Prenda-me se for capaz

Georgeta Anghelescu sentiu um baque no coração ao abrir a porta de seu apartamento na Vila Olímpica e deparar-se com uma sorridente Brandusa Eliade à sua frente, vestida ainda com o elegante terninho com as cores da Valáquia que usara na abertura das Olimpíadas de Londres. A visitante trazia uma caixinha embrulhada em papel de presente nas mãos.

- Surpresa! - Exclamou Brandusa.

- Não a esperava aqui... - murmurou Georgeta, ajeitando os longos cabelos louros.

- Vim saber como estava... é estranho vê-la na delegação de um outro país - Brandusa também parecia embaraçada.

- Bem... eu pedi asilo ao Reino Unido, como já sabe... e me naturalizei britânica. Portanto...

- Sim...a sua decisão nos pegou a todos de surpresa. Nunca imaginaríamos que você fosse nos deixar... - disse Brandusa em tom de desculpas. - Mas eu não vou tomar o seu tempo. Só vim deixar esse presente.

E estendeu a caixinha para Georgeta, que hesitou antes de pegá-la.

- Estão nas cores que você usa agora - acrescentou Brandusa, enquanto Georgeta finalmente abria a embalagem. Seu rosto iluminou-se ao ver o conteúdo.

- Muito gentil da parte de vocês...

- Sem ressentimentos? - Indagou Brandusa, estendendo a mão.

- Sem ressentimentos.

O aperto de mãos trocado foi rápido. Quarenta e oito horas depois, Georgeta Anghelescu estava morta.

* * *

- Envenenada? - Perguntou Ellery Queen, enquanto servia-se da primeira colherada de um "trifle", generosamente decorado com morangos cortados ao meio e lascas de amêndoas. De pé à sua frente, no reservado do restaurante, o inspetor Highsmith não parecia estar com tempo nem disposição para sobremesas.

- Envenenada, sim - confirmou o policial. - Temos suspeitas de que o assassino usou tetrodoxina, mas o laudo oficial ainda não foi divulgado.

- TTX... um veneno potente e sofisticado - avaliou o detetive novaiorquino. - Fico imaginando como foi ministrado à vítima.

- É justamente para determinar isso que a Scotland Yard precisa da sua ajuda, Sr. Queen.

- Naturalmente - disse Queen em tom condescendente. - Mas, sente-se, Highsmith, que pretendo terminar o meu "trifle" enquanto você me põe a par do caso...

Highsmith sentou-se e cruzou as mãos sobre a mesa.

- Como sabe, a vítima era Georgeta Anghelescu, uma de nossas grandes esperanças no salto com vara para esta Olimpíada...

- Estou ciente - Queen perfurou a camada de creme com a colher. - A Srta. Anghelescu desertou da equipe olímpica daquele país pitoresco da Europa Central, a Valáquia, e pediu asilo ao Reino Unido...

- Isso foi há dois anos... em 2010 - aduziu Highsmith. - E o governo valaquiano parece não ter ficado nada satisfeito com a deserção...

Queen saboreou uma colherada de creme, morangos e pão de ló, antes de retomar a conversa.

- Portanto, assassinar uma atleta olímpica, em seu lar adotivo, pouco antes dela poder se classificar para as provas da sua modalidade, seria um alerta para outros que poderiam estar pensando em fazer a mesma coisa, correto?

- Em se tratando da Valáquia, isso não seria exatamente inesperado, Sr. Queen.

- A Srta. Anghelescu bem que poderia ter se naturalizado norte-americana - ponderou Queen, mexendo distraidamente com a colher em sua taça de "trifle". - É provável que ainda estivesse viva por estas horas.

E, diante da expressão aborrecida do inspetor, ergueu ambas as mãos como quem pede desculpas.

- Sem ofensa!

* * *

- A minha cliente deseja saber se está sendo acusada de algum crime - perguntou Darrell Blankenship, advogado londrino de Brandusa Eliade para o inspetor Highsmith. A reunião estava transcorrendo na chefatura de polícia, e dele participavam, além do causídico e Highsmith, a própria Brandusa e Ellery Queen, na qualidade de consultor da Scotland Yard. Eliade parecia tranquila, embora obviamente estivesse constrangida.

- A Srta. Eliade foi chamada aqui apenas como parte da investigação sobre a morte de Georgeta Anghelescu, não está sendo formalmente acusada de nada - respondeu Highsmith.

- Muito bem, então - aquiesceu o advogado.

- A sua cliente não fala inglês, correto? - Indagou Queen, sentado ao lado de Highsmith.

O advogado o encarou, intrigado.

- Não... mas eu fui contratado pela embaixada da Valáquia justamente por falar romeno fluentemente.

- Ótimo. Então, por favor, precisamos saber o que a Srta. Eliade foi fazer no apartamento da vítima, 48 h antes da morte desta - prosseguiu Queen.

- Temos os vídeos do circuito interno de segurança, - acrescentou Highsmith - portanto sabemos que ela esteve lá.

O questionamento foi traduzido para Eliade, que não aparentou surpresa e deu uma resposta longa, resumida em seguida pelo advogado:

- Minha cliente foi entregar uma encomenda para a vítima.

- Encomenda... enviada por quem? - Inquiriu Highsmith.

O advogado sequer olhou para a cliente. Respondeu de imediato:

- Por um grupo de fãs de Georgeta Anghelescu. Na Valáquia.

- Fora da jurisdição da Scotland Yard, portanto - comentou Queen. - Muito conveniente.

- Se houvesse suspeitado de alguma irregularidade com a encomenda, crê que a vítima a teria aceito? - Questionou o advogado em tom de desafio.

- Acredito que não estou lidando com amadores - retrucou Queen. E, de forma incisiva:

- O que continha a encomenda?

Traduzida a pergunta para Eliade, a resposta foi curta:

- Prendedores de cabelo.

* * *

Highsmith entregou o relatório toxicológico para Ellery Queen, que o folheou rapidamente, expressão concentrada.

- Ah... confirmaram o TTX - declarou por fim. - Confesso que fiquei surpreso a princípio com o método utilizado para envenenar a vítima... até entender que quem planejou o assassinato estudou cuidadosamente a rotina da Srta. Anghelescu.

- Os tais elásticos de cabelo foram embebidos em tetrodoxina - comentou Highsmith, aparência cansada. - Se a vítima os tivesse usado unicamente para prender o cabelo, seria improvável que tivesse morrido. Só que ela costumava também prendê-los no pulso, às vezes três ou quatro de uma vez. Com o atrito contra a pele, a toxina acabou sendo absorvida, em quantidade suficiente para matá-la antes que pudéssemos entender o que estava acontecendo...

- Imagino que não poderão acusar formalmente Brandusa Eliade... - comentou Queen.

- Ela foi apenas a encarregada de entregar o pacote... e é pouco provável que vá fazer qualquer denúncia contra o governo do seu próprio país, mesmo que tenha sido enganada por ele, o que não podemos descartar.

- Sim, concordo... - anuiu Queen. - Ela foi usada como garota de recados... certamente não poderemos indiciá-la como assassina.

- O que nos deixa com a triste conclusão de que talvez jamais saibamos quem matou Georgeta Anghelescu - ponderou Highsmith.

- Oh, mas nós sabemos quem matou a atleta - retrucou Queen, devolvendo o relatório ao inspetor. - Só não podemos prender todo o governo da Valáquia...

- [17-03-2018]