Suicídio assistido

- E como está a prima Serafina? - Indagou Yvonne Schönfeld, ao ser recebida pela tia, Wilhelmine Glück.

- Ainda recolhida - lastimou Frau Glück. - Mas espero que sua presença aqui possa animá-la.

- Não por outro motivo me abalei de Königsberg para cá - declarou Yvonne com um grande sorriso.

E baixando o tom da voz:

- Tem tido notícias de Ferdinand, tia?

- Ainda estudando no Conservatório - sussurrou Frau Glück. - Mas trata-se de um caso perdido, ele não quer nada com Serafina.

Yvonne sentiu-se exultar, mas conteve-se.

- Creio que irei ver a prima imediatamente - comunicou, ar resoluto.

E subiu as escadas para o andar superior da casa, onde estavam os quartos dos moradores. Em frente ao quarto da prima, deu duas pancadas com os nós dos dedos:

- Serafina! Sou eu, Yvonne!

Passaram-se mais de trinta segundos antes que a porta fosse aberta. Serafina estava pálida e desgrenhada, olhos vermelhos, olheiras.

- Prima! - Exclamou.

Abraçaram-se com força.

- Eu não podia deixar você passar por esse sofrimento sozinha - murmurou Yvonne, ainda abraçada à prima. - Ferdinand não podia ter abandonado você desta maneira.

- Não sei mas o que faço, Yvonne. A vida para mim perdeu todo o sentido... - disse Serafina com voz sumida.

Yvonne afastou-se e a segurou pelos ombros. Respirou fundo.

- Eu trouxe algo para você, lá de Königsberg!

E retirou da bolsa que trazia amarrada à cintura, um pequeno livro encapado de linho. Serafina apanhou o presente, surpresa.

- Mas prima... não precisava...

- Você só vai ter que me prometer que não vai falar para a tia que eu lhe dei isso - disse Yvonne, colocando um dedo à frente dos lábios.

- Mas... por quê? - Indagou Serafina confusa.

- É aquele livro que proibiram aqui em Leipzig... "Os sofrimentos do jovem Werther", de Goethe.

- Oh - os olhos de Serafina arregalaram-se. - Entendo. Mas por que o livro foi proibido? Possui alguma passagem... picante?

Yvonne abriu um sorriso.

- Nada! É só uma bela história de amor! Exatamente o que você está precisando ler nesse momento.

Serafina apertou o livro contra o peito.

- Acha que eu mereço ser feliz, prima?

- Você merece toda a felicidade do mundo, Serafina - replicou Yvonne, abraçando-a novamente, antes de comentar:

- Que tal começar a ler imediatamente? Eu vou trocar esta roupa de viagem e me preparar para o jantar.

- Está bem! - Acedeu Serafina, radiante.

Ao sair do quarto, Yvonne quase sentiu remorsos pelo que acabara de fazer. Se o "Werther" era tão mortífero quanto haviam lhe dito em Königsberg, em breve Ferdinand estaria livre e desimpedido.

E ela iria até ele para dar a triste notícia do suicídio da prima. Ferdinand teria que ter alguém como ela para consolá-lo desta triste lembrança.

- [26-05-2020]