O mendigo Luiz Antônio - Drama

Capítulo 1 – A chave de ouro

Em uma cidadezinha de interior, havia uma família composta por Janete Marie Goldenfroy Meirelles, uma mulher de 55 anos de idade, cabelos negros encaracolados e curtos, olhos castanhos, com 1,60m de altura, que gostava de se vestir sempre usando uma comprida saia jeans (ela tinha mais de 10 guardadas do armário) combinada com uma camiseta qualquer. Dona Janete, como era conhecida pelos vizinhos e colegas de trabalho, era auxiliar judiciária do Estado do RJ e com o salário de funcionária pública criava com a ajuda do irmão e da cunhada o único filho, Richard desde quando o pai do menino a abandonou fugindo para outro Estado com o carro dela e alguns pertences pessoais, quando Richard tinha apenas 1 ano de idade. O irmão de Janete, Adamastor, um homem bem musculoso, de 1,80m de altura, olhos verdes, tinha 45 anos de idade, era corretor de imóveis e ajudava nas despesas de casa. A esposa dele Agnes, uma mulher de 1,80m de altura, olhos negros, cabelos negros lisos e bem compridos, era professora de universidade e junto com Adamastor, ajudava na criação e na educação do menino.

O Tio Adamastor, como o menino o chamava era a sua figura paterna. Tia Agnes, embora muito mais disciplinada do que a mãe do menino, era na visão dele, como uma segunda mãe. Todos eram felizes naquela casa de três quartos com um quintal bem grande e uma casa anexa de um quarto, sala, cozinha e banheiro, que Janete alugava e com isso ganhava um dinheiro extra.

Richard Goldenfroy Meirelles Sobrinho, um adolescente com 17 anos de idade, 1,65m de altura, olhos castanhos e cabelos negros e enrolados, era um jovem sonhador, apaixonado por eletrônica desde os 10 anos de idade, ele não gostava de estudar as matérias da escola, só eletrônica. Sua mãe e seus tios o pressionaram até ele concluir o ensino primário. Mas ele sonhava em abrir um dia a sua própria oficina eletrônica e viver de consertar aparelhos. Richard fazia piadas de tudo, até do seu ultimo sobrenome: “Sobrinho”. Ele dizia que era sobrinho porque tinha muitos tios.

Um dia, Richard descobriu que poderia fazer o seu ensino médio de uma maneira bem mais fácil do que a convencional: Através de um supletivo gratuito oferecido pelo Governo Estadual, onde ele estudaria por módulos semelhantes a revistas, uma matéria de cada vez. Empolgado com a idéia de poder de um jeito muito mais fácil fazer o que a sua mãe e seus tios lhe cobravam diariamente: Concluir seus estudos, o rapaz começou a estudar e em dois anos terminou o ensino médio. Agora, com 19 anos de idade, ele estava meio perdido sobre o que fazer com aquele diploma.

Richard estava deitado na cama em uma tarde de quarta-feira, quando seu Tio Adamastor, que não agüentava mais ver o sobrinho ser um peso na vida da irmã dele, chegou da porta do quarto e disse:

- Você tem que arrumar um emprego! Não pode ficar o dia todo vadiando enquanto a tua mãe trabalha! Levanta daí e vai correr atrás! Das duas, uma! Ou você trabalha ou você estuda!

Sem saber o que fazer, o rapaz foi em várias oficinas eletrônicas daquela pequena cidade procurando por emprego o dia inteiro, mas sem sucesso. Chegou em casa desanimado e sem saber o que dizer ao tio, que era quase um pai pra ele. Na visão de Richard, era muita arrogância do seu tio Adamastor querer que ele arrumasse um emprego do nada, sem conhecer o “caminho das pedras”. Ou seja, sem ter a mínima idéia de como pedir um emprego ou de como iniciar algum tipo de trabalho alternativo. Chegando em casa, seu tio Adamastor foi logo cobrando:

- E aí? Arrumou um emprego?

- Tentei o dia todo, mas não consegui.

Com cara de decepção, o severo tio impõe:

- Amanhã então, eu quero ver você empregado, hein!

- Isso não é tão fácil assim!

- Emprego por aí tem! O difícil é achar quem queira trabalhar!

- Isso não é bem assim!

- É assim sim senhor!

Naquela noite, Richard foi dormir mais cedo, analisando uma forma de arrumar um emprego. De repente, ele lembrou-se do jornal que o seu Tio Adamastor lia todos os dias. Mas aí ele pensou: “Aqueles jornais só vão ter empregos na cidade grande, onde eles são editados, não em uma cidadezinha de interior como essa.”

O rapaz levantou-se e antes mesmo de ir ao banheiro fazer sua higiene pessoal matinal, contou o pouco dinheiro que tinha em seu tímido cofrinho de madeira feito por um amigo que era aprendiz de carpinteiro. Era o suficiente para comprar dois jornais grandes com notícias de todo o Estado ou quatro jornais pequenos só com notícias da cidade. Apressadamente, ele correu para o banheiro, urinou, escovou os dentes, tomou banho, enxugou-se, vestiu-se e saiu do banheiro, já com o dinheiro no bolso da bermuda. Tomou o café apressadamente. O menino estava decidido a levar quatro jornais locais para olhar nos classificados ofertas locais de emprego, quando um jornal lhe chamou atenção mais do que todos os outros, um jornal que mostrava várias oportunidades de emprego em vários Estados e no Governo Federal. Um jornal chamado Folha Dirigida. Richard chegou em casa com um sorriso tão intenso e feliz que até a sua mãe exclamou:

- Que sorriso amarelo é esse, Richard?

- Achei o que eu tanto procurava, mãe!

- Você não aprontou alguma não, né?

- Não, mãe, olha só! Descobri como me tornar um funcionário do governo igual a você! Agora nada vai me impedir de ter o meu tão sonhado emprego! É só eu estudar pra uma prova dessas e passar!

Aquela descoberta na visão do rapaz era como encontrar a chave de ouro pra abrir uma porta feita da madeira mais dura do mundo e que até então estava muito bem trancada. Era o caminho das pedras que ninguém havia lhe ensinado: Como conseguir um emprego de forma estável e segura.

Janete ficou aterrorizada ao ver aquilo, pois se o filho se tornasse financeiramente independente, correria a possibilidade de ele abandoná-la assim como o pai dele o fez. Tal possibilidade a deixava em estado de choque, pois ela sabia que não conseguiria suportar ser abandonada outra vez. Rapidamente, a idosa pegou o jornal das mãos do rapaz e em tom ríspido e autoritário foi logo dizendo:

- Olha só estes lugares! Todos longe desta cidade! Não tem nenhuma vaga aqui nesta cidade! Você não vai trabalhar longe da mamãe!

Ao acabar de dizer isso, ela foi ao quarto com o jornal de baixo do braço e o trancou na gaveta de um arquivo de metal, que ela tinha no quarto, onde guardava documentos das quais só ela tinha acesso.

Janete era muito organizada e em seu arquivo de metal, havia uma gaveta onde ela guardava todo e qualquer registro da vida do seu único filho, desde o nascimento até o presente momento. Fotografias, trabalhos de escola, histórico escolar, boletins, desenhos que ele fez na infância, diplomas escolares e de cursos diversos, fitas K7 com a voz dele gravada de quando ele era bebê e de quando ele era bem pequeno. Nas outras gavetas, ela guardava recibos diversos, carnês pagos de lojas, notas fiscais de todos os itens que tinha em casa, contas pagas de água, luz, telefone, internet a TV a cabo, carnês pagos de IPTU.

Richard estava em um dilema: Arrumar um emprego com a ajuda daquele jornal seria não exatamente fácil, pois o seu problema com déficit de atenção o atrapalhava bastante a estudar. Porém, sem o jornal em questão, seria muito mais difícil. Ele não entendia o porquê, mas ninguém lhe dava emprego, a não ser pra ganhar ninharia, tipo 5 ou 10 reais por semana, pois algumas pessoas acreditavam piamente que o menino era um débil mental, por conta do seu déficit de atenção e se aproveitavam disso para querer que ele trabalhasse quase de graça. Como Richard não era nenhum débil mental, entrou sem querer em conflito várias vezes entrando em “empregos” e trabalhando só uma semana ou só um mês, pra no fim das contas lhe pagarem só 10, ou no máximo 15 reais, sem carteira assinada e ainda se acharem no direito de cobrar horário e serviço bem feito. Richard já estava farto daqueles espertalhões que o viam como um escravo, até então nunca havia ganhado um salário mínimo pelo trabalho que fez em vários lugares. E aquele jornal! Ah! Aquele milagroso jornal era a porta de saída para um mundo onde ele estaria bem longe dos aproveitadores que conheceu em sua cidade, para distanciar-se de uma mãe que o dominava e o infantilizava ao extremo e para sair de um tio que cobrava dele sob ameaças de agressão, uma coisa que na atual situação sem aquele jornal seria impossível: Deixar de ser financeiramente um peso na vida da mãe dele.

Capítulo 2 – O Planejamento

Richard aos poucos foi percebendo o quanto o seu tio Adamastor tinha razão em querer fazê-lo arrumar um emprego. Mas o seu querido tio não sabia que o menino era visto como um ”maluquinho” pela sociedade e tratado como tal, ninguém lhe daria, a menos que através de um concurso público, a oportunidade de ganhar no mínimo um salário mínimo. Ao mesmo tempo em que Richard já estava farto de ser visto por todos como o “filhinho da mamãe” que era a imagem que a sua mãe lhe impunha. Ele queria viver a sua vida de adulto, de homem de 19 anos de idade e Janete estava lhe sufocando, o impedindo de ser o homem que ele era, pra ser eternamente a criança que ela gostava de fantasiar sobre ele.

Decidido, Richard comprou escondido outro jornal, separou o edital de um concurso para o governo do Estado vizinho ao seu. Jogou o resto do jornal fora, bem longe de olhares curiosos, principalmente da faxineira Helena que adorava ver o “circo pegando fogo” e se flagrasse o menino estudando escondido para tal concurso, o entregaria de bandeja só pra ver “o bicho pegando”. O menino passou a levar todas as manhãs, o pedaço de jornal para a biblioteca Municipal, onde podia pegar os livros que precisasse e passar a manhã inteira estudando. Anotou no celular um bloco de notas com o endereço e horário da prova com o despertador preparado para visá-lo duas três horas antes. Duas horas que a viagem possivelmente duraria e mais uma hora para garantir que ele não chegaria atrasado. Com o passar dos meses, pra garantir que ninguém iria descobrir seus planos, ele acabou jogando o pedaço de jornal fora, pois ao entrar na biblioteca, já sabia exatamente quais livros iria estudar. A sua determinação era tão grande, que ele enfrentou o seu déficit de atenção até conseguir memorizar tudo o que precisava. Ao fazê-lo ele entendeu que por mais difícil que uma tarefa seja, nem tudo o que é extremamente difícil é impossível.

No dia da prova, como ele já esperava, o rapaz quase gabaritou a prova, conseguindo assim, pontos o suficiente para passar. No final da tarde, ele chegou no centro da sua cidade e viu um sujeito estranho em sua direção dizendo:

- Você é Richard?

- Sim, por que?

Sem responder, o homem agarrou o braço do menino e gritou:

- ENCONTREI O MENINO DESAPARECIDO!

Todos foram ao seu encontro. Richard, por conta do seu déficit de atenção, não havia analisado o detalhe de que ao ir a outro Estado fazer a prova o concurso, ele ficou o desde 7:00h da manhã até as 3:00h da tarde fora da cidade sem dar satisfação à sua família. E por isso, a sua mãe fez o maior estardalhaço espalhando aos prantos cartazes com a foto de Richard pela cidade com os dizeres:

“DESAPARECIDO – Foi à padaria às 7:00 da manhã e não voltou para casa.” O rapaz ficou chocado com a exagerada atitude de sua mãe. Janete, assim que o viu, correu ao encontro dele e o abraçou. Chorando muito e trêmula de pavor, a idosa perguntou:

- O que aconteceu, meu filho!? Te bateram!? Te machucaram!? Quem levou você, meu filho!? Como você conseguiu fugir deles!?

- Olha mãe, não me machucaram, nem me bateram...

- GRAÇAS À DEUS! JESUS SEJA LOUVADO POR TER GUARDADO O MEU FILHINHO! Onde você estava?

- Eu estava em outra Cidade, em outro Estado, mãe...

- Você consegue identificar os bandidos, filhinho?

- Olha mãe, eu....

- Eu entendo, meu filho. Você está com medo deles, né? Vamos pra casa.

Richard foi até o táxi abraçado à Janete, que não conseguia parar de chorar.

Ao chegar em casa, Adamastor foi logo levando o seu sobrinho para uma conversa particular no quarto:

- Quer matar a tua mãe, desgraçado!?

- Não! Eu não tinha idéia de que ela ia fazer esse furacão todo, como se eu estivesse desaparecido!

- Como não!? Você saiu às 7 da manhã pra comprar pão e voltou agora! Como você queria que ela reagisse? Eu sei muito bem o que você foi fazer! Mas você tinha que avisar a família primeiro! Você não tinha nada que sair saindo e fazer aquela prova sem falar nada com ninguém!

- E você acha que ela ia me deixar fazer aquela prova se eu dissesse pra ela?

- Óbvio que não! Mas você não pode assustar ela desse jeito! Ela poderia ter um infarto e ter morrido! Se você quer fazer concurso público, por mim tudo bem!

Nesse momento, Janete abriu a porta e com um chinelo na mão direita, disse:

- Mas por mim, não!

E dando várias chineladas em Richard, Janete continuou:

- Eu te dou de tudo (PLAFT!) , moleque (PLAFT!) safado! Eu (PLAFT!) já disse (PLAFT!) que (PLAFT!) não quero (PLAFT!) saber (PLAFT!) de você (PLAFT!) fazendo (PLAFT!) concurso (PLAFT!) público! (PLAFT!)

- Mas mãe! Eu só queria deixar de ser um peso na tua vida financeira!

- Ah! Bobagem! Tudo tem o seu tempo! E você é muito infantil pra correr atrás disso agora!

- Eu tenho 19 anos, mãe!

- Mas tem cabecinha de 9! Ou talvez menos! Se você me aprontar uma dessa outra vez, eu vou te dar uma surra de cinto!

- Mas o Tio Adamastor vive cobrando de eu arrumar um emprego, pra te ajudar nas despesas da casa. Eu só quis ajudar!

- Mas custa fazer como você já fez antes? Arrumar um emprego aqui na cidade, bem perto da mamãe?

- Aqui só aparece gente querendo me fazer de otário, querendo que eu trabalhe por ninharia. Eu não entendo o porquê, mas ninguém me leva a sério!

- Por enquanto então estuda, e quando você tiver conhecimento pra isso, abre o teu próprio negócio. Não é melhor assim, do que querer trabalhar em um lugar estranho, onde ninguém te conhece e você não conhece ninguém?

- Tá certo, mãe.

Richard fingiu em concordar com a mãe porque percebeu que se não o fizesse, aquela conversa iria durar o resto da vida.

Os meses depois da prova passaram tão rápido que quando Richard recebeu no celular a mensagem que o avisou que ele passou na prova do concurso, o rapaz levou um susto! Ele não conseguiria nunca convencer a mãe dele a deixar ir trabalhar em outro Estado. Porém, se ele não comparecesse, estaria perdendo a oportunidade de ganhar o equivalente a aproximadamente cinco salários mínimos! Tal salário era na vida de um jovem de 19 anos de idade, uma conquista gigante! Mas o menino pensou muito em sua amada mãe. Se ele agarrasse tal oportunidade, estaria entregando a sua mãe à morte, pois se por conta de ele “desaparecer” pela metade de um dia, ela ficou naquele estado de desespero, se ele desaparecesse de verdade, ela fatalmente infartaria. Seu Tio Adamastor cada vez mais imponente queria de qualquer forma que o menino arrumasse um emprego, o que para o jovem rapaz era impossível haja vista ele ser visto pela sociedade como o “retardado” que na verdade dos fatos, ele nunca foi. Richard tinha dois dias pra decidir o que fazer.

Capítulo 3 – A decisão fatal!

Naquela tarde de quinta feira, depois de passar a manhã inteira analisando o que dizer a sua mãe, Richard foi na cozinha, onde ela estava lavando a louça e foi direto ao ponto:

- Ééééé... mãe! Aquela prova que eu fiz pro concurso, lembra?

Janete olhou para o filho com olhos de fúria e fez que sim com a cabeça. Richard pensou no alto salário e em começar a sua vida profissional com um salário daquele tamanho, o que não era pra qualquer um. O jovem estudou até conquistar aquilo, e isso o encorajou a enfrentar a mãe e dizer:

- Eu fui chamado ontem e amanhã expira o tempo.

Janete fez que ia pegar o chinelo. O menino deu um ‘chego pra trás’. Mas a idosa apenas apontou o dedo na cara do filho e disse:

- Se você sair por aquela porta pra ir para a porcaria daquele lugar maldito, (começando a chorar) EU JURO! VOCÊ NUNCA MAIS PÕE OS PÉS NESTA CASA!

Eram 14:00h quando o menino foi para seu quarto, deitou-se na cama e quando ia começar a analisar um jeito de convencer a sua mãe a aceitar a situação, seu Tio Adamastor apareceu na porta do quarto dizendo em tom ríspido e grosseiro:

- Descansando o dia todo, né moleque safado!? Sai daí e não me volta pra casa sem um emprego, nem que seja como lavador de traseiro de cachorro!

Richard foi até o centro da cidade, entrou em uma padaria, pediu um café e pensou: “É agora ou nunca! Eu não vou ficar o resto da minha vida sendo tratado feito criança pela minha mãe e levando broncas do meu tio por uma situação da qual eu não tenho saída!”

Com algum dinheiro no bolso, o suficiente para a passagem para se apresentar no dia seguinte de manhã e para o hotel onde ele dormiria na cidade do seu novo emprego, Richard foi até a rodoviária e comprou a passagem, pegou o ônibus e disse em pensamento para si mesmo:

“Me desculpe, mãe. Mas você tem que aceitar o fato de que eu cresci. Um dia talvez eu volte pra te ver. Ou talvez não, porque eu sei que você fará de tudo para me segurar debaixo da tua saia outra vez e eu tenho uma vida pra seguir em frente. Eu nunca deixei nem deixarei de amar você, por isso você não imagina o quanto é duro pra mim tomar esta decisão que infelizmente foi necessária: Te abandonar como meu pai o fez. E me sinto um rato sujo ao fazê-lo, mas não há outra saída. Talvez um dia eu volte a te ver. Vou ver se consigo, depois de passar no estágio probatório, transferência para a nossa cidade, para continuar a viver contigo. Mas por enquanto vou correr atrás do meu futuro, viver uma vida de adulto como eu sempre sonhei. Eu sei o quanto você vai sofrer por conta do meu desaparecimento. Por isso, me desculpe, mãe. Me desculpe.”

Chegando na cidade que seria a partir daí a sua nova residência, Richard foi logo procurando por um hotel. Por sorte, ele conseguiu um onde ele poderia passar dois dias com o dinheiro que tinha. Ele pensou:

Agora só tenho que procurar nestes dois dias, uma casa pra alugar que seja mais ou menos perto do meu local de trabalho.

No dia seguinte, o rapaz foi se apresentar. Ao chegar em seu novo local de trabalho, o seu chefe o conduziu a uma saleta com duas mesas, cada uma com um computador e disse:

- Bom, Richard. Você vai trabalhar no setor de arquivamento geral ao lado da Lizete. Ela deve ter ido tomar um cafezinho. O teu computador será aquele no fundo da sala. O teu trabalho é digitar esta pilha de processos no sistema. Qualquer duvida, pergunte à Lizete. Quando ela chegar, você se apresenta, ok?

- Sim Senhor, chefe!

- Alguma dúvida?

- Não.

- Então, vou deixar você aí. Até mais.

Richard foi digitando meticulosamente os dados dos processos no sistema e passando para o outro lado da mesa os processos já incluídos. Por conta do seu levíssimo grau de autismo, o rapaz entre um processo e outro, conversava com um amigo imaginário qualquer, gesticulando a boca. De repente, uma idosa aparentando 60 anos de idade, apareceu da porta, levou um susto ao ver Richard e disse:

- Ai, meu Deus!

A idosa foi embora sem se comunicar com o rapaz. Aquela era Lizete. Mas ninguém comunicou a ela que a partir de hoje ela teria um ajudante recém concursado e que a substituiria quando ela se aposentasse dali a 5 anos. Ao ver o rapaz naquele computador digitando os processos, e gesticulando a boca como se estivesse conversando com alguém, ela julgou que ele estivesse bêbado e tivesse então invadido o lugar. Ela pensou:

“Daqui a pouco ele vai embora.”

Meia hora depois, ela voltou na porta da saleta e ao ver Richard ali digitando, disse:

- Ué!?

E foi embora reclamar com o segurança da portaria. O homem foi com Lizete ver quem seria o bêbado que invadiu sua sala de trabalho. Ao ver Richard falando sozinho, o segurança não pensou duas vezes: Deu-lhe uma chave de braço e o colocou pra fora. Richard tentou argumentar:

- Eu trabalho aqui!

O segurança respondeu:

- Mentira! Eu nunca te vi aqui! E olha que eu tenho é tempo aqui dentro!

- É que eu sou recém-concursado!

- Recém-concursado é o meu ovo! Some daqui, bêbado nojento!

Richard pensou em voltar para casa da sua família depois da sua falida experiência em tentar arrumar um emprego em outro Estado e deixar tudo pra trás.

Quando Richard estava voltando ao hotel para pegar suas coisas, Marcondes, um sujeito extremamente musculoso, de pele branca, cabelos pretos quase raspados, barba feita, olhos negros e cara de poucos amigos, com 27 anos de idade, 1,70m de altura, trajando uma camiseta regata amarela, bermuda de tactel azul, e tênis branco, o abordou dizendo:

- Ô maluco! Vem comigo!

Assustado ao pensar que fosse um assaltante ou algo assim, Richard respondeu:

- O que aconteceu? Quem é você?

- É melhor você vir comigo, senão vai dar ruim pra você.

- Pera, lá! Primeiro, quem é você? De onde você me conhece? O que você quer comigo?

Sem responder, Marcondes agarrou o pescoço de Richard com um dos braços e o levou à força para a casa dele. Richard gritou por socorro. Mas as pessoas à volta riam dele. Então, Richard gritou:

- Por favor, alguém chame a polícia! Esse cara é bandido! Ele está me seqüestrando!

Marcondes deu uma tapa na cara de Richard e disse:

- Ssssshhhh! Quietinho! Senão eu vou te dar uma surra!

As pessoas que passavam na calçada riram mais ainda quando ele pediu pra alguém chamar a polícia. Richard achou muito estranho, principalmente ao ver algumas pessoas cochichando, como se estivessem todos combinados com o seu agressor. Os dois adentraram um restaurante pela porta da frente e ao ver os clientes do restaurante, Richard insistiu em pedir ajuda:

- Alguém chame a polícia, por favor!

Marcondes deu outra tapa na cara do rapaz dizendo:

- Quieto!

Os clientes do restaurante riram. Richard pensou: “O que está acontecendo que todos estão rindo de mim? Eles certamente estão me confundindo com algum bandido ou coisa assim.”

Nos fundos do restaurante, havia uma casa de dois pavimentos, com dois quartos e um banheiro, área de serviço e saída dos fundos, que dava acesso à rua de trás através de uma escada na parte de cima e um quarto,sala, banheiro e cozinha na parte de baixo, onde residia Sr. Baldomiro, o dono da casa, marido de Minerva e pai de Marcondes e Selena.

Baldomiro era um homem de 120Kg, com 54 anos de idade, cabelos crespos, pele parda, olhos negros 1,75m de altura. Ele praticava boxe todos os dias e era dono de um conhecido restaurante no centro da cidade. Sempre envolvidos em constantes brigas de rua, ele usava o boxe que treinava diariamente para espancar quem ele achava que devia. Todos os dias ele saía para caminhar de manhã. Mas voltava quase sempre com as mãos sujas do sangue de uma nova vítima, afirmando que por ordem médica ele deveria socar a cara de quem lhe irritasse para ele não infartar.

Marcondes era o filho mais novo de Baldomiro e Minerva. Era dono de uma academia de jiu-jitsu, professor formado faixa preta de ponta vermelha, bi-campeão mundial de jiu-jitsu e tri-campeão mundial de UFC. Passava a manhã inteira dando aulas de jiu-jitsu em sua academia. À tarde, ele ajudava o pai no restaurante trabalhando como garçom e às vezes ajudava o cozinheiro. Nos sábados à noite, ele gostava de sair nas boates junto com alguns alunos graduados para espancar até a morte homens que não soubessem se defender dele. Ele era meio que famoso por isso nas casas noturnas. Quem de longe o reconhecia com os alunos dele entrando em uma boate qualquer, saía de fininho pelos fundos.

Selena era uma mulher de pele clara, com 32 anos de idade, 1,80m de altura, cabelos negros e ondulados compridos até o meio das costas, olhos castanho-escuros, corpo extremamente musculoso e de uma beleza facial de gosto duvidoso. Ela era professora de muay-thay e assim como o irmão, tinha a própria academia, com o diferencial de que ela se especializou em defesa pessoal para mulheres se defenderem de estupradores e assaltantes. Ela só aceitava alunas, nunca alunos.

Minerva era uma mulher magra de 52 anos de idade, pele clara, olhos castanho-escuros, cabelos loiros, encaracolados e bem curtos, 1,65m de altura. Tinha jeitos e trejeitos de uma típica senhora de classe alta, misturados a um jeito ríspido e seco de tratar as pessoas. Professora de nível médio, era odiada pela maioria dos alunos pelo jeito antipático e hostil de lecionar suas aulas.

Marcondes arrastou Richard até o segundo piso do restaurante, jogando-o em um cubículo e 2x2 metros com uma pequena cama de solteiro em um canto e uma janelinha do tipo clarabóia nos fundos, ao lado de uma porta um pouco menor que dava acesso à área de serviço do restaurante. O pit-boy jogou o rapaz na cama e disse:

- Fica aí quietinho! Se tu aprontar, vai apanhar!

Sem saber o que fazer, Richard sentado naquela cama velha e suja, passou a mão no rosto e sentiu um filete de sangue, arrancado pelos potentes tapas de Marcondes. Só então ele percebeu a presença de uma cômoda na frente da cama e acima dela, um espelho. Ao ver no espelho com a ajuda da escassa luz vinda da janelinha, a marca dos tapões o seu agressor, o rapaz levou um susto e pensou: “Independente da situação, tenho que fugir daqui! Seja lá com quem estiverem me confundindo, parece que o ódio do povo dessa cidade contra esse cara com quem estão me confundindo é gigante!”

Duas horas depois, a porta do cubículo se abriu. Marcondes entrou acompanhado do Sr. Baldomiro. O idoso perguntou ao filho:

- Então esse é o mendigo que entrou bêbado numa repartição pública e fez a maior arruaça?

Richard, ao perceber mais ou menos a situação, tentou retrucar:

- Espera, eu posso explic... (POW!)

A frase de Richard foi interrompida por um soco do Sr. Baldomiro, tão forte que lhe arrancou um dente superior frontal, enquanto o idoso disse:

- Quando um burro fala, o outro abaixa a orelha! Isso é pra você aprender a não se meter na conversa dos outros! Eu estou conversando com o meu filho! Quando a conversa chegar aí, você participa!

Chorando com a dor do soco e assustado com a surpreendente força física do seu agressor, Richard percebeu que seria melhor não tentar explicar a situação por enquanto. Talvez até fosse melhor tentar explicar por escrito, ou tentar conversar com alguém que não resolvesse tudo no soco. Marcondes apontou o dedo na cara de Richard e disse:

- Você vai dormir aí hoje. Amanhã eu venho aqui te acordar.

Richard esperou os dois irem embora. Marcondes trancou o cubículo por fora. Richard prontamente pegou o celular e tentou ligar para o telefone fixo da casa da sua mãe. Mas como estava em outro estado, por conta do DDD diferente a ligação caiu no telefone fixo de uma casa daquela cidadezinha mórbida. Por coincidência, uma mulher atendeu:

- Alô! Quem é?

- Mãe! Sou eu! Richard! Eu estou em outro Estado! Fui confundido com um mendigo bêbado e estou nas garras de uma família de psicopatas! Alô, mãe!?

- Errou o número, menino! Eu sou solteira e nunca tive filhos.

- Não é possível! Esse telefone é fixo, não é?

- Sim, e daí?

- Posso falar com a dona da casa?

- Eu sou a dona da casa.

Ao pensar que a sua mãe tivesse alugado a casa anexa à casa onde eles moravam e tivesse então emprestado a linha telefônica fixa, ele disse:

- Então eu quero falar com a Dona Janete!

- Não tem ninguém aqui com esse nome. Tchau.

O desespero tirou temporariamente o raciocínio do rapaz e com isso, ele não conseguia se ligar no detalhe do DDD de jeito nenhum e nem se tocou da possibilidade de chamar a polícia. Do outro lado da linha, a dona da casa onde a ligação telefônica caiu, pensou que fosse um falso seqüestro criado por um presidiário qualquer. Richard insistiu em tentar ligar para a sua casa e foi atendido pela mesma mulher. Com o desespero tomando conta de si, aos prantos ele disse:

- Pelo amor de Deus! Me deixa falar com Janete Marie Goldenfroy Meirelles! É uma situação urgente! Eu preciso de ajuda! Eles vão me matar! Eu sei que esse número é dela! Talvez a senhora a conheça por um apelido qualquer, não sei, mas por favor, chama a dona dessa linha telefônica, que o filho dela, eu no caso vou morrer!

- Olha aqui, menino! Essa linha sempre me pertenceu desde quando eu me casei há seis anos. Portanto, vai tentar enrolar outra pessoa com esse papinho de seqüestro, ta legal?

E desligou o telefone.

De repente, a porta destrancou. Marcondes entrou no cubículo com cara de raiva, olhou o celular na mão direita de Richard e com uma expressão de desprezo no rosto, tomou o aparelho da mão do menino sem dizer coisa alguma e foi embora, trancando a porta atrás de si. Sem saber o que fazer, o menino pensou em arriscar olhar o que tinha na porta do outro lado do cubículo, mas ficou com medo de dar de cara com o Sr. Baldomiro ou com um dos filhos dele. A porta não tinha frestas. Pela janelinha redonda dava pra ver o que parecia ser uma enorme área de serviço, com algumas roupas penduradas em um varal e um tanque azulejado. O menino ficou com sono, deitou com muito medo naquela cama toda suja e dormiu com roupas e tênis, na esperança de fugir na primeira oportunidade.

Capítulo 4 – O inicio do pior pesadelo da vida de um jovem.

Às 7:00 da manhã em ponto, Marcondes abriu a porta do cubículo acordou Richard com um tapão na cara. O menino acordou assustado e o pit-boy disse:

- Vem comigo! Hora de trabalhar!

Richard pensou em perguntar o porquê de acordá-lo com um tapão. Mas ao ver que o seu agressor tinha uma massa muscular invejável e era um psicopata, resolveu ficar quieto pra não levar uma surra dele. Marcondes levou Richard até um pequeno depósito de material de limpeza, anexo à cozinha do restaurante. Chegando lá, Marcondes entrou, pegou uma vassoura, um balde, um pano de chão e disse:

- Agora são 7:00h da manhã! Às 9:00h o meu pai vai dar a caminhada dele. Se quando ele sair, esse chão não estiver brilhando, tu vai levar uma surra dele! Entendido?

- Sim, mas depois que eu limpar todo esse chão...

- Aí o meu pai vai decidir o que você vai fazer!

- Olha, eu tenho que chegar às 9:30 no meu local de trabalho.

- Como é que é!?

- É isso, eu sou funcionário concursado do SEMPA.

- Olha aqui! Tu nem ouse chegar perto do SEMPA, se você dá valor a tua vida, entendido?

- Mas é o meu emprego...

- SSShhhh! Quietinho, senão eu te dou uma porrada! Agora começa a limpar esse chão!

Sem saber como argumentar, Richard começou a limpar o chão. Marcondes foi embora, dar aulas na sua academia de jiu-jitsu.

Às 8:45, o chão estava todo limpinho e o menino pensou: “O filho do dono foi embora, o velho só vai acordar daqui a uns 15 minutos. Vou atrás do meu emprego. É só eu mostrar a ficha de apresentação, entrar, bater o ponto, me apresentar àquela senhorinha que trabalha na mesma sala do que eu e pronto.”

Mas quando Richard tentou sair do restaurante, um adolescente de 1,70m de altura, de cabelos lisos castanhos e curtos trajando um conjunto de bermuda e camiseta cor-de-laranja, tênis igualmente cor-de-laranja o interceptou no estacionamento que ficava na frente do restaurante, dando-lhe dois socos na testa, fazendo-o cair sentado com a dor na cabeça. Logo em seguida, Richard viu o seu agressor entrar no restaurante e subir as escadas, chegando ao corredor que dava acesso pelos fundos da casa do Sr. Baldomiro. Enquanto Richard se levantava ainda com muita dor dos potentes socos na testa, o seu agressor voltou acompanhado do Sr. Baldomiro, que disse:

- Então a bichinha tentou fugir, né?

Quase passando mal de dor, o menino respondeu:

- Por que tanto ódio contra mim? O que eu fiz contra vocês? Esse sequestro já foi longe demais! Eu exijo falar com a minha família! O que vocês estão fazendo contra mim e contra a minha família é de uma covardia sem tamanho, seus bandidos!

Sr. Baldomiro agarrou o pescoço de Richard com o braço esquerdo e disse:

- Toma essa por me chamar de sequestrador! – E deu um soco no maxilar dele, arrancando quatro dentes. – Toma essa por me chamar de covarde! – E deu outro soco no maxilar dele arrancando mais dois dentes. – E toma essa por me chamar de bandido! – E deu um soco no olho dele, fazendo o olho do rapaz ficar preto e muito inchado.

Logo em seguida, Baldomiro soltou o rapaz e disse:

- Espero que tenha aprendido a me respeitar.

E foi embora junto com o sobrinho dele, que olhava para o menino com olhos de desprezo.

O sobrinho do Sr. Baldomiro se chamava Michel, era um estudante de 16 anos de idade, praticante de muay-thay, cursando nível médio, era vizinho morando na casa ao lado da casa do Sr. Baldomiro e filho de um coronel do Exército. Michel tinha uma musculatura invejável e assim como Sr. Baldomiro tinha socos super-potentes e isso o tornava tão arrogante quanto o tio dele.

Sem saber o que fazer e desesperado para sair daquela situação, Richard começou a analisar o que fazer. As horas passaram rápido e Sr. Baldomiro voltou da caminhada. O homem olhando com raiva para o rapaz, disse:

- Que mancha é essa no chão!?

Sem perceber, o menino deixou uma poça de sangue no chão, com os dentes que o seu agressor havia lhe arrancado. Ele então recolheu os dentes e guardou no bolso. Logo em seguida, pegou o pano de chão e limpou o sangue.

Depois que o chão estava limpinho, Richard foi ao banheiro do restaurante, sendo interceptado por Marcondes que havia acabado de chegar, segurou o braço do rapaz e disse:

- Opa! Onde você pensa que vai?

Ainda chorando com a dor dos socos que levou, o menino disse:

- Vou ao banheiro.

- Nesse aqui não! Esse é dos clientes! Você então vai ao banheiro lá de dentro!

Marcondes levou o menino ao banheiro dos funcionários, que ficava anexo à cozinha. Ao ver o estrago que Sr. Baldomiro fez em seu rosto, ele pensou em denunciar o seu agressor. Automaticamente, ele lembrou-se de que estava sem o seu celular. Ele pensou: “Esse restaurante certamente tem telefone fixo pra receber pedidos de quentinha. A maioria os restaurantes têm! Só tenho que aproveitar o momento de distração deles pra usar o telefone.” Então, ele lavou bem a boca retirando todo o sangue. E sob a ordem de Marcondes, trabalhou de garçom durante a tarde inteira. Ele procurou durante a tarde toda uma brecha pra usar o telefone, que ele descobriu que ficava atrás do balcão do caixa. Balcão este que também era um balcão de lanches com banquetas na frente e na parede dos fundos, garrafas com vários tipos diferentes de bebidas alcoólicas. Porém, o movimento do restaurante era muito intenso. Não havia um segundo de tempo entre um cliente e outro, era o tempo de anotar um pedido e pegar o prato do pedido anterior pra entregar na mesa. Na porta de entrada do restaurante, haviam dois capangas do Sr. Baldomiro, ou seja, tentar fugir disfarçado no meio dos clientes que saíam, seria em vão. No final do dia, Richard estava exausto. Ainda assim, o fizeram limpar o salão do restaurante e os banheiros dos clientes. Assim que a faxina terminou, Marcondes levou Richard pelo braço até o cubículo onde o mantinha aprisionado. Fedendo a azedo de tanto suor, ele pensou: “Eles não vão deixar nem eu tomar um banho?”.

Naquela noite, o jovem rapaz não conseguiu dormir por conta do fedor do seu próprio suor. No meio da madrugada, sem ter a mínima idéia do horário, ele percebeu que a porta dos fundos do cubículo, estava destrancada. Ao abrir, o jovem deu de cara com uma enorme área de serviço, cercada com muretas de um metro de altura, toda azulejada, com um tanque de lavar roupas em um canto e com vários varais com roupas diversas penduradas. Perto do tanque, a um metro de distancia da porta, uma torneira de jardim estava com uma mangueira de 5 metros. Como era madrugada, ele pensou que não seria visto, tirou suas roupas e tomou um banho gelado de mangueira, se secou com a camisa e a deixou pendurada em um varal vazio. Ele pensou: “Melhor do que nada.” Quando ele voltou para o cubículo, trajando apenas a calça e os tênis, foi surpreendido por Marcondes, que foi logo dizendo:

- Você tem idéia de quantas pessoas você constrangeu tomando esse banho de mangueira na área? Aliás, com a autorização de quem você saiu do quarto?

- Eu tive que tomar banho de algum jeito....

- SSSSSHHHH! QUEM TE DEIXOU SAIR DO TEU QUARTO!?

- Isso aqui não é o meu quarto!

- É SIM SENHOR! E SE SAIR SEM AUTORIZAÇÃO OUTRA VEZ, VAI APANHAR ATÉ A MINHA MÃO DOER DE TANTO BATER NESSA TUA CARINHA ESCROTA! AGORA VAI DORMIR MENDIGO SAFADO!

Marcondes saiu do cubículo e trancou a porta atrás de si. Richard ficou ali planejando um jeito de tomar banho escondido daquela família de psicopatas, dentro daquele cubículo ou no banheiro dos clientes do restaurante.

No dia seguinte, depois de trabalhar duro até as 15:00 sob as ameaças e agressões físicas do Sr. Baldomiro e do filho dele, o Sr. Baldomiro disse à Richard:

- Hoje nós vamos na fazer a tua identidade. Vou te registrar como meu filho e o teu nome vai ser Luiz Antônio.

- Olha Sr. Baldomiro, eu já tenho nome, inclusive os meus documentos são...

Ele ia dizer (Os meus documentos são aqueles que estavam na carteira que estava no meu bolso quando eu fui arrastado pelo teu filho até aqui), mas um soco na boca dado pelo Sr. Baldomiro interrompeu a frase do rapaz. Richard caiu pra trás e chorando de dor ao perder mais dois dentes, com uma fortíssima dor na mandíbula, ele viu o seu agressor dizer em tom ríspido e decisivo:

- Para de mentir, mendigo safado! Eu e meu filho te tiramos da rua, depois que você entrou bêbado em uma repartição pública e começou a perturbar uma funcionária! Tem várias testemunhas disso! Agora levanta daí e vamos pra delegacia!

Sem dizer coisa alguma, o rapaz pensou: “Ótimo! Assim que chegarmos, vou denunciar este bandido e o filho dele ao Delegado. Não vai dar nem tempo de ele me dar outro soco antes de ser algemado depois que eu contar ao delegado a verdade dos fatos.”

Ainda com a boca sangrando, Richard chegou na delegacia local acompanhado do seu algoz e foi logo dizendo ao atendente:

- Sr. Delegado, eu preciso de ajuda! Urgente!

Mas para o espanto dele, o atendente lhe respondeu com um:

- SSSShhhhh!

Então o atendente olhou para o Sr. Baldomiro e o cumprimentou:

- Sr. Baldomiro! Que bons ventos o trazem?

- O Dr. Evaristo está presente?

- Claro! Vou chamar ele para o Senhor!

O atendente entrou em uma saleta e voltou acompanhado de um homem quarentão, pardo, calvo e muito musculoso trajando calça jeans, botinas de couro, camisa social listrada, chapéu de caubói e ostentando um bigode do estilo sertanejo. O homem apertou a mão do Sr. Baldomiro e foi logo perguntando:

- É esse aí o pestinha?

- É esse aí mesmo. Tô educando ele na porrada. Aos poucos ele está a prendendo a me respeitar. No começo ele era muito rebelde. Hoje mesmo eu tive que dar uns corretivos nele, por isso é que ele está com a boca sangrando.

O Delegado olhou nos olhos de Richard e disse:

- Muito bem. A partir de hoje o teu pai adotivo, Sr. Baldomiro vai te dar um nome e o sobrenome da família dele, Bampé.

Richard sentiu nojo das palavras do Sr. Baldomiro e prontamente disse ao Delegado:

- Olha Dr. Evaristo, eu preciso conversar com o Doutor em particular.

- Pode falar aqui, na frente do teu pai. Do que se trata.

- É disso que eu queria falar. Ele não é o meu pai adotivo. Eu tenho minha família em outra cidade. Eu não sei o que ele disse ao Doutor, mas a verdade é que eu fui sequestrado por ele e pelo filho dele e...

Quando Richard ia dizer (...e estou sendo diariamente espancado e escravizado por eles. Inclusive a minha família certamente está me procurando, pois perdi o contato com eles por ter tido o meu celular afanado por ele, junto com os meus verdadeiros documentos), mas Sr. Baldomiro interrompeu a fala do rapaz agarrando-lhe o pescoço com o braço esquerdo e dando vários socos na cara dele com a mão direita dizendo:

- Toma essa por me chamar de mentiroso. – E deu-lhe um soco no olho direito, fazendo-o inchar e ficar roxo. - Toma mais essa por me chamar de sequestrador. – E deu um soco no maxilar arrancando mais dois dentes. - Toma mais essa por chamar o meu filho de sequestrador. – E deu um soco no nariz fazendo-o achatar e sangrar muito. - Toma mais essa por mentir pro Delegado. – E deu outro soco no olho direito fazendo-o inchar ainda mais e ficar mais escuro. - Toma mais essa por me chamar de ladrão. – E deu outro soco na boca arrancando mais três dentes.

Chorando de desespero e dor, Richard gritou:

- SOCOOOOORROOOOOO!

Mas para a surpresa dele, o Delegado, o atendente e dois policiais que estavam ali caíram na gargalhada. O delegado então, calmamente perguntou ao Sr. Baldomiro, como se nada tivesse acontecido:

- Qual vai ser o nome completo dele?

Indignado, Richard gritou:

- MEU NOME É RIC...

Mas a frase dele foi interrompida por um soco do Sr. Baldomiro na cabeça dado por trás, tão forte que o menino desmaiou. Quando acordou, com fortíssimas dores no rosto e na cabeça, ele estava deitado no chão do cubículo onde ele era obrigado a dormir na casa do Sr. Baldomiro. O jovem reuniu forças entre as fortes dores pra subir na cama, ao ver que foi simplesmente jogado ali feito um saco de batatas. O sangramento no que sobrou do seu nariz e na boca fizeram o travesseiro sujo e empoeirado que ele era obrigado a usar ficar encharcado.

Naquela madrugada, as fortíssimas dores não o deixaram dormir e ele estava determinado a fugir daquele lugar, já que até mesmo o Delegado da delegacia local estava do lado do seu algoz. Mas quando ele menos esperava as dores o fizeram desmaiar. No dia seguinte os já costumeiros tapas na cara dados por Marcondes o acordaram, com o pit-boy dizendo a já costumeira frase:

- Trabalhar! Vagabundo!

Ainda chorando de dor, Richard respondeu:

- Eu não estou em condições de trabalhar hoje!

Marcondes pegou Richard pelo braço, o levantou à força, deu mais dois tapas na cara do menino e disse:

- Vai trabalhar sim, mendigo safado! Nós te tiramos da rua pra isso!

Indignado, o jovem foi ao depósito de material de limpeza, onde diariamente pegava uma vassoura, um balde, sabão em pó e começava a limpar o salão analisando um jeito de se livrar daquela situação. Ao olhar um pouco mais pra cima, viu que no depósito havia veneno de rato, um pó branco dentro de uma caixa semelhante a uma caixa de sabão em pó de meio quilo. O menino então teve a idéia de pegar um pouco daquele veneno e colocar em um saquinho que viu ali. Com o saquinho no bolso, ele pensou: “Depois eu vou ver o que fazer com isso. Preciso matar eles, senão vou acabar morrendo. Não tem outro jeito.”

O corredor do restaurante que dava acesso do salão principal ao depósito de material de limpeza, também dava acesso aos banheiros, masculino e feminino respectivamente e no fim do corredor à cozinha. Nos fundos da cozinha uma saleta com vários produtos alimentícios. Ao ver que o cozinheiro ainda não havia chegado, o rapaz atravessou a cozinha e foi até o depósito, jogando o veneno de rato em um enorme saco de farinha de trigo. Logo em seguida, ao ouvir passos em sua direção, ele entrou no banheiro masculino. Marcondes entrou cinco segundos depois e foi logo questionando:

- O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AÍ, MENDIGO SAFADO!?

- Eu também mijo, você sabia?

- ENTÃO MIJA RÁPIDO, QUE O SERVIÇO TÁ ESPERANDO!

O menino abriu a calça, urinou, fechou a calça e foi trabalhar sob o olhar bravo de Marcondes.

Na hora do almoço, Sr. Baldomiro entregou a Richard uma carteira de identidade com o nome Luiz Antônio Bampé. Assustado, Richard disse:

- Eu não vou usar essa falsificação barata feita por aquele delegado corrupto!

Sr. Baldomiro agarrou o pescoço do menino com a mão esquerda e mais uma vez começou a espancá-lo. Deu um soco que lhe arrancou mais dois dentes e disse:

- Toma essa por me chamar de falsificador. – Deu outro que deixou o olho que ainda enxergava mais ou menos completamente fechado e disse: – E toma mais essa por chamar o Dr. Evaristo de corrupto.

Chorando de dor, o jovem não conseguiu comer e foi levado por Marcondes para o cativeiro. O pit-boy jogou o menino no chão do cubículo e disse:

- Se livrou de uma metade de dia de trabalho, hein vagabundo! Amanhã, se no mínimo um olho teu não estiver desinchado o suficiente pra tu trabalhar, quem vai te dar uma surra vai ser eu!

Desesperado pelas ameaças do seu algoz, Richard não conseguiu dormir naquela noite e ficou analisando como fazer para se livrar daquela situação. Começou a chover. O jovem abriu então a porta dos fundos do cubículo, saindo mais uma vez na área de serviço. Como seus olhos estavam completamente inchados, ele não viu para onde estava indo, mas foi apalpando as paredes na esperança de encontrar uma saída pelos fundos da casa. Rodeou toda a área, apalpando a grade de ferro que circundava todo o local e encontrou ao lado da porta, uma escada para um nível meio metro acima, onde havia uma enorme caixa d’água. Ao entrar no segundo nível da área de serviço, ele tropeçou em um objeto grande e quase caiu, se segurando na grade de ferro. Quando apalpou o objeto, percebeu que era uma escada de madeira de aproximadamente 7 metros de comprimento. Então ele teve a idéia de colocar a escada do lado da área de serviço, descendo para a liberdade. Assim que chegou no chão, percebeu que estava na calçada, pois esbarrou em um poste ao descer. Neste momento, ele foi apalpando o muro ao lado dele, e foi andando calçada afora. Ao passar pelo portão de uma casa, um enorme cachorro latiu, assustando o menino. Então, com medo do cachorro ele correu. Sem saber pra onde estava indo, Richard sem querer, sem saber, chegou a final da calçada e atravessou uma rua na frente de um ônibus. Com o impacto, o rapaz desmaiou e foi resgatado pelo Corpo de Bombeiros.

Depois de seis meses em coma, Richard acordou em um hospital. Assim que abriu os olhos, percebeu que estava cego do olho direito e o esquerdo enxergava tudo meio embaçado. Uma enfermeira alertou ao médico e este foi lhe fazer algumas perguntas:

- Teu nome é Luiz Antonio, certo?

- Não, meu nome é Richard.

- Não é o que está escrito na tua identidade, rapazinho. O documento que estava na tua calça diz: “Luiz Antônio Bampé”.

- Mas essa não é a minha verdadeira identidade.

- Então você falsificou essa identidade?

- Não, essa identidade foi falsificada por um delegado corrupto, a mando de um sequestrador chamado Baldomiro.

- Ah, então você é aquele bebinho que o Sr. Baldomiro tirou da rua e estava criando como se fosse filho dele...

- Isso é tudo mentira.

- Você está me chamando de mentiroso, moleque safado?

- Espera! Eu só estou dizendo que o Senhor foi enganado pelo Sr. Baldomiro e pela gangue dele.

- Você é bem cara de pau, hein mocinho? O homem te tira da rua da amargura, te dá comida e abrigo, te trata como um filho adotivo, e você vêm com essa de que ele te sequestrou, de que ele tem gangue...

- Ele me espancava todo o santo dia, ele e aquele filho marginal dele.

- Ooooolha como você fala do teu pai adotivo e do filho de sangue dele, hein? Você é muito ingrato, viu rapazinho?

- Eu estou falando a verdade, e além disso, eu tenho a minha família, que deve estar me procurando até agora.

- Ah! Luiz Antonio! Quem você pensa que engana?

De repente, uma enfermeira entra e fala com o médico:

- Dr. Augusto, o Senhor foi solicitado na sala de emergência.

O médico se retirou do quarto e então Richard aproveitou pra falar com a enfermeira:

- Dona Eunice...

A enfermeira fez cara de espanto e perguntou:

- Como você sabe o meu nome, Luiz Antonio?

- Eu vi no teu crachá. E é sobre isso que eu preciso falar com a Senhora. Minha família está a meses me procurando e...

- Pode deixar que nós já avisamos ao Sr. Baldomiro que você acordou do coma.

- Mas não é do Sr. Baldomiro que eu estava falando, é da minha verdadeira família.

A enfermeira deu uma risadinha e disse:

- É mesmo?

- Sim, eu preciso que a Senhora anote um número pra avisar à minha mãe...

- A esposa do Sr. Baldomiro também foi avisada, Luiz Antonio.

- Não! Eu tô falando....

A enfermeira saiu sem dar atenção às palavras de Richard. O jovem gritou:

- Ei! Espera aí, Dona Eunice!

A enfermeira fez um “Aguenta aí!” com a mão direita e foi embora. Minutos depois uma voz masculina bem grave aterroriza o rapaz. A voz do Sr. Baldomiro dizendo ao longe:

- Ele sempre foi grosso e malcriado com todo mundo. Por isso eu tô educando ele na porrada, cada grosseria que ele me fala, leva um soco na cara. Mesmo assim tá difícil, ele é muito rebelde. Minha mão tá até pegando artrose de tanto porrar a cara desse bêbado e ainda assim todo dia ele pede pra apanhar. Meu filho mais velho tá me ajudando a educar ele, de vez em quando dá uns corretivos nele.

Ao ouvir aquilo, Richard enfartou e morreu.

O rapaz foi enterrado como indigente e no dia do enterro, dois coveiros conversaram:

- E esse mendigo, Luiz Antonio?

- Ah, esse aí é um bebinho que o dono daquele restaurante, Sr. Baldomiro pegou da rua pra criar, mas foi atravessar a rua bêbado, um ônibus atropelou, ele ficou seis meses em coma, depois morreu.

FIM

Eduard de Bruyn
Enviado por Eduard de Bruyn em 24/09/2019
Código do texto: T6752979
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