Arabella - Parte II
16 anos atrás:
Ela voltava à noite pelo parque, em uma cidadezinha do interior. Carregava as compras: pão, leite, café e manteiga. Precisava comer algo, ou morreria de fome.
Trajava um vestido branco e vermelho, florido, até o joelho. Uma garota simples, com longos cabelos loiros, esvoaçantes. Seus olhos negros como a noite captaram um movimento estranho. Avistou de longe seu pior pesadelo. Sangue de seu sangue, aquele que nunca conseguira chamar de pai.
- “Aonde é que você tava, sua vagabunda?”
- “Fui comprar pão e leite. Precisava comer”.
- “E não avisa o seu pai? Sai desse jeito, que nem uma puta pela rua...”
Ela nada dizia, como sempre. Sabia que uma hora algo pior aconteceria, mas agora não estava preparada. Ele exalava à pinga barata e cigarro. Com as pernas trançando e falando enrolado, começou a admirá-la.
- “Você é minha filha e vai fazer o que eu mandar, entendeu?” – Puxou-a pelo cabelo e a arrastou atrás de uma grande árvore. Ela gritava de dor e tentava se desvencilhar, mas ele era muito mais forte. Não havia ninguém na rua a essas horas, o movimento ficava todo para o centro da pequena cidade.
- “Pare! você ta me machucando!” – Ela gritava.
As compras caíram no chão e pão voou para todos os lados. Ele a atirou na grama e deitou-se em cima dela. Sacou o membro para fora, já bem duro e ergueu-lhe o vestido. Ela gritava inutilmente enquanto ele a penetrava. Gritos de dor poderiam ser ouvidos se alguém se aproximasse. O sangue escorreu entre suas pernas, tirando toda a pureza da jovem garota, que perdera as esperanças de algum tipo de ajuda. Seu pai lhe ameaçava com uma faca enferrujada, enquanto ela nada podia fazer.
Alguém caminhava entre o parque, com uma garrafa de bebida e um cigarro entre os dedos. Um garoto cabeludo, que calçava um coturno e roupas pretas. Voltava pra casa, quando escutou gritos vindos do outro lado. Parou e ouviu. Caminhou em direção à eles e se escondeu atrás de uma árvore. Uma bela garota era abusada por uma terrível criatura. Logo aproximou-se correndo e chutou-lhe a cabeça. Ele caiu, abobeado e logo se levantou. A menina assistia a tudo assustada, no chão.
- “Eu vou matar você, moleque filho da puta”.
Ele nada respondeu,apenas partiu pra cima do garoto, enquanto este tentava se defender. O velho deu-lhe uma facada na barriga, e o garoto caiu. Deixou a garrafa cair ao chão e o velho a pegou. Quebrou metade dela na árvore, e segurava a outra pelo bico, os cacos salientes se preparando para perfurar o garoto. Mas em questão de segundos, muito sangue foi escorrido pelo chão. A garota pegara a velha faca enferrujada e cortara a garganta do velho, que caiu agonizando entre as folhas secas.
O garoto se desviou do corpo e olhou para a garota. A mesma estava toda ensanguentada, com o vestido rasgado e sujo. As compras jaziam espalhadas pelo chão, assim como o corpo do velho.
Ele pressionava a barriga com as mãos, e ela se aproximou gentilmente.
- “Vai precisar levar alguns pontos. Eu cuido disso pra você”.
Ela sorriu gentilmente e seus olhos se encontraram pela primeira vez. Seus olhos negros como a noite admiravam os olhos verdes mais lindos que já vira em toda a sua vida.
Ela o ajudou a levantar-se e o levou até sua casa. Lá, pegou sua caixa de primeiros socorros e gentilmente deu-lhe os pontos, que havia aprendido com os livros. Ele a admirava enquanto ela terminava.
- “Pode ser que doa um pouco no dia seguinte. É melhor você verificar no hospital depois se está tudo bem. Mas ficará melhor”.
Ele sorriu e eles se levantaram. Voltaram até o parque vazio, aonde ainda jazia o corpo e toda a bagunça. Limparam tudo e recolheram as provas do crime. Jogaram gasolina no corpo e o queimaram, pois sabiam que ninguém sentiria a falta do velho. As provas do crime foram enterradas em um local seguro.
Ele a levou para a casa e a ajudou a se banhar. Ela ainda estava um pouco traumatizada, mas sentia que poderia confiar no garoto. Ele a secou e lhe trouxe roupas limpas. Ela então lhe deu uma camisa limpa para vestir e limpou o sangue que respingou no corpo dele. Os cabelos dele eram negros e lisos, até um pouco para baixo do ombro. Tentavam esconder inutilmente a beleza de seus olhos verdes, que não paravam de admirar a bela garota à sua frente.
- “Muito obrigada... Eu não sei o que faria sem você, hoje!” – ela agradeceu, sinceramente.
- “Não precisa me agradecer. Eu não gosto de injustiças. À propósito, como você se chama?”
- “Arabella”.
- “Belo nome. Tão belo quanto a dona”. – Ela sorriu. Ele era divertido.
- “E o seu?”
- “Pode me chamar de Tato”.
- “Muito prazer, Tato... Isso ficará entre nós, não é?”
- “Única e exclusivamente entre nós. Afinal, a única injustiça foi a da parte dele. Será o nosso segredo”. – Eles sorriram.
Meses se passaram e os dois se viam diariamente. Ela morava sozinha e ele a ajudava com compras ou algo do tipo. Ela trabalhava com costura, porém o dinheiro não era o suficiente para bancar todas as despesas. Ele era melhor de vida e sempre a ajudava como podia. Os dois se encontravam e muitas vezes ele dormia com ela em sua casa.
- “Eu nunca vou te deixar” – ele dizia, enquanto estavam abraçados, totalmente nus na cama”.
- “Você me faz bem, Tato. Me ajudou a me livrar do pior pesadelo da minha vida: meu pai, se é que assim posso chamá-lo”.
Eles estavam felizes e se completavam. Mas ela sabia que aquilo seria passageiro e que um dia, precisaria dar um rumo em sua vida. Em um dia frio, ele abriu a porta de sua casa com pão e leite. Chamou-a, porém ninguém respondeu. Colocou as compras na mesa e olhou pelos cômodos da casa:
- “Arabella? Cadê você? Eu fiz compras...”
Olhou então em cima da penteadeira antiga, de madeira. Nela havia um bilhete e em cima dele, um objeto. Ele se aproximou e viu a faca enferrujada, com a qual Arabella matara seu próprio pai. Em volta dela, um laço de cetim vermelho. Leu o bilhete:
“Por você eu mataria. Eu te amo”.
Michelle estava em sua casa, pensando no que havia acontecido. Seu passado retornara à tona e ela se desconcentrava. O que faria? Deveria ter contado à ele quem ela realmente era? Ou será que ele reagiria estranhamente?
Por mais estranho que fosse, não conseguira identificá-lo pela primeira vez. Mas seus olhos... Eles não mentiam. Ela sabia que era ele, mas será que ele desconfiara em algum momento sobre quem ela era?
Precisava de foco. Não poderia se apressar para contar-lhe. Ele poderia decidir denunciá-la por algo que aconteceu há muito tempo atrás. Afinal ele era um advogado. O que teria mudado em todos estes anos?
Precisava relaxar. Caminhou até o parque e acendeu um cigarro. Olhava para o horizonte imaginando onde estaria ele agora. Talvez trabalhando, talvez relaxando como ela. Talvez transando com alguém... Como era bom nisso. Há quanto tempo ela não transava com alguém, essa é uma ótima pergunta. Depois do trauma com seu pai, nunca mais conseguiu relaxar com ninguém, a não ser com o Tato. Depois disso, só usava o sexo como pretexto para trabalho. Seduzia sua presa, transava sem prazer algum, e logo depois a matava. Então envolvia o corpo em chamas. Uma maneira muito mais fácil de se aproximar. E isso foi apenas no começo, quando era inexperiente. Quando pegou o espírito da coisa, não precisou mais usar o sexo para isso.
Seu celular tocou. Número não identificado. Ela já se acostumara. Atendeu.
- “Alô? Gostaria de falar com o responsável pela linha.” – voz de mulher. São as que mais a procuram, infelizes com seus casamentos, ou com alguma traição.
- “Sou eu mesma”.
- “Eu estava me perguntando se talvez pudéssemos conversar pessoalmente”.
- “Entendo... Mas não faço mais esse tipo de serviço. Por tempo indeterminado”.
- “Eu te ofereço duzentos mil”.
Michelle silenciou. Normalmente cobrava uma faixa de quinze a trinta mil por serviço. Mas duzentos mil era muito. Não precisaria trabalhar mais por um ano. Se interessou.
- “Acho que podemos nos encontrar pessoalmente. Vou te passar o endereço e o horário”.
- “Tudo bem”.
Se encontraram em um café, numa rua movimentada. Uma bela mulher, muito bem vestida e elegante, dos cabelos pretos e ondulados a aguardava na última mesa. Michelle sentou-se à sua frente. As duas se cumprimentaram no rosto como duas amigas e pediram um café.
- “Você é mais nova do que eu esperava...” – comentou a mulher.
- “Obrigada.” – Michelle sorriu. O garçom trouxe os cafés e as duas começaram a tomar tranquilamente.
- “Então, me passe os detalhes” – Michelle começou.
- “Bom. É o meu marido. Ele está me traindo. O peguei com uma vagabunda na cama, mês passado... Desde então nossa vida virou um inferno e decidi que era melhor acabar com isso de uma vez”.
- “Você está me oferecendo um preço alto... Por quê?”
- “Dinheiro não é o problema. Conheço alguns matadores, mas não quiseram me fazer o serviço por considerarem uma causa banal. Eu sabia que uma mulher me entenderia e o faria”.
- “Não faço porque te entendo e sim pelo dinheiro, entendeu?”
- “Perfeitamente. Não me preocupo com as suas intenções, somente quero que isto tudo acabe logo.” – ela parecia decidida.
- “Muito bem... Passe-me todos os detalhes. Endereço, casa, traços físicos e psicológicos, a hora que ele sai para o trabalho e a hora que ele volta. Quero tudo, qualquer informação é importante. Quanto ao pagamento, exijo metade de adiantamento. Nada de cheques nem de depósitos. Dinheiro vivo. A outra metade é a sua garantia e minha também. Eu te direi aonde deixar quando eu já houver terminado o trabalho. E é melhor que esteja lá quando eu te pedir. Entendido?”
- “Sim”.
- “Michelle?” – Uma voz masculina a chamava ao celular.
- “Sim?” – Ela respondeu.
- “Sou eu, Douglas”.
O coração dela bambeou. Tato... Ele a ligara... Finalmente!
- “Que surpresa! Como está, Douglas?”
- “Muito bem. E você?”
- “Ótima”.
- “Estava pensando se você não gostaria de sair, tomar um drinque”.
Ela estava ocupava preparando tudo. Amanhã faria o trabalho.
- “Eu... Amm... Não vai dar...”
- “Ah, você está no trabalho? Me desculpe, não sabia que estava de plantão. Bom, não tem problema, eu te ligo outro dia”.
- “Espere! Não, eu estava terminando de limpar a casa, na verdade. Mas acho que preciso sair pra uns drinques”.
- “Muito bem, aonde te encontro?”
- “Já te digo”.
- “Você tem o gosto do paraíso” – Ele dizia, enquanto passava a língua pelo clitóris dela.
Ela gemia de prazer. O encarava de cima enquanto ele a admirava com seus belos olhos verdes. Puxava seu cabelo e empurrava sua cabeça entre suas pernas.
Talvez ele fosse o único com quem ela conseguiria sentir prazer alguma vez na vida. Seu corpo, sua pele, sua inteligência... Talvez para ele fosse apenas um sexo casual, mas para ela, depois de saber quem ele realmente era, tudo mudara.
Eles acenderam um cigarro e conversaram. Ele falava sobre filosofia e história. Ela apenas o admirava.
- “Você acha que temos o direito de tirar a vida de alguém?” – Ele perguntou. Ela o encarou. Por que tocava neste assunto, mesmo? Começaram falando sobre religião, e agora...
- “Eu acho que nenhum dom foi nos dado em vão. Se o ser humano mata, é porque é capaz de fazê-lo. Se a morte fosse algo tão terrível assim, porque não nascemos então com o dom de voar, ao invés de matar?”
Ele a encarou por alguns segundos. Seu olhar era estranho, quase fuzilador.
- “Então você acha certo?” – Ele reforçou a pergunta.
- “Eu acho que é aceitável em alguns casos”.
(continua...)