A Sombra do Vingador - Um pedido de ajuda

A SOMBRA DO VINGADOR

Um pedido de ajuda

Por mais que Sérgio saiba que seus amigos irão dizer que essa história de noivado é coisa do passado, o estudante de direito deixará o constrangimento de lado e pedirá Taís para ser sua noiva e porá um anel em seu anelar direito. Nada do que os outros irão falar ou achar importa. Para um jovem conservador como ele o que importa é o que ambos estão sentindo e o que ele sente por Taís é amor de verdade.

- Claro que aceito. – Taís se pendurou no pescoço de Sérgio e o beijou. – quando faremos isso?

- Ah, sei lá. Assim que eu comprar as alianças. Faremos um jantar para os amigos.

- Amei a ideia. – o beijou mais uma vez.

- Então. Que tal um cinema hoje? Você escolhe o filme. – apertou o nariz dela.

- Aí, doeu. – pausa. – legal, me pega as 19h, tudo bem?

- Saquei.

*

O filme até que foi bom, mas o aspirante em advocacia preferiu passar as duas horas com a mão embaixo da saía da namorada. Quando deu por si o filme já havia acabado e Taís precisou se recompor. Na saída eles comeram um lanche numa dessas lanchonetes famosas e terminaram de acertar os detalhes do jantar de noivado.

- Quem sabe depois a gente não termina o que começamos no cinema? – propôs Taís.

- Adoraria.

Perto das 23:45 eles saíram do shopping. Abraçados, grudadinhos como sempre andam. Entre um beijo e outro, uma pegada aqui e outra ali eles vão caminhando até dobrarem uma esquina mal iluminada. Taís ainda falava sobre seu trabalho como vendedora quando um assaltante os surpreendeu.

- Perdeu, perdeu, os celulares, rápido, rápido.

- Calma, nós vamos te dar. – retrucou Sérgio.

- Calma o caramba seu quatro olhos ridículo. – apontou a pistola.

Taís manteve a calma o tempo inteiro enquanto seu futuro noivo pegava os aparelhos e os passava para o meliante.

- Fica frio, cara, só nos deixe ir embora, por favor. – clamou Sérgio com os braços erguidos.

- Cagão. – atirou a queima roupa no peito da vítima.

Taís Mendonça viu tudo acontecer em câmera lenta. O bandido puxando o gatilho. A bala saindo e furando a camisa do time do coração do namorado. O corpo de Sérgio Silva caindo. O bandido fugindo sorrindo. Tudo isso ela testemunhou.

- Socorro. Alguém me ajuda. – gritou ajoelhada diante do cadáver do noivo.

*

Tyson, isso é tudo que Taís sabe sobre o assassino de Sérgio. Quase três meses depois da tragédia, a vendedora ainda não engoliu o fato do homem que tirou a vida de Sérgio covardemente ainda se encontrar livre pelas ruas e provavelmente fazendo novas vítimas. Taís tem apenas 19 anos, mas atualmente parece que 30 anos lhe foram adiantados. Sergio foi sepultado e com ele foram os sonhos, os planos, a alegria, tudo foi depositado junto com o corpo de seu noivo naquela tarde. Hoje, o que sobrou de Taís vive por aí, em busca por justiça. Três meses de demora, três meses sem resposta, três meses de angústia, raiva e tristeza.

Tyson. Assaltante miserável, drogado, sem nada no coração. Ele entrou num bar e se acomodou numa das mesas. Fez o pedido. Dois suculentos pedaços de pizza de calabresa e refrigerante. Taís o observa parada na calçada, por que eu não entro lá e acabo com ele? Dentro da mochila em suas costas uma faca de cozinha. Tyson terminou o lanche. Taís anotou o endereço do bar mentalmente e se foi antes de Tyson sair.

*

A vendedora de roupas chegou em sua casa se segurando para não explodir em lágrimas, eu poderia colocar um ponto final nessa história. Eu poderia entrar lá e enfiar a faca na garganta dele e pronto. Vingança concluída com sucesso. Não sua estúpida. Você estragaria sua vida. Todos iriam ver. Seria terrível. Taís se jogou no sofá e chorou, chorou muito até soluçar. Aquela noite foi complicado para dormir. Taís foi perseguida nos pesadelos por Tyson e por fim ele a matou, do mesmo jeito que fez com Sérgio. Suada Taís acordou sobressaltada quase caindo da cama. Chorou um pouco e depois não conseguiu dormir mais.

Para trabalhar tem sido um sufoco, Taís não se concentra e devido a isso ela vem sofrendo advertências do gerente. Ela só pensa em vingança, em Tyson e em seu sangue escorrendo do corte em seu pescoço. Assaltante desgraçado. Quando terminou o expediente ela resolveu dar uma volta nos arredores onde Tyson anda. Na mochila a faca. Claro que os olhares para ela são inevitáveis. Morena alta, cabelos lisos, bonita naturalmente, não são todos os dias que se tem uma beldade circulando por aquelas bandas. Taís anda olhando para os cantos, grupos de homens conversando na calçada, bares e barraquinhas. Nada do monstro, mas ela sente que ele está por ali.

Ela parou diante de um prédio horroroso, com suas cores frias desbotadas e rebocos da fachada caindo. Da portaria caindo aos pedaços saiu uma senhora gorda atarracada com bolsas de compras retornáveis.

- Boa tarde, senhora, aqui mora um tal de Tyson?

- Um rapaz magrinho faltando um dente da frente?

Taís sentiu que seu estômago fez um nó.

- Esse mesmo. – respondeu com voz trêmula.

- Mora sim. Quer dizer, ele se esconde, esse menino não presta, moça, cuidado com ele hein.

- Pode deixar. Muito obrigado.

Taís anotou o endereço e voltou para casa um pouco mais aliviada. Seria isso muita sorte? Ou o destino jogou a seu favor a colocando em frente ao prédio onde o assassino de seu noivo mora? A resposta ela não sabe, mas de uma coisa ela está certa, os dias de Tyson estão contados. Antes de tomar seu banho e preparar algo para comer ela parou e analisou algo. Taís não pode sujar as mãos com o sangue daquele cara, alguém precisa fazer isso por ela. Quem?

*

Um boteco dos chamados pé sujo, com homens suados, fedendo a cigarro e a bebida. Música de gosto duvidoso. Sentado curtindo uma leve dor de cabeça e aguardando seu pedido está Bruno Junior. Enquanto espera ele confere na TV no alto da pilastra as últimas informações sobre um caso de roubo de carga de cigarros. Calça jeans e botas pretas com os solados já bastante gastos. Camisa de botão preta aberta até o abdômen e uma correntinha fina dourada em volta do pescoço pegajoso de suor. Fixado no cinto da calça o distintivo prata da polícia e no coldre por dentro da camisa sua pistola. Bruno Junior o pavor dos fora da lei e também dos que cumprem a lei.

O pedido chegou. Café expresso, uma lata de Coca-cola e bolinho de feijoada. Rapidamente ele abriu a lata e misturou o refrigerante ao café quente e tomou. Se arrepiou e bateu na mesa algumas vezes. Voltou a olhar para a TV e depois começou a saborear o bolinho.

- Com licença?

Bruno se virou. Uma voz doce e ao mesmo tempo demonstrando um certo receio.

- Toda!

- É o policial Bruno Junior? – disse Taís olhando espantada para ele.

- Oi, sou eu, em que posso ser útil?

- É... – olhou em volta e viu muitos olhares para eles. – podemos conversar, tem algum outro lugar?

Bruno jogou o último pedacinho do bolinho de feijoada na boca. Pegou o guardanapo e limpou as mãos e boca.

- Tem sim. – ergueu o dedo. – a conta por favor.

*

Fora do bar, ainda intimidada pelo jeito tipo machão do policial, Taís praticamente se encolhia.

- Pode me adiantar o assunto? – perguntou Junior pegando a chave do Fiat uno azul escuro ano 1998.

- Bom, me chamo Taís Mendonça. – estendeu a mão.

- Encantado. – abriu a porta.

- Bem. Podemos entrar? Acho melhor. – forçou um sorriso.

O Fiat dobrou numa rua secundária para sair da principal onde há muito trânsito. Se tem uma coisa que Bruno Junior odeia é ficar parado dentro do carro.

- Diz aí, o que faz uma morena linda procurar e entrar no carro de um sujeito como eu?

- Justiça. Vingança. Raiva. Fúria. Só isso. – falou olhando para fora.

- Eita, vamos com calma. O que houve? – reduziu para passar num quebra molas.

- Eu tinha um namorado, quase noivo. Foi morto na minha frente. Foi um assalto. Sergio já havia entregado tudo, não esboçou reação e mesmo assim o maldito atirou a queima roupa. – limpou as lágrimas.

- Você foi até a polícia, quando foi isso? – pisou no acelerador.

- Há quase três meses. Fomos sim, mas, nada foi feito. O cara continua solto.

- E o que você espera que eu faça?

- Conheço sua fama. Você é um policial raíz, coloca ordem na casa, preciso que pegue o tal sujeito e... – trancou os dentes.

- E? – olhou para ela e depois para frente. – o mate pra você, é isso?

Taís abaixou a cabeça.

- Veja bem, Taís. Pode parecer fácil, mas as coisas não são assim...

- Eu lhe pago.

Bruno olhou de cara feia para ela. Jogou o carro para a calçada e pisou no freio.

- Eu não faço justiça por dinheiro, não sou um mercenário. Faço porque quero minha cidade livre desses vermes. O certo era você pressionar para que as investigações andem, mas eu conheço o sistema. Eu caço os bandidos porque pra mim eles não passam disso, animais.

- Então, vai aceitar pegar o cara?

- Sabe onde ele estar?

- Sim!

*

Três carreiras do mais puro pó. Tyson aspirou tudo numa velocidade impressionante. A pistola repousa na cintura. Lá fora a noite começa a cair. Será mais um dia de ação criminosa. Disposto a tudo, sem nada a perder. Ele deixou seu apartamento que mais parece um chiqueiro para cometer outros assaltos certo de sua impunidade. Camisa larga, bermuda de Tactel e boné de aba curva.

Tyson Martins. Nome escolhido por seu pai. Morador de comunidade. Típico menino passador de fome sem estrutura familiar alguma. Sua mãe é jovem ainda e mora com um sujeito sem futuro que a trai e a espanca as vezes. Tyson é o mais velho de seis filhos. Sem expectativa, sem disposição para o trabalho, sem dinheiro. Tyson partiu para a vida do crime e hoje carrega algumas mortes no currículo. Vítima da sociedade? Sem oportunidade? Será?

Um garoto passa distraído com seus fones de ouvido enormes por uma rua de baixo movimento. Tyson vem de encontro e o aborda.

- Me passa o celular.

- Calma. Toma. – enfia a mão no bolso.

- Me dá os fones também seu otário.

- Valeu, valeu.

- Agora corre, corre.

O primeiro de uma sequência e a noite só está começando. Um casal de namorados se beija, trocam carícias e juras de amor para sempre até que são surpreendidos pelo assaltante furioso sob o efeito da cocaína.

- Bora! Vamos passando os celulares sem gracinha. – mostrou a pistola na cintura.

Devido ao nervosismo do rapaz na hora de passar os pertences o aparelho caiu trincando a tela. A raiva foi instantânea de Tyson que as agressões a vítima foram imediatas.

- Seu lerdo. Viu o que fez. – chutou mais uma vez as pernas do rapaz. – vou te matar agora. – apontou a pistola.

A moça se jogou na frente do namorado praticamente. Tal cena causou uma certa risada de deboche do assaltante que felizmente desistiu de cometer mais um assassinato. Tyson se foi deixando para trás duas vítimas com os seus emocionais profundamente abalados.

*

Para ser um policial hoje em dia não basta portar uma arma, vestir uma farda ou simplesmente andar por aí carregando um distintivo. É preciso muito mais do que isso. Na opinião de Bruno Junior, ser um policial você precisa ter sangue de barata, ser feito de ferro ao invés de carne, não ter pena de ninguém, ainda mais sendo esse alguém um bandido. Para Junior todo bandido deveria ser punido com a morte. Hoje em dia é assim, ou você bate ou apanha e ele não entrou para a instituição para ser caçado, nas ruas dessa cidade você deve preferir ser o lobo. Esse pensamento o acompanha desde quando foi promovido a detetive.

Bruno Junior tem um trabalho a ser feito. Encontrar Tyson e tirá-lo de circulação. Ele ainda está decidindo se o levará preso ou o executará uma vez que ele conhece o sistema. Um sistema falho que permite que o vagabundo seja liberado caso ele seja menor ou se o meliante for réu primário. Bruno não costuma perdoar esse tipo de gente.

A seu lado Taís apenas olha para frente observando a paisagem passar em alta velocidade. Vez por outra de soslaio a vendedora olha para aquele homem moreno escuro, pele queimada pelo sol, cabelos lisos, precisando ser aparados na verdade, traços marcantes, atraente na medida certa. Bruno Junior cheira a desodorante barato, mas isso não chega a incomodar.

- É aqui? – perguntou ele.

- Ah, sim, é aqui sim.

- Que lugar feio. Mora realmente alguém aqui?

- Sim.

- Tá legal. – encostou o carro. – vou dar um sondada. Você fique aqui.

Junior caminhou até a portaria do prédio. Olhou para o interior, lá dentro um verdadeiro deserto. Tudo parece estar abandonado há anos. Mal tocou no portão e ele rangeu se abrindo. O policial entrou, mas antes sacou a pistola. Subiu as escadas. Um sujeito mal vestido com aparência de drogado se encontrava dormindo quando foi acordado com tapas na cabeça.

- Acorda seu merda.

- Oi, oi, o que foi? Eu não fiz nada.

- Você conhece um tal de Tyson? – a arma é apontada.

- Conheço, te levo lá. – engoliu seco.

*

Taís preferiu não mexer no celular. Aquele lugar não é o mais seguro para exibir bens materiais. Mais uma vez ela pensou em Sérgio e outra vez ela chorou. Na verdade ela se faz de forte quando de fato Taís ainda não superou a perda do noivo. Claro que ela teve outros namorados, mas Sérgio foi o que conseguiu deixá-la apaixonada.

Ela ainda pensava em Sérgio quando Tyson apareceu com as mãos algemadas para trás conduzido por Bruno até o Fiat uno. Não dava para ouvir, mas com certeza o ladrão protestava muito.

- Fica quieto e vamos entrando.

- Calma aí, eu nem sei se você é polícial mesmo.

- E faz diferença? – fechou a cara.

- Espera aí, cara, eu não vou entrar.

O agente enterrou o cano da pistola no olho direito de Tyson.

- Entre, se não quiser que eu te mate aqui e agora.

Ao ver o assassino de seu noivo tempos depois Taís foi acometida por uma mistura de sentimentos. A vontade foi de pegar uma arma e descarrega-la nele. Taís apenas chorou copiosamente precisando ser amparada por Bruno.

- Tá legal, fique fria. Vou te deixar em casa e depois vou ver o que faço com esse bosta.

Taís limpou as lágrimas. Se virou para Tyson e olhou nos olhos dele. Uma nuvem negra encobriu seu rosto bonito.

- Espero que sofra antes de morrer. – cuspiu.

*

- Não, não, não.

A cabeça de Tyson explodiu e seu corpo caiu para trás. Para se certificar de que estava realmente morto Bruno Junior atirou no peito também. Resolvido. O corpo foi deixado naquele matagal distante da cidade onde só os insetos foram testemunha do ocorrido. O detetive pegou a arma do cadáver e a desmontou e foi jogando suas partes pela janela num rio que passa na beira da estrada. Serviço sujo feito. Menos um vagabundo na pista. O carro volta para a cidade tendo como cenário um por do sol vislumbrante. FIM.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 02/02/2020
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