Onde as ruas não têm nome
Foi uma denúncia anônima. A polícia de Tóquio obteve um mandado e arrombou a porta da casa do carteiro Yaichiro Kanemoto. Ele estava presente, mas recusou-se a abrir, antecipando que sairia dali preso - como de fato, saiu. Na delegacia, o inspetor Reijiro Yazawa conduziu o interrogatório.
- Como então, você recebia as cartas para entregar e, em vez disso, as destruía em sua casa? Por quê?
Kanemoto parecia ausente, como se a situação na qual se encontrava não lhe dissesse mais respeito.
- Dava muito trabalho. Já tentou ser carteiro em Tóquio?
- Você é quem está sendo interrogado, não eu! - Esbravejou o inspetor.
- Há uma música do U2... "Where The Streets Have No Name". Creio que se inspiraram em Tóquio quando a escreveram.
- Você estava sendo pago para fazer esse trabalho! Há quanto tempo estava desviando a correspondência?
Kanemoto exibiu uma expressão de quem está se concentrando, testa franzida.
- Uns três anos. E eu não estava desviando a correspondência, nunca abri uma sequer; apenas fazia com que nunca chegassem ao destino. O que, se pensarmos bem, não é uma coisa muito difícil de ocorrer aqui na cidade.
- Não estamos falando de uma ou duas cartas - prosseguiu o inspetor, andando de um lado para o outro da sala de interrogatório, mãos nos bolsos. - Quantas correspondências em média você levava no malote, por dia?
- Umas 100, 200... o número vem caindo ano após ano. E eu não trabalhava com entrega de encomendas.
- O que é uma sorte, se não a acusação contra você seria muito pior - advertiu o inspetor. - O que pretende alegar em sua defesa?
- Cansaço. Mental, inclusive.
O inspetor balançou a cabeça, parando em frente ao interrogado.
- Muito bem. Vai ter bastante tempo para descansar atrás das grades, pode crer.
- Quanto tempo posso passar na prisão, se for condenado? - Indagou Kanemoto, demonstrando afinal algum interesse.
- Pelo menos, três anos - informou o policial - ou pode optar por pagar uma multa de 500 mil ienes.
Kanemoto fechou os olhos.
- Acho que vou preferir ficar preso - admitiu. - Posso aproveitar o tempo e escrever um livro sobre minha vida de carteiro... como Bukowski.
O inspetor mandou levarem o prisioneiro, antes que perdesse a cabeça e desse um murro nele.
- [27-01-2020]