Ocultação de cadáver

Na propriedade dos Livingstone, moscas eram por vezes o primeiro sinal de que alguma coisa havia morrido. Isso e o mau cheiro, naturalmente. Naquele início quente de verão, ambos os indícios levaram um dos empregados da fazenda, Eli Reid, a encontrar o corpo ressequido posteriormente identificado como sendo de Finley Marshall, desaparecido fazia seis meses.

- Obviamente, ele não morreu aqui - determinou Jasper Baley, o legista do condado, ao chegar ao local e examinar os restos mortais. - Eu diria que o corpo parece ter sido conservado numa câmara frigorífica desde o fim do inverno e deixado neste ponto remoto da propriedade para ser encontrado quando a temperatura subisse e começasse a se decompor.

- Causa provável da morte? - Indagou o xerife, que mantinha uma respeitosa distância do corpo.

- Não há nenhum sinal de trauma visível, mas vamos ter que levar para o necrotério para examinar mais detalhadamente - determinou o legista.

O rabecão já estava posicionado para o transporte. O motorista e um maqueiro colocaram os restos mortais num saco plástico preto e em seguida o veículo partiu com o legista para a sede do condado, seguido pela viatura do xerife.

* * *

- A morte não tem nenhuma relação com os Livingstone - declarou o xerife numa entrevista coletiva, após uma meticulosa investigação que se estendeu por todo o verão e contou com o auxílio do FBI. - O corpo foi encontrado dentro da propriedade pelo fato dela ser limítrofe ao parque florestal, onde presumivelmente Finley Marshall morreu.

Finley Marshall, conforme os locais recordavam, era um corretor de imóveis da cidade, que costumava ir às vezes pescar nos limites da reserva florestal nos fins de semana. Ele desaparecera justamente numa dessas ocasiões, e as buscas efetuadas pela polícia estadual haviam sido infrutíferas. Especulava-se que ele poderia ter morrido afogado e que o corpo havia sido arrastado pela correnteza. Outros aventaram a hipótese de que ele fora devorado por ursos - ou lobos.

Nenhuma das hipóteses era correta, e a explicação era bem mais prosaica: o corretor tivera um ataque cardíaco fulminante e caíra num buraco onde fora coberto de lama, que mais tarde congelara. Com o degelo e as chuvas de primavera, o cadáver havia flutuado para fora da sua sepultura natural e fora arrastado pelas enxurradas até os limites da fazenda dos Livingstone, onde permanecera por semanas ao sol, até finalmente ser encontrado, totalmente por acaso.

- Se não fossem as moscas, talvez houvéssemos levado mais tempo para chegar até o corpo - concluiu o xerife.

- [26-08-2020]