A CANÇÃO DE SOFIA

Sofia era uma jovem de dezenove anos, moradora do bairro da Pavuna, subúrbio da capital fluminense. Tinha um pouco de retardo mental, mas isso não a impedia de viver sua vida naturalmente. Era esforçada, trabalhadora. Sua deficiência surgiu na infância, quando presenciou a morte do seu pai. Ela estava na rua com as amigas brincando de queimada e, de repente viu a cena que jamais sai de sua cabeça: o pai descendo do ônibus e indo em direção ao bar. Seis horas da tarde, sexta-feira, o pai feliz conversando com os "amigos" do bar. Num determinado momento, para um carro preto. Homens encapuzados descem e tocam o terror. Chuva de balas! Sofia e as demais crianças e adultos que estavam na rua correm pra casa. Sofia grita o nome do pai, chorando. Ao abrir o portão de casa, olha em direção ao bar pra ver se o pai estava vindo. É quando ela vê o corpo do pai estendido, todo ensanguentado, o seu herói estava morto.

Sofia aprendeu que a vida não era só de doces, brincadeiras... Muito triste! Que mundo absurdo! Só tinha o pai na vida dela...Além de Deus, é claro, que é o Nosso Pai soberano.

A mãe de Sofia morreu de morte súbita quando esta ainda era recém-nascida. Por isso, Seu Elenilson foi pai e mãe de nossa heroína.

Sofia era uma menina muito carinhosa, sempre com um sorriso no rosto, apesar de viver uma vida de muita luta, sofrimento, escassez. O pai fazia de tudo por ela, pai e filha eram unidos. Mas infelizmente, o trágico acontecimento manchou de sangue este lindo laço de amor. Sofia estava sozinha, uma criança de 12 anos sem família. Só Deus na vida dela. Deus não a desamparou, guardou aquela menina. Ela e o pai moravam de aluguel. Dona Maria e Seu Osvaldo, os senhorios, ao saberem do triste ocorrido decidiram acolher Sofia. Receberam a menina com muito amor, principalmente Dona Maria que gostava muito de crianças. O casal já tinham dois filhos adultos, dois médicos que trabalhavam e moravam no interior do estado. Sofia se dava muito bem com Dona Maria, já de Seu Osvaldo a menina tinha medo. Algumas vezes era somente ele quem aparecia para receber o dinheiro do aluguel e olhar a casa pra ver se necessitava de alguns reparos. Mas o homem só aparecia quando Sofia estava sozinha. A menina percebia nele um olhar estranho para ela. Num determinado dia, ela deixou ele olhando a casa e foi se banhar. Tinha vindo da escola, e ao chegar em casa, lá estava o velho no portão.

" Oi menina linda! Aqui estou eu de novo. Estudando muito? Além de linda, maravilhosa, você tem que ser inteligente, doutora pra dar orgulho ao seu pai. "

Sofia tinha a mania de andar com uma bebezinha de brinquedo, dizia que era sua filha. Pra onde ia, levava a bebê.

" Olha a bebezinha dela! Sofia, esta bebezinha não fala... Se você quiser eu posso te dar uma de verdade, que você vai adorar!..." O velho olhava a menina dos pés a cabeça, com olhar malicioso!

Sofia ficou com medo, coração acelerado. Gritou quando ele quis tirar a bebê de seu colo! A menina entrou em casa, trancou a porta. Seu Osvaldo batendo forte no portão, dizendo que iria fazer um conserto no encanamento do imóvel.

" Não! Eu não quero o senhor aqui, quero o meu pai. Vai embora! Nem eu nem Naninha gostamos do senhor! "

A garota entrou no banheiro pra tomar banho. Seu Osvaldo tentou bisbilhotá-la pelo basculante, mas não conseguiu. Foi ao bar tomar uma dose de cachaça e esperar Elenilson chegar do trabalho. À noite, o pai de Sofia chega. Para no bar e padaria para comprar pão. Lá encontra Seu Osvaldo. Os dois caminham pra casa. Ao chegar em casa, Seu Elenilson percebe na filha o semblante triste e os olhos marejados. Sofia com sua bebê Naninha em seu colo.

" Oi filhinha! O que aconteceu? Conta pro papai. "

Seu Osvaldo, um pouco receoso, com medo da menina falar tudo pro pai, tenta se esquivar:

" Nossa! Acho que a filhinha da Sofia tá dodói. Mamãe tá preocupada, Elenilson! Oh, Sofia... Fica assim não! Logo logo sua filhinha estará boa! " O velho dá uma risada dissimulada.

Seu Osvaldo arruma o problema do imóvel, recebe o dinheiro do aluguel e vai embora.

Elenilson, abraçado com a filha, despede-se do senhorio.

Sofia teme falar com o pai, tinha o pensamento de que perderia o amor e o carinho de seu pai se contasse sobre Seu Osvaldo.

E não foi só este dia, as investidas de Seu Osvaldo para com a menina eram frequentes. A menina não falava com ninguém só ficava pra ela. A menina dizia baixinho pra sua filhinha de brinquedo:

" Naninha, eu vou te proteger destas pessoas ruins. No dia em que aquele velho tentar tirar você de novo de mim, eu vou pisar bem forte nos pés dele. "

Dona Maria chamava Sofia de princesa Sofia.

Princesa Sofia que cantava bem baixinho canções de ninar pra sua filhinha Naninha.

Após a morte do pai, Sofia colocou em sua cabeça que o pai era a estrela Dalva, aquela maior. À noite olhava para o céu e conversava com o pai.

" Naninha, olha lá o meu pai. Olha o sorriso dele brilhando!"

E assim a menina foi começando a delirar.

Foi ficando adolescente, e sempre com a boneca em seus braços.

Seu Osvaldo fica só de olho na menina. Velho maquiavélico, que conseguia sempre despistar a esposa, que era muito boa de coração e não via maldade em nada.

Mas ele um dia acabou se dando mal, e foi preso.

Aconteceu que numa madrugada bem quente, calor infernal do verão carioca. Ele, possuído de pensamentos libidinosos, foi até o quarto que a Dona Maria mandou construir especialmente para a menina.

Lá Sofia estava dormindo de camisola, abraçada com sua filhinha. Olhou para o corpo formoso da menina e a desejou.

Pulou em cima da garota!

Tapou sua boca e ordenou que ela não gritasse:

" Sofia! Você quer uma filhinha de verdade, eu vou te dar! Mas você tem que ficar quietinha e fazer tudo o que eu mandar. Cala essa sua boquinha! "

A menina ficou assustada, o velho pegou a Naninha e a jogou com força ao chão. Neste momento, Sofia gritou,

Um grito desesperador!

Dá um chute nos órgãos sexuais do velho.!

Abre a porta chorando e é amparada por Dona Maria que encontra Seu Osvaldo só de cueca na cama da menina!

Não acredita na cena que vê! Começou a se sentir uma idiota que não percebia como o marido era na verdade!

Chorou muito abraçada com Sofia.

Chamou a polícia!

Seu Osvaldo foi levado preso.

Hoje ele ainda está recluso, segurando sempre uma boneca.

Castigo merecido!

Dona Maria é o anjo na vida de Sofia.

A linda menina que veio ao mundo e conheceu o que é o sofrimento.

Mas o amor sempre brilha em sua alma, o amor está em sua alma bondosa, sua voz doce canta canções de ninar para sua filhinha e seu olhar vivo e risonho para a estrela Dalva, para o seu pai. E o seus beijos e carinhos também para a sua mãe de criação, a Dona Maria.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 13/03/2020
Reeditado em 13/03/2020
Código do texto: T6887104
Classificação de conteúdo: seguro