UM CRIME ENIGMÁTICO!

Quando fui investigar a cena do crime, já sabia que se tratava de assassinato e sabia quem era o assassino. O corpo estava estendido no meio de uma estrada lamacenta pouco frequentada. Aparentemente não havia vestígio de assassinato nem alguma pista concreta que pudesse levar esse crime. Nenhuma bala tinha penetrado a sua carne, não havia marcas de cortes ou pancadas, não havia sinais de estrangulamento nem de luta. Era um corpo em condições aparentemente normais que estava deitado sobre uma tampa de esgoto no centro da estrada. Os legistas estavam confusos, e supuseram que pudesse ter sido uma paragem cardíaca ou algum tipo de ataque nervoso. Claro que se desviaram da hipótese de assassinato; mas é por essa razão que eles eram médicos e eu detetive. Como disse outrora eu sabia quem era o assassino. Claramente que o leitor poderá formular a hipótese de eu ser o responsável por aquele homem estar deitado naquele lugar imundo, mas não poderia estar mais enganado. Devido à particularidade e natureza deste relato, devo apresentar-me brevemente. O meu nome não é relevante, apenas é fundamental que o leitor perceba que estudei ciências forenses numa das melhores universidades do país, tive a melhor média da faculdade e segui a área da criminologia. Durante dez anos estudei e criei perfis de criminosos e assassinos, ajudei imensos casos a serem resolvidos, tudo isto a partir do meu gabinete. Eu vivia feliz com essa profissão que compartilhava com a minha doce esposa, foi apenas quando a minha amada mulher morreu assassinada que tomei a decisão de atuar mais no campo e tornar-me detetive. Talvez seja difícil perceber como, mas eu era a encarnação de sherlock holmes, conseguia antecipar fenómenos e ver detalhes que mais ninguém notava. Como tal, eu sabia quem tinha morto aquele homem e como ele tinha morrido.

Primeiro, o que ninguém sabia é que aquele sujeito era um criminoso. Já tinha atacado por três vezes e o seu foco eram mulheres. Estrangulava-as e depois estuprava-as. Por muitos anos teve escondido nas sombras e, pelo visto, apareceu morto. Segundo, uma das possíveis explicações era óbvia, assassinato por justiça, ou seja, alguém descobriu quem aquele homem era e provavelmente matou-o como ato de vingança. Isso parecia muito acertado, não fosse o facto do corpo não ter nenhum sinal de vingança, nem um arranhão, sendo assim, essa hipótese tinha de ser descartada. Terceiro, poderia ter sido morto por outro assassino, talvez um rival, uma forma de superiorização e defesa de território, era provável, mas mais uma vez, o facto de não haver vestígios de luta impossibilitavam a teoria, pois esses não eram os procedimentos de um assassino para com outro. E por fim, claro está, causas naturais; uma paragem cardíaca seria a mais predileta das possibilidades acertadas.

Todavia, se o leitor for arguto e atento, perceberá que algo não bate certo neste relato, pois ao início disse que era um “local do crime”, mas depois sigo dizendo que “não há vestígios de crime”, sendo assim, se não havia indícios de crime como poderiam os médicos legistas e detetives terem sido chamados? Ah! Agora é que tudo fica mais curioso! Na verdade, aquele homem deitado sobre a tampa de esgoto no meio da estrada era o perfeito da cidade! Por isso, todo o aparato médico e criminal foi montado. O que ninguém sabia era a vida dupla daquele homem, mas eu sabia – daí eu ser detetive e os outros não. Sendo assim, com esta nova informação resta-nos uma última hipótese: algum rival político mandou-o sedar, matar e lançar naquela rua, ou, um mafioso, ou um cidadão insatisfeito. Todas as hipóteses eram válidas, mas nem uma impressão digital foi encontrada no homem ou nas suas roupas, e isso era muito irregular num crime daqueles. Seria um crime sem solução, claro está, se não me tivessem na equipa, pois eu sabia exatamente o que tinha acontecido e quem era o seu assassino. Tudo está nos mais ínfimos detalhes. Infelizmente não havia nada a ser feito em relação àquele homem, e o seu funeral aconteceu. Agora, enquanto vejo o caixão do perfeito a ser sepultado na terra, passo a contar como tudo aconteceu: sexta de noite o homem estava em casa juntamente com a sua mulher e filha. Aquando foi para a sacada fumar o seu charuto, um homem (que estava escondido na sacada) sedou-o com um químico e amarrou-o. Depois foi transportou-o para um armazém, onde o raptor lhe injetou uma substância sádica: uma substância que relaxava todos os músculos do corpo – olhos, boca, mãos e pernas – mas não adormecia os seus sentidos interiores, sendo assim, aquele homem que aparentava estar morto por fora, vivia por dentro! Ele ouvia tudo, apercebia-se de tudo, apenas estava imóvel.

Claro que o leitor notará que, se à data eu sabia que ele estava vivo, então significava que eu estava a permitir que um homem vivo fosse enterrado! E estava, e esse fazia parte do meu plano, pois sou eu o raptor!... Quando descobri que tinha sido ele a matar a minha esposa, fingi ser mordomo e candidatei-me ao cargo, como trabalhava só de noite havia tempo para tudo. Ganhei a confiança da família e subi de patamares até servi-lo pessoalmente. Falámos de política, economia e corrida de cavalos – típica conversa de rico. Passou um ano até criar o plano perfeito. Devido ao fácil acesso a todos os cómodos, consegui rapta-lo sem que ninguém me visse – de outra forma não conseguiria ter passado pela segurança. Depois de fazer tudo o que fiz, contratei um homem perito na montagem de cenas do crime que levou o corpo do perfeito até àquela estrada e colocou-o da maneira que eu queria (para parecer um ataque cardíaco).

Caro leitor, não fique chateado comigo, eu não lhe menti, eu disse que não tinha sido o assassino, e é verdade! Eu não era o assassino pois aquele homem ainda estava vivo, apenas iria morrer lentamente sufocado dentro do seu caixão!

Lord Jáo
Enviado por Lord Jáo em 29/02/2020
Reeditado em 03/03/2020
Código do texto: T6877002
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