"A vida imita a arte"

Capítulo I – Surpresa em alto-mar

Iniciavam-se as tão desejadas férias, e como uma boa tradição, não poderia deixar de visitar o mar.

Dessa vez busquei por conforto e optei por um renomado navio, frequentado por todo tipo de gente. O cruzeiro navegaria pelas águas do Oceano Atlântico, até a Europa, mais especificadamente, Porto de Lisboa.

O que eu não esperava, aconteceu, bem alí, dia 4 de janeiro, no meio do oceano, pouco antes de atracarmos em Santa Cruz de Tenerife.

Fiquei espantado quando me deparei, no corredor da minha cabine, com um corpo morto. Era de uma criança. Talvez eu não estivesse mais de férias...

Logo um tumulto se iniciou, todos no navio falavam sobre a “morte misteriosa” e eu, como um amigo de longa data do detetive Fernando, só conseguia pensar em como faria para entrar em contato com ele e pedir ajuda. Sou suspeito a falar, mas sem sombra de dúvidas, ele é um dos melhores e não seria exagero compará-lo à Sherlock Holmes.

O navio, naquela condição, não poderia mais atracar em Santa Cruz de Tenerife, o que nos deixou completamente exilados do mundo, no meio do Oceano, até acharem o assassino.

Foi muito difícil conseguir sinal para falar com Fernando, precisei conversar com o comandante e explicar a gravidade da situação para que me deixassem utilizar o sinal da marinha... desesperado, contei tudo o que havia acontecido e dei ênfase para a nossa necessidade em tê-lo naquele curioso caso.

Fernando chegou no dia seguinte, após horas de viagem, embarcou no navio e logo começamos a estudar o caso.

Capítulo II – De mais a mais

Voltamos ao local do incidente, aquele corredor estava totalmente interditado. Logo que Fernando se deparou com o corpo, começou a citar inúmeros detalhes que me haviam passado despercebidos.

A menina era nova, devia ter 6 ou 7 anos, não apresentava sinais de tortura, mas algumas manchas de tinta pelo corpo, sem sinal de bala ou enforcamento, sem cortes ou roxões, nada que indicasse um assassinato, apenas um detalhe que me chamou mais atenção: havia o número 1 escrito em sua mão direita, mas não fazia sentido, ela estava morta e era uma criança saudável pouco antes.

Muitas perguntas surgiram na minha mente. Por que número um? Quem traria tinta para matar uma criança? Por que no meio do mar, se a pessoa não poderia fugir? Como a criança morreu se não haviam sinais aparentes de assassinato? Por que no meio do corredor das cabines, se está sempre movimentado?

Mal deu tempo de pautar tantas perguntas, outro alvoroço começava. Dessa vez, para a minha surpresa, era na cozinha do navio. Sim, outro assassinato, ou melhor, outra morte.

Um menino jovem, devia ter 15 ou 16 anos. Assim como Ester, a menina encontrada no corredor das cabines, Eduardo não possuía sinais aparentes de assassinato, mas também tinha manchas de tinta pelo corpo, foi aí que me veio a brilhante ideia de olhar sua mão direita, como eu suspeitava. Número 3.

Como assim número três? Foi aí que eu me toquei, aquilo não se tratava apenas de um assassinato, era um jogo, e isso significava que tínhamos que encontrar o corpo número 2 o mais rápido possível, pois a cada passo, uma morte.

Tranquilizar milhares de pessoas que estavam lá para se divertir, e agora não poderiam mais, não foi nada fácil. Queriam explicações, mas não tinha como explicar para tanta gente que tudo aquilo se tratava de um jogo e se não descobríssemos logo quem estava por trás disso, cada vez mais, pessoas morreriam.

Não tardou para que mais um movimento se iniciasse, dessa vez era na piscina. Sim, número 2. Uma senhora já de idade, entre seus 60 e 61 anos. Não preciso dizer que não havia sinais aparentes, apenas manchas de tinta pelo corpo, e que mesmo pela idade, Dona Cecília estava com a saúde em perfeito estado.

Será que já tinha uma quarta vítima? Essa era uma pergunta que eu me fazia constantemente enquanto andava pelo, estranhamente, silencioso navio. Todos estavam em suas cabines, com medo de sair, foram orientados a não sair, isso facilitava a investigação e dificultava o próximo passo do assassino.

Capítulo III – Flashback

Durante a minha caminhada pelo navio, recordei-me de alguns acontecimentos que anteciparam os assassinatos em série e me colocavam a frente de um suspeito. Pouco antes de embarcar, eu me encontrava olhando para cada passageiro e, como um estranho costume que sempre tive, comecei a imaginar possíveis criminosos e situações de assassinato.

Uma delas, pelo que me lembro, era a que mais se encaixava com o que estava acontecendo. O cara do boné laranja seria um revoltado, dado pelo fato de usar aliança e não estar acompanhado, sim, uma traição que ele não foi capaz de superar. Ele era rico, aquele rico discreto, que só se deixa perceber por aqueles que tem um pouco mais de conhecimento sobre esse tipo de riqueza, e eu pude perceber quando olhei para a sua mala, meu primo comprou uma, e acredite, o preço é espantoso para uma bolsa com tal aparência.

O que isso tudo tem de relação com as mortes? No começo eu também não me liguei, até que me lembrei de um pequeno detalhe, algo que não é comum para alguém que vai viajar em um cruzeiro, algo que não observei em mais ninguém, não fazia sentido até então, mas eu vi, não só com o suspeito, como nas cenas do crime. Um pote de tinta acrílica, que por muita coincidência, possuía a mesma cor das numerações em cada vítima.

Depois de raciocinar tudo isso, contei para Fernando. Uma, antes, boba ideia, agora fazia todo sentido e poderia nos deixar mais próximos da solução para o caso.

Iniciamos as investigações em cima do que sabíamos sobre o Cara da Tinta, apelido que demos antes de saber o nome do indivíduo. Procuramos no cadastro de passageiros e encontramos, Rubens Donati, mesmo com um sobrenome de origem italiana, continuei chamando-o de Cara da Tinta, tirava o peso da situação.

Partimos de lá para o quarto 501, suíte mais cara do navio, último andar com sacada. Recebeu-nos assustado, como se realmente estivesse escondendo algo, começamos as investigações e, para a nossa surpresa, em um canto do quarto havia pinturas, diria que mais de 20. Sim, ele era um amante das artes e passava o tempo pintando, nada de assassinato por alí, apenas um divórcio em andamento, fruto de uma traição não superada.

Queria poder dizer “menos um”, mas aconteceu que não tínhamos outros suspeitos em jogo... E agora?

Agora minha mania de imaginar possíveis cenas do crime não nos ajudaria muito, precisávamos de fatos reais, esperanças reais, não podíamos falhar novamente, muitas pessoas dependiam de nós e muito ainda nos restava descobrir.

Foi quando me lamentava que ouvimos um grito, vinha da piscina, era uma mulher, número 5, tarde demais para a pobre Carol. Comecei a analisar o corpo, já sem esperança de descobrir algo, ao menos ninguém saberia da quinta morte, todos estavam exilados do navio, então não teríamos que conter outro alvoroço.

Não podia ser, olhei de novo e de novo, olhei mais uma vez e chamei Fernando que fazia o documento de ocorrência, ele também não acreditou, era uma nova pista, uma resposta e já sabíamos onde procurar, esperança eu chamaria, algo tão comum que passaria despercebido aos nossos olhos. Uma assinatura.

Não era qualquer assinatura, eu me lembro e tê-la visto antes, no jornal que acompanha meu pão de queijo e o café com leite desnatado todas as manhãs. Me apressei para confirmar, estava certo.

Capítulo IV – Modus operandi

Comecei a observar e recordar os detalhes de cada morte, era muita semelhança, não podia ser verdade. O mesmo modo de agir, o mesmo objetivo, a mesma situação, o mesmo problema, os mesmos detalhes. Tudo isso nos levava a uma única conclusão, um único suspeito, uma nova esperança e outra minimalista investigação que estava por se iniciar.

Como eu tinha tanta certeza? Digamos que já tenha acontecido algo assim aqui por perto, e todos os fatores apontam para que o mesmo esteja acontecendo aqui, ele voltou, matou e quer matar.

Não tinha uma conexão entre as vítimas, mas a maneira com que foram atraídas para a cena do crime fazia todo sentido naquelas condições. Se eu estiver certo sobre o suspeito, lembro-me de ler no jornal que o assassino se dava como pintor famoso, chamava as vítimas para um retrato artístico de graça, elogiava cada detalhe e aproveitava os ambientes vazios para se “concentrar” na pintura. Provavelmente foi assim que esse novo suspeito agiu para matar suas “inspirações”.

Pensar que descobrimos tudo isso, a possível explicação, tudo por causa de uma assinatura que quase passou despercebida, parece mesmo, muito bizarro.

Só nos restava mais uma coisa para comprovar a certeza, uma simples ligação e teríamos certeza de que realmente estava acontecendo de novo.

Ligamos para o Sanatório Mont’Alto, que se localiza em Portugal, ele tinha fugido no dia de embarque, tudo batia, tudo fazia sentido, era hora de agir o mais rápido possível. O que aconteceria agora? Como tudo isso pode acontecer e ninguém percebeu? Uma mistura de alívio e medo me tomavam. Picasso está no navio.

Capítulo V – O artista

A falta de sinal reforçava a ideia de não termos descoberto antes, não líamos o noticiário a alguns dias...

Mais uma vez, lá estávamos nós, Fernando com uma pilha de cadastros e eu com outra para procurar o quarto do assassino. Achei, era o quarto 327.

No caminho para a resposta, pelos corredores das cabines, eu refletia sobre o acontecimento, o assassinato em série que teve como responsável, Picasso. Tudo acontecendo de novo, em baixo dos nossos narizes, e nos levou dois dias para descobrir o que já sabíamos.

O que aconteceu em Lagos foi pior, mais de 10 mortes, entre crianças e idosos, a cidade fiou enlutada por dias. Foi aí que descobriram Picasso, um nome provocador, confesso, ele mesmo se nomeou, se achava um grande pintor, era um louco na verdade. Após essa terrível tragédia, Picasso foi internado, até hoje não se sabe o seu verdadeiro nome, só o que se sabe é que suas ações são fruto de uma vida inteira de expectativas não correspondidas.

Meus pensamentos foram interrompidos quando Fernando me cutucou para mostrar a porta do quarto 327. Entramos sem bater, minha vontade de findar essa investigação era maior que meu medo sobre o que eu encontraria atrás daquela porta.

A cama estava bagunçada, o banheiro ainda estava embaçado, a sacada se encontrava aberta e as cortinas voavam com o forte vento, parecia vazio. Me direcionei para a sacada, mas tropecei em algo, era uma perna, a perna de Picasso. Olhei para Fernando que assustado me perguntava o que você deve estar se questionando agora, foi então que lhe respondi. Sim, número 6.

Ana Fabrício
Enviado por Ana Fabrício em 16/11/2019
Código do texto: T6796620
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