Crime confesso
- Isso vai destruir a sua carreira - disse consternado Gerald Mayer, quando Matthew Powell anunciou sua decisão. Powell concedeu-lhe um sorriso pálido.
- Não vê que minha carreira já está destruída? Estou na cadeia, e posso ser sentenciado à prisão perpétua.
- Mas admitir sua culpa na morte da prostituta...
- Aubrey - corrigiu Powell. - O nome dela era Aubrey, ou ao menos era o nome que usava. Pelo fato de que eu a tenha matado sob forte emoção, não a torna menos ser humano do que era. Não era uma coisa.
Mayer fez um aceno de cabeça.
- Parece-me que o velho Matthew Powell, o mais jovem promotor a assumir o cargo no estado de Massachusetts, ainda está aí, dentro desta cachola e deste uniforme de presidiário - declarou.
- O traje não faz o monge - assentiu o ex-promotor, com expressão divertida.
- Então, qual será sua linha de defesa? - Questionou Mayer.
- Eu tive um colapso nervoso; excesso de trabalho, pressões da polícia e meu próprio perfeccionismo. De modo algum vou acusar a pobre garota pelo fim que teve...
- Foram três tiros no peito - ponderou Mayer. - A atual promotora provavelmente vai tentar acusá-lo de crime de ódio.
- Que motivos teria eu para matar uma prostituta? - Inquiriu Powell suavemente. - No julgamento, vou invocar Deus e pedir perdão pelos meus pecados. Espero convencer o júri... como sempre fiz quando estava do outro lado do banco dos réus.
- O jogo agora se inverteu - relembrou Mayer.
- Joyce Weber não é nem de longe tão competente nesse jogo quanto eu era - replicou Powell, confiantemente.
- Espero que saiba o que está fazendo - avaliou Mayer. - É o seu pescoço que está em jogo.
* * *
- O júri chegou a um veredito? - Indagou o juiz.
- Sim, meritíssimo - declarou o líder dos jurados. - Por unanimidade, o réu foi declarado culpado de assassinato em segundo grau, sem agravantes.
A promotora exibiu um sorriso de vitória. Sentado ao lado do advogado, Matthew Powell continuou tranquilo, mesmo quando o juiz leu a sentença: prisão perpétua.
- Com possibilidade de condicional em 15 anos por bom comportamento - comentou o ex-promotor. - Acho que saí no lucro.
Mayer o encarou com admiração.
- Gostaria de ter esse seu sangue frio, Powell.
- O mesmo sangue frio que eu tive quando dei três tiros naquela vagabunda - murmurou Powell. - Ou fazia isso, ou ela iria me entregar.
Mayer agora parecia visivelmente chocado com a inesperada confissão.
- Não temos pena de morte em Massachusetts, Mayer - prosseguiu Powell. - Isso pesou muito quando decidi vir advogar aqui...
E baixando a cabeça, fingindo contrição.
- Aubrey foi a última de uma série. Felizmente, pude usar métodos menos comprometedores com suas antecessoras...
E erguendo a cabeça para encarar os repórteres que se aproximavam:
- A última... por ora.
- [05-11-2019]