A crucificada: 2/1 - Primeiras informações

Continuando: Quem não leu a primeira parte pode ler aqui

http://www.recantodasletras.com.br/contospoliciais/4236030

Pessoal, o texto pode parecer grande, mas na verdade ele é composto de muitos diálogos, o que, acredito eu, deixa ele um pouco maior. Mas a narrativa é rápida e leve, digo que não gastarão mais de 5 minutos do seu tempo para ler...

Boa leitura!

---------------------------

CAPÍTULO 2

Primeiras informações

I

Trinta minutos depois, Lino chegou á delegacia e deparou-se com um grande movimento. Já era quase três da manhã, e um movimento daqueles naquele horário só significava uma coisa. Ele se pôs a imaginar qual seria o crime dessa vez, e quem seria a vítima.

Foi conduzido até a sala do delegado Ramón por uma moça simpática que lhe pareceu preocupada. Quando entrou na sala, o delegado bateu as mãos em aprovação. Havia um homem sentado num canto. Lino deduziu que ele deveria ter trinta anos no máximo. Estava com a cabeça baixa e tremia da cabeça aos pés.

- Até que enfim, Adelino. – rosnou Ramón. Era um homem já grisalho, com quase dois metros de altura e ombros largos. Beirava os sessenta anos, mas seu porte físico não os demonstrava.

- Por favor, me chame de Lino.

- Lino, Adelino, tanto faz. Já faz um pouco de tempo desde a última vez que nos vimos, lembra-se?

- Remotamente. – respondeu sem interesse.

Ficou olhando para o rapaz encolhido na cadeira.

- O que aconteceu, delegado? Quem é o rapaz?

Ramón suspirou e passou as mãos pelo cabelo. Foi até sua mesa e sentou-se em sua cadeira. Indicou para que Lino se sentasse.

Ele o fez, e então o delegado falou com a voz pasma:

- Um crime bárbaro, Lino. Um crime aparentemente sem motivos.

- Quase todos os crimes têm seus motivos. – retrucou Lino.

- Disse bem. – continuou Ramón parecendo impaciente. – Quase todos, o que parece que não é o nosso caso.

Lino desviou os olhos para o rapaz novamente. O delegado anunciou:

- Ele é Marcelo Tavares, marido da vitima. Está assim desde que chegou aqui. Já tentei conversar com ele, mas me parece que não deseja conversar.

- Ele está abalado, é claro. Vamos esperar um pouco para ver o que arrancamos dele depois. Continue Ramón. O que a gente tem de concreto?

- Quase nada. – bufou o delegado.

- Quem era a vitima e o que ela fazia?

Ramón pareceu buscar na memória, mas com certeza tinha todas as respostas prontas.

- Ela tinha vinte e seis anos, trabalhava num banco...

- Qual banco?

- No Continental. Abriu filial aqui em Barretos faz uns dez anos, não é tão antigo. – respondeu Ramón impaciente pela interrupção. – Por quê?

- Bem, parece meio óbvio, não? Temos que saber para interrogar os outros funcionários, o gerente, os guardas, todo mundo que trabalhava lá. E também por interesse meu. Já fui até esse banco umas duas ou três vezes, talvez eu a tenha conhecido.

Ramón concordou.

Lino continuou:

- O que mais?

- Ela tinha vinte e seis anos, trabalhava no Continental há uns quatro anos mais ou menos, visitava o hospital do câncer constantemente...

- Uma filantrópica?

- Talvez não, ao que parece. Ela gostava de ter contato com as crianças, mas creio que era só isso. Eles não são bem sucedidos para doações ou esse tipo de coisa.

- Eu não disse que são. – rebateu Lino secamente. – É só isso?

- Por enquanto só. Vamos esperar o rapaz dar uma melhorada para acumular testemunhas e descobrir alguma coisa.

Lino lembrou-se de uma coisa.

- Ela tinha algum problema com a justiça?

- Não ao que parece. Pra falar a verdade eu nunca havia ouvido falar dela. – respondeu Ramón com ar cansado.

- Isso é ruim.

Ramón arregalou os olhos.

- Como isso pode ser ruim?

- Casos com pessoas quase perfeitas são sempre ruins.

- Ela não era quase perfeita. Isso é só o que a gente sabe, não quer dizer nada.

Lino concordou.

- Não, não quer dizer nada.

Instalou-se um silêncio na sala. O rapaz permanecia cabisbaixo e Lino perguntou-se o que ele estava fazendo ali. Não estava servindo para nada.

- Quer conversar, amigo? – arriscou.

Ele não disse nada nem se mexeu.

- Pode desistir. – bufou o delegado.

- E quanto ao crime? Um crime bárbaro?

Ramón assentiu com os olhos cansados.

- Nunca vi nada igual. Ela foi encontrada na entrada de uma fazenda á poucos quilômetros daqui por dois moradores. Eles voltavam de Barretos, tinham ido jantar, foram ao cinema e depois passaram o resto da noite na praça tomando sorvete.

- E...

- O corpo da moça estava preso em uma cruz, aparentemente com o pescoço quebrado. Ela estava crucificada, Lino.

Lino Soni refletiu por um momento. Um crime bárbaro, sem sombra de dúvidas.

- Que coisa terrível. – murmurou.

- Acha que a forma como ela morreu tem alguma coisa a ver com o crime? – perguntou o delegado.

- Talvez. Bem pensado. É muito sugestivo. Devemos aprofundar mais, descobrir um pouco melhor sobre a religiosidade dela.

Ramón franziu o cenho.

- Acha que tem alguma coisa ligada com religião?

- Não tem como saber, mas é um bom começo. Temos que ter uma ponta e puxá-la aos poucos, e dependendo da forma como agimos, tudo vem abaixo.

Ramón ficou quieto. Lino sabia que o delegado abominava crimes, e seria capaz de dar o próprio sangue para por as mãos no assassino.

Lino continuou com seu raciocínio:

- Se ela foi crucificada, alguém deve ter visto alguma coisa, pois a cruz teria de ser grande.

- É difícil saber, pois não está na beira da estrada. Ela foi crucificada na porteira que fica á uns cinquenta metros da estrada aproximadamente.

- Mas como ela foi levada até lá? Por uma camionete seria o mais lógico. Será que alguém não viu uma camionete passando com uma cruz na traseira?

- Eu penso diferente. Quem fez, sabia que não teria ninguém em casa. Foi tudo planejado, eles sabiam quanto tempo tinham. Acredito que eles possam tê-la montado lá mesmo. Mesmo que tenha feito barulho, ninguém que passasse na estrada poderia ouvir.

Lino concordou com a dedução do delegado.

Foi a vez de ele falar:

- E com certeza foi executado por braços fortes. O corpo já devia estar moribundo ao ser crucificado, e acredito que a cruz deva pesar em demasia.

- Foi o que pensei. Nossas perguntas são: Por que alguém teria motivo para matá-la? Por que ela foi crucificada, e logo naquela fazenda, considerando que há duas mais perto de Barretos?

- São perguntas pertinentes, e temo não saber as respostas por hora. O que estamos esperando para ir até lá? Quero olhar o local e conversar com os donos da casa. Com certeza eles têm algo para nos dizer.

- Nós já estamos indo. Estou só esperando uma ambulância buscar o rapaz. Ele deve ficar em observação, e depois que melhorar, vamos bombardeá-lo com perguntas.

- Devagar, amigo. Ele é a nossa melhor testemunha por enquanto, mas devemos ser cautelosos.

- Cautela demais me dá tédio.

O delegado saiu da sala e Lino ficou sozinho com o viúvo. É um homem charmoso. Devem ter muitas mulheres que o desejam agora que está viúvo.

Ramón voltou dez minutos depois.

- Estamos preparados. Vamos?

- Vamos. – concordou Lino.

Tinha um enigma para desvendar.

II

O caminho até a fazenda demorou aproximadamente vinte minutos. Eram dezesseis quilômetros da cidade até a entrada, que aos olhos distraídos, passaria despercebida.

A estradinha de terra até a porteira tinha mais ou menos uns cinquenta metros, assim como Ramón havia dito.

Quando desceram da viatura, depararam-se com peritos e médicos legistas, usando suas lupas e tirando fotos. Lino logo avistou a cruz. Erguia-se de até uns dois metros do chão. Preso a ela, estava o corpo de uma jovem, com a cabeça caída batendo no peito. Lino reconheceu que ela tinha um corpo maravilhoso. Estava nua, e ele não deixou de notar que ela tinha a parte íntima bem cuidada.

Sentiu o cheiro podre do corpo, e sentiu a bile subir. Segurou o vômito por profissionalismo. Quem confiaria num detetive com o estômago fraco?

Ele olhou para trás e percebeu que quase não dava para ver a estrada. O caminho era repleto de mato muito alto e árvores perto da porteira. A teoria do delegado poderia ser verdadeira.

- É horrível, não? – perguntou Ramón pondo-se ao seu lado.

Lino assentiu e tirou o maço de cigarros do bolso.

- Fuma?

- Parei. – resmungou o delegado.

- Ela era bonita.

Ramón concordou.

- Presumo que ela devia ter muitos pretendes. – continuou Lino.

- Ela era casada.

- E isso quer dizer que ela não podia ser assediada?

- O que você está sugerindo é impossível. – esbravejou Ramón. – Pelo que sabemos dela...

- Você disse que não sabe nada sobre ela. – interrompeu Lino dando uma tragada. – Eu só fiz uma sugestão. Não temos nada concreto. Temos que começar por algum lugar.

- Você é esperto.

Lino sorriu envergonhado.

- Admito que não esperava um elogio tão cedo. Principalmente seu. Eu apenas busco explorar os mais constantes temas. Ciúmes, traição...

- Religião. – completou Ramón. – Não podemos nos esquecer.

- Não devemos nos esquecer.

Instalou-se um silêncio entre os dois.

Lino perguntou:

- Consegue arrumar uma lanterna para mim? Preciso examinar o local.

- Temos ordens para não nos aproximar por enquanto.

Lino esbravejou:

- Mas que droga, eu sou o detetive! Para que eu fui chamado então?

Esbravejando, Ramón saiu e voltou dois minutos depois com uma lanterninha minúscula.

- É tudo o que consegui. – disse desanimado.

- Ela ilumina?

- Acho que sim...

- Então serve.

Lino saiu e acenou para que Ramón o seguisse.

- Não foi encontrado nada até agora?

- Parece que não. O sargento Viviano já vasculhou o local e disse que está tudo limpo.

- E ele é um bom profissional?

Ramón o encarou nervoso.

- Que droga! Por que você é tão desconfiado assim?

- Ele é um bom profissional?

- É um ótimo profissional. – disse Ramón com a voz nervosa. Parecia perder a paciência. – Um dos melhores que temos.

Lino sorriu.

- Você é um homem paciente, delegado?

- Ás vezes. Mas regularmente não.

- Então sugiro que não me acompanhe. – brincou Lino.

- Nem que eu quisesse. Vamos pegar esse assassino antes do que todos imaginam.

Lino encarou o delegado. Era o tipo de homem que ele admirava. Que acreditava em seu trabalho e principalmente em sua competência. Deduziu que seria uma boa companhia durante as investigações.

- Você é um homem admirável, delegado Ramón.

Ele só bufou.

Lino avançou abaixado com a pequena lanterna iluminando por todos os lados. Já passavam das três da manhã e ainda estava muito escuro.

Ele aproximou-se do corpo e ignorou a faixa, passando por baixo dela. Mulheres habilidosas tiravam fotos e examinavam o corpo com lupas. Depois de cada investigação detalhada pelo corpo, elas balançavam a cabeça em reprova. Foi um crime bem cometido. Mas não perfeitamente cometido.

Ramón parecia impaciente quando Lino viu algo caído no chão. Era um pedacinho de papel e fora rasgado de qualquer maneira. Ele aproximou a lanterna e conseguiu ler o que estava escrito.

Rua Reinaldo Prado, número 66.

O papel estava sujo de terra, mas a caligrafia era muito boa. Ele entregou o papel para Ramón.

- Conhece o endereço?

Ramón examinou e examinou, e por fim devolveu o papelzinho para Lino.

- Receio que não, mas já ouvi o nome dessa rua.

- Então quer dizer que isso fica em Barretos, mesmo?

- Provavelmente.

- Por favor, Ramón, chame um de seus amigos e pergunte se eles conhecem o endereço.

O delegado pegou o papelzinho e foi até onde as viaturas estavam estacionadas.

Lino continuou procurando por todo lugar, mas não encontrou nada.

Ramón voltou cinco minutos depois.

- Bingo! É um clube de MMA.

- Braços fortes, não?

- Quem perdeu esse papel fez aquilo. – afirmou o delegado apontando para a crucificada.

- Com certeza amigo, é um ótimo começo. Temos que visitá-los o quanto antes.

- Hoje de preferência.

Lino balançou a cabeça negando.

- Eu tenho outros planos para hoje. Assim que o banco abrir, esse vai ser o nosso primeiro destino. Quero que você esteja comigo. Gosto da sua presença.

- O banco, é claro. – concordou Ramón.

Enquanto voltavam para onde o corpo estava, uma perita aproximou-se deles.

- Vocês estão investigando o caso, presumo. – disse tirando as luvas.

Os dois assentiram.

Ela continuou:

- Terminamos por enquanto. O corpo vai ser removido e examinado com mais cuidado, mas temos quase certeza de que a causa da morte foi o pescoço quebrado mesmo. O corpo estava intacto. Não teve luta, muito menos reação.

- Braços fortes. – murmurou Lino.

Ela levantou a cabeça.

- O que disse?

- Nada. Devaneios de um detetive.

- Está certo. – ela resmungou. – É triste, não acham? Uma moça tão jovem e bonita. Brutalmente assassinada. – disse com a voz embargada.

- Você a conhecia, doutora?

- Infelizmente não. Não há como ajudar nessa parte, detetive...

- Lino Soni. – ele completou com orgulho.

- Lino Soni?

Pela primeira vez Ramón esboçou um sorriso.

- É um nome artístico. Chamo-me Adelino Soni dos Santos.

- Ahh... – ela murmurou. – Lino Soni ficou legal. Parece nome de personagem de romances policiais.

- É minha querida, só que os romances policiais não tem detetives tão espertos quanto eu.

Ela riu e estendeu a mão para eles.

- Já estamos indo. Qualquer informação nova vai ser passada imediatamente. Foi bom conversar com vocês.

Ela saiu e Lino percebeu o olhar de Ramón seguindo a moça simpática.

- O que achou?

- Muito nova.

Lino riu e bateu no ombro de Ramón.

- Os donos da casa estão em casa?

- Sim, estão. O sargento Viviano está com eles.

- Ah, o sargento Viviano. Estou curioso para conhecê-lo.

E estou mais curioso ainda para ouvir o que os donos da casa têm pra falar.

-----------

continua amanhã 16/04/13

Fernandes Carvalho
Enviado por Fernandes Carvalho em 15/04/2013
Código do texto: T4241488
Classificação de conteúdo: seguro