PAULO ALVES - CAPÍTULO SEIS - MINISSÉRIE

Paulo Alves 6

Romildo conduz Michele até o interior de sua casa. Logo de cara a moça estranha a organização do lugar e também o seu odor. Até agora nem sombra de uma estante repleta de livros. Calada, ela apenas seguiu os passos pesados do cinquentão esquisito. Eles já estão na cozinha e nada, somente o cheiro de carne podre que se potencializou.

- Por um acaso o senhor está desgelando alguma carne?

- Por que a pergunta? – se virou para ela.

- O cheiro está muito forte. – tapou o nariz.

- Deve ser minha velha geladeira, ela vive desligando sozinha. Eu ainda não tive tempo para joga-la fora.

- Entendi. Vamos aos livros? – falou ainda com o nariz tapado.

- Ótimo!

Michele Prado, longe de ser uma diva, mas com toda certeza é uma boneca, seu par de pernas faz jus a isso. Cabelos cacheados e uma boca grande, suculenta. Romildo soube escolher bem. Agora eles andam lado a lado. Vez por outra seus olhos esbarram nos seios volumosos o fazendo salivar – vou me esbaldar. Tudo o que ele precisa agora é golpeá-la e pronto. Eles já estavam saindo pela porta dos fundos quando Romildo girou o corpo aplicando uma cotovelada que acertou em cheio o rosto de Michele. Ela caiu, mas não desmaiou.

- O que significa isso?

Rosto ruborizado. Dentes expostos e uma fúria incontrolável. Romildo tentou de todo jeito apagá-la com chutes na cabeça, porém Michele conseguiu se sair bem dessa.

- Sua vaca. – gritou.

Sentindo uma leve tontura devido a cotovelada, a mulher se apoiou nos braços para se levantar, mas foi segura pelos cabelos e puxada. Romildo fechou o punho para desferir um direto, só não contava com o pé esquerdo protegido por um tênis explodindo em suas partes baixas. Arfando, boca em forma de “O”, Silva se afastou segurando suas genitálias.

- Sua vagabunda, você não perde por esperar.

Entre tropeços e esbarrões nos móveis, a jovem recepcionista ganhou a sala seguindo na direção do quintal ouvindo os grunhidos de seu atacante. Choro e suor misturados a uma respiração descontrolada. Michele chegou ao quintal procurando onde se esconder ou até mesmo pular o muro. Ela correu até o portão e o forçou. Girou a fechadura de um lado para outro e nada. Romildo apareceu na porta já restabelecido do chute que levou no saco.

- Não seja tão dramática minha Barbie, juntos iremos nos divertir. – correu.

Michele gritou por socorro saltando e segurando na base do muro. O esquartejador a puxou pelas pernas. Seu corpo ao bater no chão produziu um som surdo e ela se contorceu. Romildo veio por cima travando seus braços contra o chão.

- Que tal um beijo para reatarmos a relação?

Aos poucos Michele foi parando de lutar, se tornou menos resistente.

- Tá bom, tá bom. Você venceu. – falou ainda ofegante. – me beije.

- Eu sabia, Barbie, você era a que faltava na minha coleção.

O nojo, a repulsa, a raiva, tudo isso estava aflorado em Michele, porém foi preciso autocontrole. A boca flácida e o hálito não muito agradável foram sentidos. Assim que a língua de Romildo tocou o céu da boca, Michele permitiu que todos esses sentimentos fossem transportados para sua mandíbula. A mordida produziu uma dor inexplicável em Romildo Silva que uivou feito um coiote. Michele cuspiu o pedaço que estava em sua boca enquanto o louco batia com a cabeça no chão.

- Meu Deus, Meu Pai. – berrava. - Preciso de um médico.

Depois de duas tentativas, finalmente ela conseguiu subir no muro e pula-lo ganhando a rua. Andando apressada, olhando para trás, boca suja do sangue do desgraçado, Michele dobrou o corpo liberando o vômito na calçada.

- Merda!

Ao se erguer ela avistou um táxi. Feito uma louca à recepcionista gesticulou bastante chamando atenção do motorista.

- O que houve mocinha?

- Quase fui estuprada, me leve para o departamento de polícia agora.

- É pra já.

*

Paulo Alves já havia se esquecido do quanto é bom se apaixonar. Do quanto é legal poder ouvir a voz da pessoa do outro lado da linha dizendo que está saudade, que não vê a hora do próximo encontro, entre outras coisas mais. Pois é, o investigador nesse momento está ao telefone conversando com sua namorada Janaína Lopes sobre os últimos acontecimentos entre ela e ele.

- Foi demais, não foi?

- Muito. Podemos nos ver hoje?

Alves coçou a nuca.

- É gata. – pegou a imagem de Romildo imprimida numa folha de A4. – hoje não vai rolar. – ergueu a folha no ar. – estou atolado, preciso andar um pouco mais com o caso.

- Já tem um suspeito?

- Sim, e mais nada. Vou ficar até tarde e...

Michele, juntamente com um policial se aproximaram da mesa do detetive. Muito abatida, maquiagem borrada e olhos arregalados, essa era a imagem da recepcionista ao se sentar diante do agente.

- Preciso desligar, mais tarde a gente se fala. Beijos.

Paulo também pode reparar o quanto a mulher a sua frente tremia segurando sua bolsa no colo.

- Detetive, essa senhora foi atacada. – começou o agente.

- Sim. – se ajeitou na cadeira.

- Ele tentou me estuprar. – Michele falou atropelando as palavras. – graças a Deus eu consegui fugir.

- Calma. Aceita uma água ou café? – ela assentiu. – por favor policial, providencie. – a senhora conseguiria identificá-lo caso o visse?

- Claro. Aquele rosto eu jamais me esquecerei. – chorou.

Michele contou tudo e com riqueza nos detalhes. Se a mente de um cidadão comum assemelha-se a uma máquina, imagina a de um investigador? Paulo, conforme foi ouvindo o relato, ligou os pontos. Cabeça de uma ruiva encontrada, o sumiço de Jasmim e agora esse ataque. Sim, ambos os casos pertencem ao mesmo autor. E se não for? Bom, ver é melhor do que não ver, pensou Alves pegando a folha A4.

- Por um acaso o sujeito que lhe atacou era parecido com esse?

Não foi preciso Michele responder. O corpo da mulher reagiu assim que os olhos identificaram Romildo Silva. Bingo!

- É ele! – voltou a tremer.

- Certo. Quero o endereço.

*

Depois de se arrastar até a sala, Romildo perdeu a consciência e desabou ficando esparramado no chão ainda sangrando pela boca. Foi uma viagem ao centro do inferno, sua vida no passado, a diabólica experiência de ter matado sua irmã mais nova. Ela foi sua primeira boneca. Por mais que na infância Romildo tenha sido uma criança saudável, ou aparentemente saudável, coberta de carinho e atenção, algo foi deixado para trás. Algo que deveria ter sido tratado com urgência. Esse lado monstro foi despertado e nutrido pelo sacrifício de sua irmã. Foi uma tragédia. A família Silva assolada, destruída e sem forças para se reerguer. Foram feitas investigações e nada foi concluído. Nada. Quem iria imaginar que um garoto de 10 fosse capaz de tamanha barbaridade?

Romildo cresceu e envelheceu junto com o monstro. Foram noites sem dormir assombrado por bonecas despedaçadas, inúmeras delas. Mas ao nascer de um novo dia ele estava de volta, o louco, o esquartejador sem coração. Ao abrir os olhos ele ainda estava lá, no chão, com uma poça de sangue ao redor da cabeça. A dor não diminuíra. Ele fez força para se levantar, mas foi vencido mais uma vez e desfaleceu.

*

Chefe Damião Ramos assistia ao noticiário quando sua espaçosa sala foi simplesmente invadida por polícias fardados exceto por Alves. Claro que isso o irritou e muito ao ponto dele esbravejar batendo na mesa.

- Posso saber o que está acontecendo aqui?

Quem seria capaz de ficar frente a frente com a fera? Paulo assumiu toda a responsabilidade dando um passo a frente.

- Senhor, preciso que autorize uma operação de busca.

- Finalidade? – desligou a TV.

- Vamos prender quem decapitou a ruiva.

Damião fechou o paletó andando na direção do detetive com sua expressão gélida.

- O senhor está certo do que vai fazer?

- Temos um suspeito, uma testemunha, a localização do suspeito...

- Positivo. – deu às costas. – está autorizado.

As viaturas entraram de uma só vez e em alta velocidade pelas ruas daquele bairro singelo. Os moradores ficaram assustados e de um certa forma curiosos e não é por menos, movimentação policial por ali não é comum. Paulo Alves lidera a equipe. Claro, o nervosismo faz parte do conjunto. Ao mesmo tempo em que ele se encontra com os nervos a flor da pele, Paulo também está bastante orgulhoso e otimista. Valeu a pena todo o sacrifício feito, as madrugadas acordado estudando, os treinamentos rigorosos e tudo mais. Agora ele está ali, dentro de uma viatura, chefiando um grupo de homens, rumo a resolução de seu primeiro caso. Se Deus quiser, tudo dará certo.

- Chegamos. – informou o motorista.

- Positivo. Vamos dividir as equipes. – reforçou o agente.

A casa foi cercada e ao comando de Paulo invadida. De forma silenciosa os agentes enfileirados foram penetrando nas entranhas daquela residência. Arma em punho, olhos arregalados, batimento cardíaco a mil, Alves alcançou a garagem podendo sentir um forte cheiro de carne podre. Com um sútil gesto de cabeça ele autorizou a invasão dos policiais ao interior da casa. Com apenas um chute a porta cedeu e cerca de sete homens entraram apontando seus fuzis e pistolas para todos cantos da sala. Vazia. Tudo o que viram foram manchas de sangue no piso, manchas essas que se seguiam até a outra saída.

- Vamos virar esse lugar de ponta cabeça. – sussurrou Paulo.

Na parte dos fundos, Romildo tenta de todas as formas de livrar da dor e do sangramento. Ele abriu a garrafa de álcool e a virou na boca. O rosto ficou vermelho, retorcido, mas ele não gritou, preferiu socar a parede do minúsculo banheiro. Ao cuspir na pia ele ouviu barulhos vindos da área de serviço. Olhou pela fresta da porta e viu dois policiais pulando a mureta.

- Mas... Que merda é essa? – se afastou.

Romildo abriu devagar o armário onde ele guarda pasta de dente, sabonete, loção de barbear entre outras coisas e se apossou de seu trinta e oito de seis tiros.

- Quem ousa entrar em meu reino.

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Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 06/08/2020
Código do texto: T7027868
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