As crônicas de Lucca.

O quarto de hotel.

“Estamos a poucos instantes de conhecer o novo sumo pontífice da igreja católica. Após 20 dias da morte repentina do Papa Francisco, cardeais de todos as nações católicas ao redor do mundo, trancaram-se na Capela Sistina para eleger o novo Santo Padre. Se passando assim 7 dias do início do conclave, uma fumaça branca finalmente se projeta pela chaminé da Capela.”

Gregório desperta assustado em seu quarto de hotel, a televisão em alto volume deveria tê-lo acordado. Sua cabeça ainda martelava da bebedeira da noite anterior. Com a péssima notícia que recebera logo após seu avião pousar em Roma, somente uma bebida poderia aliviar sua raiva. Ele gastou suas últimas reservas no banco, para poder chegar até ali, mas fora impedido de se aproximar do vaticano. Gregório não esperava falar com o novo Papa, sabia muito bem que seu nome o precedia, porem contava que pelo menos o camerlengo o receberia.

A ideia inicial que o fez sair as pressas do Brasil para a Itália era simples. Não estava interessado na nomeação do novo Papa, queria mesmo era saber do camerlengo do falecido Santo Padre. Uma rápida entrevista longe dos microfones. Saúde? Últimos passos? Últimas palavras? Jornalistas do mundo inteiro empurravam-se para descobrir qual seria o novo pontífice. Greg estava mais interessado no fim repentino do primeiro Papa latino americano.

Lavando seu rosto na pia do banheiro, a água estava gelada, lembraria de deixar essa reclamação a gerência, e qualquer site de reclamações sobre hotéis em Roma. Um pensamento o distanciava daquele quarto barato, o que estava ele fazendo de sua vida? Uma lista intermináveis de processos o aguardavam no Brasil, o último que a igreja Universal moveu contra sua pessoa física, havia o levado a falência. Nenhum jornal ou revista queria ter envolvimento com o seu nome. Restaria para ele, viver de sites de fofocas e blogs na internet. Se meter com os católicos seria a melhor decisão nesse momento? Sua falecida mãe- carola fervorosa- levantar-se-ia do tumulo e o arrastaria de volta a Porto alegre, a chineladas.

“Renata, Renata! Parece que temos novas notícias diretamente do Vaticano. Nossa correspondente Ilze Scamparini está nos chamando.”

“Parece que temos um Papa! Podemos ver que na varanda da Basílica de São Pedro se aproxima alguém. O Santo Pontífice é o cardeal americano Willian Wuerl”

Gregório está paralisado diante da televisão de 14 polegadas. Ainda era madrugada quando se arrastou do bar em frente ao hotel, até seu quarto. Não havia desfeito as malas. Procurou pelo controle da tv a cabo e sintonizou na Globo internacional. Quando estava bêbado tinha dificuldades em entender outros idiomas, que não fossem sua língua materna. Nem a voz da sua antiga colega de profissão- lembrou que ele e Iiza tiveram um breve romance alguns anos atrás- facilitou para ele digerir aquela informação.

Meses atrás recebeu alguns e-mails anônimos, em todos eles o nome Donald Willian Wuerls era citado. Acusado de esconder denuncias sobre padres pedofilos em sua congregação. A falta de documentos oficiais e suas audiências no tribunal com o caso de desvio de doações para a construção do Templo de Salomão, fizeram o deixar de lado tal história. Mas assim o destino é, pregando mais uma peça em sua vida.

Musei Vaticani

Multidões se aglomeravam nas ruas do vaticano, toda essa euforia servia de ajuda para que Gregório conseguisse passar despercebido. Um antigo contado no Vaticano lhe enviou uma mensagem avisando onde encontrar o antigo camerlengo.

Musei Vaticani 17:00pm.

Seguindo a mensagem que recebeu, Greg caminhou de cabeça baixa pela Stradone del Gladinir, para que assim não fosse notado. Podia observar vários fiéis sentados nos bancos de madeira, postados ao redor do gramado muito bem aparado, diga-se de passagem. Um pouco a frente, antes das portas de entrada para o museu, ele se espreitou atrás de uma escultura, fingindo ler o que estava escrita nela. Seguranças estavam vindo em sua direção.

Sfera com Sfera

Arnaldo Pomodoro

Bronze,4m,8tol.

Os guardas não o reconheceram das imagens do seu banco de dados, de pessoas que não eram bem-vindas no Vaticano, por assim dizer. O seu disfarce de turista curioso estava se saindo muito bem. Mais alguns passos e estaria nas escadas que dão acesso ao lado interior. Toda essa sensação de agente secreto, o questionava, se não devia deixar o cabelo crescer e até pintalo. Estava cada vez mais difícil para ele ser um jornalista investigativo. A rede Record de televisão tornou sua vida um inferno. Reportagens em jornais em vários horários, um especial inteiro no domingo à noite, questionando a veracidade de suas matérias. Reporte sensacionalista. Falsificação de documentos. Coação de testemunho. Eram várias as acusações contra a sua reputação profissional.

Greg estava com pressa para achar o camerlengo, devia conter seus passos para não gerar suspeitas, nenhum turista correria pelas escadas e corredores do Museu sem observar as belas obras de artes, construídas por intermináveis artistas ao longo dos séculos. Tudo passava batido a sua visão, fingindo observar com admiração e questionamento a cada obra que estampava as paredes.

Em seu celular a foto a pessoa que ele procurava. Não havia dúvida, era o mesmo homem que estava a frente de uma coleção de moedas. O camerlengo parecia muito mais velho do que aparentava na foto que Gregório portava. Como se houvessem passado anos desde aquele dia. Toda a confusão dos últimos dias e a rotina pesada, devem ter sido demais para esse homem, pensou Greg.

— Boa noite, Don Farrel- Greg quis parecer meio formal, para cair um pouco nas graças do velho.

— Pode me chamar de Kevin, rapaz! Sei muito bem que o senhor é. Gregório Silva De Luca, sua fama o precede nos meios religiosos. Mas também eu já o esperava aqui.

Gregório observa com um espanto que deixa transparecer em seu rosto, estava acostumado a surpreender as pessoas, e não ao contrário. Olhou para trás rapidamente, pensando que devia estar sendo seguido desde que sairá do hotel em Roma. Olhou atentamente para todos que caminhavam perto deles, alguém podia ser uma agente da guarda do Vaticano disfarçado entre turistas rotineiros. Se condenava intimamente por não ter pensado antes em tais opções. A soberba e a pressa o deixaram desatendo a tais fatos. Com os anos de experiencia teria ele se tornado um homem arrogante?

— Se não se importar, quero continuar essa conversa em inglês, para mim ficaria mais fácil nosso diálogo- Farrel usa um tom muito carinhoso com Greg. Ele não esperava tal ato desse homem, ainda mais sabendo o camerlengo quem ele é.— Noto, que o senhor está se perguntando como foi seguido até aqui.

— Provavelmente vocês têm pessoas não somente no aeroporto, mas em hotéis ao redor da cidade- Gregório responde de supetão ao cardeal, não gostava da sensação de sentir-se acuado. Ele era o caçador e jamais a presa.

— Posso afirmar ao senhor que não havia necessidade de ser seguido até aqui. Já que esse nosso encontro foi ideia minha desde o começo- Dessa vez o grande jornalista investigativo, deixa totalmente amostra a sua surpresa com um sonoro “O que?” — Quem o senhor imagina, que deu a ordem para informá-lo a hora e local para me encontrar?

Gregório lembrava de já ter recebido várias mensagens com informações de seu contato no Vaticano, nunca havia conhecido ele. Não saberia agora dizer qual posição essa pessoa ocupava nos pilares da Santa Sé.

Estava na hora de se recompor, tomar as rédeas da situação. Ele que devia estar questionando o homem. Ele fazia as perguntas. Ele que usava de sua ardilosa mente, para conseguir o que queria. E não era a verdade a que todos procuravam? A verdade é o que liberta os homens das amarras da ignorância. Somos todos homens presos a correntes, observando sombras nas paredes, tendo isso como nossa realidade única e irrefutável. Homens como ele, questionadores, de tudo e de todos, tem como missão quebrar os grilões que prender a sociedade moderna, a velhos mitos que são usados até hoje para manobrar a massa a seu bel-prazer. Uma única verdade pode colocar governos abaixo, destronaram Reis com o passar dos séculos. E ultimamente, colocar abaixo grandes impérios religiosos ao redor do mundo. Nos tempos bíblicos a fé podia mover montanhas, hoje em dia ainda move, nem que seja uma montanha diferente, de dinheiro.

— Posso deixar o senhor mais relaxado, com uma única observação. – disse o camerlengo- Fora eu, quem enviava as mensagens para o senhor, anonimamente.

— Isso responde apenas a minha dúvida inicial, Kevin. – Greg se posta lado a lado com o camerlengo, demonstrando não estar incomodado com a virada repentina que tudo estava acontecendo. Começava a estar com o controle da situação. — Se o senhor já me esperava, deve ter algo muito importante para me contar, presumo eu.

— Essa conversa não pode ser gravada. O que tenho para o senhor, deve ser provado por você mesmo. A missão a que fui incumbido foi de apenas lanças a clareza dos fatos sobre você. Desse momento em diante, devera trilhar sozinho a sua jornada. – Farrel está com a voz muito baixa, se Greg não estivesse quase que colado ao homem, não teria entendido uma só palavra.

— Vocês, homens de Deus, - disse Greg com certo desdém na fala. Queria transparecer sua descrença. -, usam frases dispersas. Para levantar mais dúvidas do que respondê-las.

— Sua premissa não deixa de ter um pouco de verdade, meu rapaz! – Farrel começa a caminhar em direção a outro corredor. — Peço que me acompanhe nessa caminhada. Não seria muito agradável que nos vissem em um canto confabulando.

Greg segue ao lado do camerlengo acompanhado seu ritimo, também não gostaria de criar suspeita sobre os dois. Desconfiava que não era do agrado,muito menos da permissão da Santa Sé, esse encontro. Farrel apontava para todas as obras que eles passavam, sempre comentando sobre o artistas que a criou e o século em questão. Estavam se dirigindo para a escadaria de saída . Ela descia em espiral até um corredor que dava acesso a zona externa do museu.

— Meu rapaz, você deve entender que o mal, a impureza, tudo que contamina nosso mundo, está entranhado em todos os lugares. Até as paredes do Vaticano estão sujas com essa resina de ódio e intolerância. - Kevin havia adotado um tom de voz melancólico, como se o apunhala-se no fundo de sua alma, sair de sua boca tais afirmações.

— Me perdoe a indelicadeza, mas não é de hoje que a sua fé, persegue as pessoas. Ou vocês se esq...

— Gregorio, não temos muito tempo, então cale a boca e me escute rapaz. Não usei de toda a minha influência para traze-lo até esse momento em questão, para você me ensinar sobre a historia cristã .- Kevin era um misto de raiva e tristeza, Gregorio não conseguia entender os motivos do padre estar desse jeito, uma irá tomava conta de seus olhos .— Você precisa entender que apartir de hoje estamos todos em perigo. O mundo não será mais o mesmo. Após Donald assumir o papado...cof...cof...

—Kevin, você está bem? – Greg segura o camerlengo pela mão, em poucos segundos o homem estava pálido, suas mãos estavam trêmulas. Sua voz começava a ficar cada vez mais fraca.

— Escute rapaz! Cof...Cof... você não acha estranho o novo líder da maior fé mundial, ser da maior potência do mundo?– O padre despenca de joelhos na frente do jornalista. Ao retirar as mãos da boca, que usava para controlar a tosse, sangue, um sangue negro e pastoso .

— O que está acontecendo com o senhor? – Gregorio procura por pessoas ao redor, que possam ajudá-los.

— Já é tarde demais para mim, assim como nosso falecido Santo Padre. Eles chegaram até a mim. E chegaram até todos no mundo, se você não divulgar seus planos para o mundo.

— Padre, nós não temos tempo para isso, precisamos levar o senhor a um médico. – Usando de toda a sua força, Greg tenta colocar Kevin de em pé, a beira da escadaria.

— Assim que o Papa assumir, os países católicos declararam guerra a todos que eles chamam de infiéis. Corra antes que seja tarde para vo...

O camerlengo desequilibra dos braços de Greg, começa uma queda pelos degraus da escadaria. Ao olhar para baixo, o jornalista observa o padre jazido ao chão, seu crânio esmagado pelas várias batidas que sofrera até chegar ao último degrau . O piso estava manchado de sangue. O grito alto e agudo de uma mulher retirá Greg de seu estado de espanto. — Ele matou esse homem, ele o empurrou!!!!

O som forte de botas toma conta do ambiente, passos rápidos estão subindo as escadas. Greg pensa em todas as suas opções. Fugir o tornaria culpado, mas ficar traria implicações diretas naquele próprio momento. Se saísse dali a tempo, poderia reunir provas que comprovassem sua inocência. Algo aconteceu e estava acontecendo, sua vida fora tragada para esse turbilhão de eventos.

Gregório se viu correndo às pressas pelo gramado da área externa do Museu. Precisava o quanto antes chegar até seu quarto de hotel e reunir seus pertences pessoais. Logo a polícia chegaria até ele. Em quem ele poderia confiar? Quem não seria um agente do vaticano? O que não saia de sua cabeça, eram as últimas palavras do camerlengo, de que guerra ele estava falando?

Dia 1.

“Acabamos de receber notícias urgentes do Vaticano. O antigo camerlengo do falecido Papa Francisco, Don Farrel, foi assassinado no final dessa tarde!”

Dia 2.

“As autoridades identificaram o suposto assassino como o jornalista brasileiro Gregorio Silva de Lucco. Envolvido em um escândalo no Brasil, ele estava foragido em Roma. A Interpol está fechando todos os aeroportos atrás do suspeito e possíveis cúmplices.”

Dia 28.

“Notícias urgentes da embaixada americana na cidade de Nova Delhi. Uma bomba explodiu no local. Até o momento não foram encontrados sobreviventes.”

Dia 35.

“Notícias urgentes da embaixada americana na cidade de Nova Ancara. Homens armados invadiram o local. Os invasores saíram pela porta e atiraram um contra os outros. Até o momento não foram encontrados sobreviventes.”

Dia 47.

“Notícias urgentes do Vaticano. Uma explosão na capela Sistina acaba de destruir o local. O porta voz do Vaticano lançou um comunicado. O Papa Celestino terceiro estava em pequena viagem de passeio em Roma”

Dia 121.

Gregorio estava arrumando suas coisas, sobre a pequena mesa quebrado do quarto da espelunca que alugara. Já haviam se passado 5 dias de sua estadia, nos últimos meses não passava mais que isso no mesmo lugar. Havia se tornado um foragido da justiça, procura internacionalme. Estava em um pequeno vilarejo no interior da Rússia, não sabia ao certo o nome do lugar. Desde sua fuga do Vaticano, as coisas estava conturbadas pelo mundo a fora. Várias embaixadas americanas foram atacadas por países do continente africano e asiático. Igrejas católicas foram saqueadas e padres executados na frente de fiéis.

Nos últimos meses, Greg procurou por provas que pudessem colaborar com sua inocência. Tudo em vão, nenhum jornalista, nenhuma fonte, ninguém queria ter contato com ele. Era certo que o camerlengo havia sido envenenado ,por isso a tosse repentina, e o desmaio que o fez cair pela escadaria. Sem um exame toxicológico do corpo seria inútil essa alegação. A última vez que acessou seu e-mail-quase foi capturado em Lisboa, após o rastrearem- havia recebido um e-mail de uma fonte anônima. Um texto que narrava o assassinato do Papa Francisco, para que o Bispo americano chegasse ao poder. A igreja católica ascenderia ao mundo novamente. Com a maior potência bélica do mundo, subjugaria a todos os infiéis. O email não relatava mais nada. Planos ou documentos que comprovassem suas alegações. Greg era procurado pelo assassinato do antigo camerlengo, sua palavra não seria levada a sério ou muito menos escutada por ninguém.

Com as notícias de uma possível guerra a frente, uma retaliação pelas igrejas saqueadas. O fim das embaixadas americanas em todos os países fora do continente americano, trouxe uma clareza a Greg. O próprio Vaticano deveria ter orquestrado esses ataques, para usar os Estados Unidos a seu favor. Os americanos gostavam de uma guerra, não seria difícil convence-los.

Contínua...

Demetrius de Oliveira
Enviado por Demetrius de Oliveira em 11/02/2020
Código do texto: T6863760
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