. O problema é que não há nenhuma foto deste suposto homem, só de uma placa na caixa de correspondência. E ela sequer pode ser do atual residente.

- Bem... o meu trabalho ainda não está concluído - justificou-se ela. - Eles combinaram um novo encontro, na próxima terça-feira; posso tentar conseguir mais informações sobre o inquilino e as imagens que faltam para encerrar o caso.

- Talvez eu possa ajudá-la nesta empreitada - disse o cliente, parecendo recompor-se. - Eu tenho uma cópia da chave deste apartamento.

- Como? - Ela franziu a testa.

- Na verdade, este é um dos meus imóveis mobiliados, para alugar. Está fechado faz uns seis meses... ou deveria estar. Minha mulher também sabe onde estão as cópias das chaves.

- Naturalmente - ela entrelaçou as mãos e reclinou-se na cadeira. - Mas eu lhe peço que não tome nenhuma atitude sobre o caso sem me consultar primeiro. A raiva é má conselheira.

O homem suspirou. Parecia triste, não enraivecido.

- Eu não vou fazer nada violento; prefiro deixar que meus advogados resolvam. Amanhã de manhã trarei a cópia da chave.

* * *

De posse das chaves do prédio, não foi difícil reunir as provas de que necessitava. Tocou a campainha do apartamento 303, fundos, e aguardou que a porta fosse aberta por um homem de seus 30 e poucos anos.

- Sim? - Indagou ele.

- É o senhor Quesada?

- Quesada? - Ele a encarou confuso; depois, um ar de compreensão surgiu em seu rosto.

- A placa na caixa de correspondência... não, eu não sou Quesada! Me mudei faz pouco tempo e ainda não troquei a identificação na caixa.

- Oh, perdão, cavalheiro! Vou atualizar os registros da companhia - desculpou-se ela com um sorriso.

O homem não percebera, mas ela o fotografara com uma câmera fotográfica disfarçada como um broche em seu vestido; artimanhas de todo bom profissional de investigação. Depois de revelar o filme, marcou uma reunião com o cliente para o dia seguinte.

Este compareceu no horário aprazado, tenso. Abriu o envelope com as fotos e começou a examiná-las uma a uma.

- Eu conheço este homem - declarou por fim.

E antes que ela dissesse alguma coisa:

- É Jaime, o irmão caçula da minha mulher!

Não se tratava de uma relação extraconjugal então, depreendeu. O cliente parecia quase aliviado agora.

- Jaime é um viciado... corridas de cavalos - explicou. - Imagino que deve estar devendo apostas e pediu à irmã para se esconder em um dos nossos imóveis. Ela sabe que eu não gosto de Jaime e por isso achou melhor não me dizer nada.

- Sendo assim... caso encerrado? - Indagou impassível, reclinada em sua cadeira.

- Sem dúvida. Vou fazer seu cheque - redarguiu satisfeito.

* * *

A porta foi aberta no segundo toque da campainha. O homem que surgiu na entrada do apartamento 303 decididamente não era Jaime, e teria talvez dez anos a mais do que ele.

- Pois não?

- Eu gostaria de falar com o Jaime.

- Ele não mora aqui - replicou o homem encarando-a com estranheza.

- Pois então diga-lhe que é melhor vir passar uma temporada, pois o marido da sua amante pode querer dar uma incerta no imóvel - advertiu ela.

E sem esperar pela resposta, virou-se e começou a descer as escadas.

- [13-09-2020]