A filha do ourives

[Continuação de "Papel nobre"]

Ao ouvir soar a sineta da porta de entrada, Petronille Claimond parou o bordado que estava fazendo e entreabriu as cortinas de renda do seu quarto. Em frente ao portão da residência londrina dos Claimond, uma carruagem de aluguel começou a rodar rua abaixo, mergulhando no fog advindo com a noite. O passageiro que desembarcara, estava agora de pé no patamar em frente à porta, coberto por um manto pesado e escuro, e com um tricórnio preto sobre a cabeça. Como se percebesse estar sendo observado, ele ergueu a cabeça em direção à janela onde Petronille estava. A jovem fechou imediatamente as cortinas e encostou-se à parede, sentindo o coração bater acelerado no peito.

- Esse homem de novo... - murmurou em desespero.

Correu para a porta do quarto, que estava fechada, e a entreabriu para tentar ouvir o que se passava no andar de baixo. Um criado franqueara a entrada ao visitante indesejado, e agora ele deveria estar no vestíbulo, aguardando ser recebido por Elyas Claimond, dono da casa e pai da jovem. Dificilmente Claimond o convidaria para o conforto da sala de estar, e era assim que deveria ser, pensou consigo mesma.

- Suponho que tenha vindo em cumprimento à alguma determinação do seu senhor? - Ouviu o pai indagar, em tom de enfado.

- Naturalmente, mestre Claimond. Não teria vindo perturbá-lo em sua residência se assim não fosse - retrucou o visitante. - Trago-lhe uma carta dele, solicitando suas providências.

Silêncio. Claimond-pai deveria estar examinando o documento, imaginou ela. Após alguns instantes, a voz dele soou novamente:

- Trata-se de uma soma bastante elevada... tem certeza de que ele irá sacar tudo isso em espécie?

- É o que está escrito na carta do meu senhor, não é, mestre ourives? - Replicou fleumaticamente o interlocutor.

- É o que estou lendo aqui - redarguiu secamente Claimond. - Bem, o saque deverá ser efetuado por ele, pessoalmente, conforme consta do nosso contrato de serviços.

- Nenhum problema - acedeu o visitante. - Basta que me diga quando a quantia estará disponível para transporte.

- O seu senhor informou que só viria buscar o dinheiro em uma semana. Pois, em uma semana ele poderá ir à minha casa comercial na City e eu o estarei aguardando para efetuar a transação.

- Fico-lhe muitíssimo grato, mestre Claimond - disse o visitante. - E tenho certeza de que meu amo também ficará.

- Eu o acompanho até a saída - retrucou Claimond, sem qualquer resquício de hospitalidade.

A porta de entrada abriu e fechou-se. Petronille cerrou suavemente a porta do quarto, e foi espiar a rua por uma fresta da janela.

O homem encapotado descia agora a rua, fracamente iluminado pelas lâmpadas de óleo de peixe. Em dado momento, parou na calçada e olhou por sobre o ombro, para trás e para o alto.

Petronille sabia que era à ela que aquele olhar sombrio buscava.

[Continua em "Estudo de personagem"]

- [21-02-2019]