Melodia Mortal

“A música que acalma é a mesma que embala a matança”

Capítulo I

A luz transpassa a persiana e ilumina minha mesa. Hoje o escritório que mantenho em casa não está arrumado. A empregada só vem as quintas. Peço desculpas a ela pela bagunça que farei a seguir. Já escrevi um bilhete com meus pêsames a ela. Em cima da mesa está tudo de que preciso agora. Meus cigarros, minhas anotações, as provas para que eles possam resolver o caso e a arma que carreguei durante 15 anos. Eu a olho como inimiga. Nunca achei que um dia a usaria contra mim, mas quando se anda com uma, ou se mata, ou se morre por ela. Tudo que preciso é puxar o gatilho e deixar que eles façam o resto. Antes de coloca-la na boca eu fumo mais um cigarro e bebo mais um gole de uísque. O gosto de ferro faz com que minha boca salive. Aquele gosto era familiar, eu já tentara outras vezes, mas não pelo mesmo motivo de hoje. Nesta noite eu vou livrar o mundo de algo que ele não conseguiu.

Após colocar a arma na boca, fecho os olhos e posiciono o meu dedo no gatilho, a única imagem que me vem à cabeça é dela. Minha cabeça dói…

-Essa é a forma que achou para acabar com tudo isso!? Esse é Jack, antigo amigo de infância. Cabelos pretos e lisos, 1,75 de altura e com um físico atlético. Sempre trajado de roupas longas e em cores fracas e neutras. Tem os olhos cansados, raramente sorri, raramente age com sentimento.

-O que você quer aqui? –Abro os olhos e o vejo escorado na porta. A luz o toca só na região das pernas deixando assim o resto escuro. - Eu julgo ser o melhor a se fazer nesse momento, não tente me impedir ou me atrasar, farei isso, e é tudo. Suma e vá para o inferno!

-Vim só assistir o fim de uma vida que é valorosa pra mim, isso é, se realmente tiver coragem para isso. Tem sido corajoso em tirar vidas alheias, vamos ver como se sai com a sua. O desafio maior está em não pensar em quem amamos na hora de puxar o gatilho, sempre nos fazem fraquejar. Então me diz, em quem está pensando agora?

-Cala boca! –Retiro a arma da boca e aponto pra ele - Você não entende nada sobre vida, nunca deve ter amado ninguém e nunca deve ter vivido sequer. O que você é, uma maldição? Poupe-me dos teus conselhos, já os ouvi por muito tempo. Deixe-me morrer em paz criatura desprezível

-Eu sei que quer me falar, anda criança, sou o único amigo que tem e que chegará a ter. Diga-me, está pensando nela não é? Eu sei que foi a única pessoa que amou e também sei que seria a única em quem pensaria quando fizesse isso. Sei que foi ela quem te impediu de fazer as outras vezes e é quem vai te impedir de novo. Você é um fraco, como algo morto pode lhe impedir de fazer alguma coisa? Você tirou tantas vidas e mesmo assim se comporta como um coelho medroso que se esconde todas as noites nesse lugar que chama de lar, aqui fede a morte, aqui fede a medo. Sua alma, isso se ainda possuir uma, está podre. A forma que encontrou de ajeitar as coisas não foi a certa, ou a que chegou após horas de raciocínio, foi a mais rápida e covarde que encontrou, pois, se tornou um homem covarde Sam.

-Não sou um covarde por querer tirar a minha vida. Tenho motivos para isso, e eles fazem desse meu ato algo nobre. Não me venha com essas besteiras –Volto a colocar a arma na boca –Foi interessante te conhecer, que eu vá para o mesmo lugar de onde você saiu. O som de um tiro ecoa pelas paredes levando consigo uma duvida aos que o ouviram…

Três anos antes

Essa cidade cheira como uma puta. Esse cheiro impregnou em minhas roupas e na minha alma. Esta cidade já teve dias melhores, atualmente a economia dela vem de prostituição, tráfico de drogas e de jogos de azar. Todos os lugares para se ter alguma diversão para pessoas comuns foram convertidos em pontos de drogas, prostibulos e matadouros, não tenho nada contra os prostibulos, eles até me servem como moradia as vezes que não consigo chegar em casa devido a minha embriagues semanal. Mas só um deles me interessa de verdade, apenas um, é lá onde posso encontra-la. Candy, ah, o doce sabor da vida. Devo encontra-la hoje.

Hoje vou a pé para casa, deixei o carro na oficina devido a um problema no motor, assim disse o mecânico. Lembro-me de uma mania antiga que tinha de caminhar quando queria pensar, mas a perdi devido a herança de meu pai, o carro. Ele me deixou preguiçoso. Cada passo nessas calçadas sujas, cheias de papeis e marcas de sangue me fazem refletir sobre o caso do dia. Acendo um cigarro e dou a primeira tragada como se fosse à última. Enquanto caminho e penso no caso, avisto prostitutas nos dois lados da rua. Elas são como animais famintos, sujos e perigosos. Paro de frente ao bordel em que Candy trabalha. Entro e olho meio que de cabeça baixa a procura dela. Não a encontro, hoje está cheio. Muitos dos homens mais ricos da cidade vêm aqui, é um prato cheio para as putas ganharem a noite sem correrem tanto risco, mas é de se pensar, se não quisessem correr risco, deveriam escolher outra profissão. Vou até a recepção e pergunto sobre ela. A moça com cabelos vermelhos e piercing no lado esquerdo da boca me diz que ela está ocupada. Digo que é algo urgente, algo sobre a família dela. Ela me olha de forma estranho e preocupada e me diz que ela se encontrar no segundo andar, no quarto 223. Coloco a mão no chapéu e faço um sinal de agradecimento. Subo as escadas que ficam logo ao lado e prossigo. Ao terminar os degraus, me deparo com um corredor preto com neons na parte superior das paredes. Uma linha de neon que segue desde o inicio até o fim do corredor. Caminho mais alguns metros acompanhado de gemidos e gritos e acho o quarto dito pela moça de cabelo avermelhado. Bato na porta duas vezes. Uma voz fraca e feminina pergunta quem é, respondo com um tom mais grosso do que o da minha voz habitual - Serviço de quarto! Foi aqui que pediram Champagne!? Ouço uns passos vindos em direção à porta. Fico ao lado direito e espero pela sua abertura. Esperava por ela, mas quem abre é um sujeito já de idade, uns 50 anos, bigode, barriga peluda e avantajada. Ele fecha a cara ao me ver e pergunta.

-Quem é você? Olho nos olhos dele e colocando uma das mãos no bolso falo em tom alto e direto.

-Agente Federal Sam Falls –Retiro do bolso meus distintivos falso de Federal –Sai da frente, tenho um mandado para esta mulher! - Entro e a olho. Está nua deitada sobre a cama. Pele branca, cabelos castanhos e um pouco ondulados nas pontas, olhos azuis, seios fartos e uma bunda generosa. Essa é Candy, anjos se matariam para tê-la, mas ela é apenas o pecado e perdição da vida de muitos humanos, mas apenas a minha solução e companhia em dias vazios.

Candy me olha com muita raiva enquanto veste suas roupas, mas não pode fazer nada. Chego perto dela e a seguro pelo braço, sinto seu perfume e a maciez de seus cabelos. Coloco as algemas em um dos seus braços e em seguida no outro, ela reluta, mas em vão. A retiro do quarto e pergunto onde tem outro vazio. Ela só range os dentes e não fala nada.

-Se não me disser, eu vou leva-la presa de verdade. Ela olha para a esquerda e depois para a direita como se quisesse se lembrar de algo.

-O 206 está vazio! A levo empurrando-a por trás e caminhamos até ele. Toco a maçaneta e a giro com cuidado. Ele está aberto e vazio, assim como ela falou. Seguimos para dentro. Fecho a porta e uso todas as trancas disponíveis. Retiro as algemas e ela segue até a janela sem olhar para trás.

-Por que fez isso? Ela pergunta se virando e arrumando o cabelo.

-Era a única forma de tira-la de lá –Eu dou um sorriso –Por que, não gostou?

-Claro que não! Não sou sua cachorra para me tratar assim - Novamente se vira para a janela e suspira. Caminho até ela e a abraço por trás. Cheiro o seu pescoço e digo que sinto muito, e que nada disso vai acontecer novamente. Ela sorrir, mas ainda está zangada. Seguro a sua mão e beijo seu pescoço.

-Já pensou em suicídio? Ela pergunta apertando a minha mão e virando um pouco da cabeça para trás.

-Sim - Respondo enquanto continuo beijando seu pescoço - Muitas vezes, mas ainda não tenho necessidade de fazê-lo. Um dia talvez, mas agora eu só quero aproveitar esse corpo maravilho. Ela está tensa e preocupada, mas mesmo assim transamos como animais. Ela é doce, é o que eu sempre quis como mulher, pena ter escolhido uma profissão tão medíocre e banal. Após transarmos ela levanta e vai ao banheiro, fica lá mais do que o de costume. Tem algo errado, mas ela não quer me falar e eu também prefiro não perguntar. Não se trata de não gostar dela a ponto de me preocupar, mas sim dela se sentir a vontade e confortável a ponto de me contar o que tanto lhe perturba. Ela volta olhando para baixo e deita ao meu lado. Fico atrás dela e a abraço enquanto faço carinho em seus cabelos. Acho que vou perguntar quando isso me afetar a tal ponto que não me deixará chegar perto dela com essa calma que sinto agora.

Fico com ela até ás 3hs da madrugada, amanhã tenho que estar no departamento de policia o mais cedo possível. O caso do garoto desaparecido tem nos tirado o sono. A mãe dele sempre vai a delegacia a procura de alguma “faísca” que possa manter a sua esperança, de um dia vê-lo vivo, ainda acesa e forte. Pobre ser, tão dependente de uma incerteza a qual a mantem viva e esperançosa. A vida é algo tão frágil e ridícula. Levo a minha vida nas rédeas da morte porque acho que ninguém gosta ou gostará de mim a ponto de sentir a minha falta. Não tenho ninguém que amo por assim dizer, apenas Candy, pelo qual sinto meu coração acelerar toda vez que olho aqueles olhos após ver o seu corpo nu. Saio e a deixo ainda dormindo no quarto. A noite não para nesses lugares. Passo a porta e ajeito o meu sobretudo preto. A lua ilumina certa parte do caminho o resto está escuro devido à sombra feita pelos prédios.

A noite está um tanto fria hoje, já havia dias que ela não ficava assim. Caminho por entre as quadras para ver se vejo algo fora do normal. A noite tem sido solitária e companheira ao mesmo tempo. Devo-lhe algum agradecimento, o farei qualquer dia desses. A lua ilumina os becos pela metade, apenas jornais se movem entre eles, nenhum ser vivo. Ninguém ousaria ficar na rua até tarde, só um louco um desapegado de tudo e de todos para caminhar com uma calmaria com a qual estou agora. Levo mais de 40 minutos para chegar ao edifício onde fica meu apartamento.

Pego o elevador e vou até o 8º andar, lá fica o lugar que eu chamo de lar desde que meus pais morreram e eu deixei de pagar a hipoteca da casa. É um apartamento pequeno, ás vezes o acho até grande demais. Um sofá velho acompanha a TV na decoração da sala, a geladeira só guarda cervejas e uísque. Ao lado da geladeira fica meu escritório, mantenho um local assim no apartamento para analisar as provas de crimes e para pensar, e um detetive precisa pensar, e aqui é o único lugar onde encontro paz suficiente para isso, sem contar aos braços de Candy.

Vou à cozinha e pego um café, entro para meu escritório e tento refletir sobre o caso. Garoto de 11 anos, loiro e trajando calça jeans e blusa vermelha, foi visto pela última vez perto da escola onde estuda. Não tem mais nada sobre o caso, isso é problemático, mas Marcus quer algo para poder aliviar a mãe do garoto e melhorar um pouco a nossa imagem para o povo e para a imprensa, pois, passamos por uns tempos conturbados em nosso departamento. Olho as fichas que me deram. Parentes suspeitos, pessoas estranhas suspeitas e ela, Candy… Por que insiste em aparecer em minha cabeça? Fico olhando as fichas e estudando cada pessoa nelas. Faço isso por alguns minutos, quando estou perto de adormecer, Jack aparece.

-Algo errado Jack? – Ele está parado na porta me olhando fixamente, não me lembro de outra forma de vê-lo. Ele sempre aparece dessa forma, rápido e silencioso. Jack Ghost, é um amigo valioso. Tem estado comigo desde sempre, mal me lembro como o conheci, só que depois de uma queda de uma árvore quando era criança, ele segurou a minha mão, quase não abri os olhos devido as fortes dores que sentia para vê-lo nesse dia. Desde esse tempo ele tem sido um amigo. Um companheiro e um irmão. Nunca fala sobre sua vida em si, só chega, faz ou fala o que tem que falar ou fazer e some.

-Nada, como tem passado Sam? Ele dá dois passos para frente como se quisesse confirma algo e depois se vira e começa a seguir em direção à porta. Eu continuo na cadeira olhando-o ir embora.

-Algo lhe incomoda Jack? Quer tomar uma cerveja nessa quinta!? – Ele apenas gesticula com a cabeça que sim, então eu fecho os olhos e adormeço. Adormeço ao som de Sax do vizinho, ele sempre toca tarde da noite. Ele tem me acompanhado nas minhas bebedeiras solitárias. Nunca tive curiosidade de conhecê-lo. Sua música me relaxa e me faz adormecer, tem sido assim desde que me mudei pra cá. Um dia vou convida-lo para compartilhar um uísque e algumas histórias.

Nessa noite não sonhei nada, pelo menos não me lembro com clareza. Meu sono é quebrado apenas pelo despertador que fica sobre minha mesa, ele aponta 7:30, me dando apenas 30 minutos para levantar e me arrumar para o trabalho. Enquanto calçava os tênis me lembro que estou sem carro. Onde estou com a cabeça hoje? Marcus comerá meus olhos como um cão esfomeado. Hoje irei passar na oficina para pegar meu velho Mustang 1967 preto, o qual herdei de meu velho no âmbito de sua morte. Ele amava aquele carro. Eu prometi cuidar dele, e tenho feito até então, mas ele tem me dado tanta dor de cabeça que já pensei em vendê-lo uma dúzia de vezes, só não o fiz por ter feito uma promessa, ah promessa desgraçada. Caminho ás pressas para o ponto de ônibus mais perto de casa. Não quero ter que ouvir esporros de Marcus, estou cansado dele gritar e cuspir em minha face. Se eu pudesse, eu o mataria, mas o que me impede fazer isso mesmo? É engraçado pensar por esse ponto. Desço a uma quadra do departamento, é o ponto mais perto de lá. Caminho apressado e já a alguns passos da delegacia passa por mim o carro de Marcus. Corro e entro antes dele conseguir entrar na garagem. Hoje o departamento está movimentado, ultimamente tem havido muitos crimes nessa cidade, e isso tem tirado a calma do nosso delegado, acho que tudo tem tirado algo dele nesses tempos. A primeira coisa que ele faz ao entrar no departamento é ir a minha sala. Coloca as duas mãos sobre minha mesa e me olha nos olhos como um leão enfurecido querendo pegar sua caça. Esse é Marcus, nosso chefe de polícia, 1,80, braços largos e fortes, cabelos meio ondulados e castanhos, ombros largos e com um sério problema em manter a calma em situações do cotidiano. Ele anda sem paciência desde que a imprensa o elegeu como “o pior chefe de policia de todos os tempos”. Isso tem tirado o sono dele e ele, ele tem tirado o nosso e infernizado as nossas vidas o quanto ele pode. A culpa de a cidade estar assim não é totalmente dele. Ela já estava dessa forma quando ele assumiu. Para tira-lo do sério não é preciso nada mais além de dizer que ele é péssimo em algo. Ultimamente ele tem pegado muito no meu pé (e é até onde eu o deixo pegar) por causa dos meus atrasos. Disse-me que estou me tornando um mau exemplo e que isso gera desordem em seu departamento. Ele odeia atrasos e eu tenho deixado a desejar nessas ultimas semanas.

Lembro-me que um dia ele me falou umas merda na frente de alguns amigos, “você é o detetive chefe, comporte-se como um, ou pelo menos como um adulto maduro e responsável”. Ele tem um pouco de razão. Ainda não me comove, pois sua arrogância supera todo e qualquer sentimento que ele chegue a sentir. Acho que nem o corpo de uma jovem mulher, quente e cheiroso consegue aliviar a tensão que ele sente. Tem algumas vezes que ele está de bom humor, raros os momentos, e nos conta algo sobre sua vida e sua origem humilde. Ele tenta nos dar algo nobre, mas como sempre, apenas ouvimos ele falar sobre seu tempos de moleque vivendo em uma cidade violenta. Nós temos esperança que ele consiga salvar a cidade, ou destrui-la de vez.

-Dessa vez passa – Disse ele retirando uma das mãos da mesa e apontando na minha cara. Eu cinicamente lhe pergunto com um sorriso no rosto.

-O que dessa vez passa senhor? Algum problema? Ele apenas se vira e sai. Hoje o leão vai para dentro de sua jaula com o estomago vazio, espero que ele nunca o encha, e se um dia o fizer, que não seja eu lá dentro.

Repasso as fichas que deixei em cima da minha mesa noite passada. Tenho que encontrar algo para chegar ao suposto sequestro do garoto, mas nada me vem as mãos ou a minha cabeça. Já se passou uma semana e não temos nada. Encaminhei alguns agentes para as ruas para tentarem conseguir algo com os moradores próximos a onde o garoto sumiu, mas foi em vão, eles sempre voltam sem me trazerem nada. Acho que devo eu mesmo ir até lá. Pego o meu sobretudo que estava pendurado na minha cadeira e começo a me direcionar a porta de saída. Enquanto caminho, Marcus abre sua porta e sai de sua sala, um garoto de uns 17 anos o acompanha. Sinalizo que estou saindo, ele levanta a mão direita e com os lábios diz em silencio que é para esperar. Com a mão esquerda sobre as costas do garoto ele diz.

-Esse é Sam, Sam, esse é Jimmy Dais. Jimmy é um prodígio Sam. – Apenas olho para eles e fico em silêncio. Com um sorriso enorme nos rosto ele continua. – Ele ficará com você Sam, será seu ajudante. –Levo a mão à cabeça e a coço por uns instantes.

-Não preciso de ajudante, e se quisesse um, escolheria qualquer um dos meus agentes que ele me serviria muito bem. Responda-me Marcus, para que preciso alguém sem experiência? Ele só iria me atrapalhar e, aliás, nem deve ter 21 anos, não vou ficar responsável e nem ser babá de ninguém. –Marcus perde aquele sorriso que mostrara e ganha o velho e conhecido semblante enraivecido.

-Não quero saber Sam, ele vai ficar com você, e vai fazer relatórios sobre tudo. Será uma pedra no seu sapato. Ele será meus olhos, meus ouvidos e minhas mãos. –Ah, então é esse o verdadeiro motivo.

-Marcus, coloque-o aqui na parte burocrática, já que é tão prodígio assim, deve ajudar a arrumar essa bagunça. Eu posso até ficar com ele, mas só depois desse caso. Vamos ver como ele se sai aqui e verei se ele me é útil. Não vou pegar uma criança e levar a campo, não são flores que veremos lá fora Marcus, sabe muito bem disso. Então, deixe-o um pouco por aqui e quando eu me sentir a vontade, vou leva-lo. –Olho com um tom sério para Marcus e estendo a mão para selarmos o acordo. Ele apenas olha alguns segundo e aponta para uma mesa vazia e diz para Jimmy que é lá onde ele vai ficar. Acho que essa foi a forma dele me dizer que estou com a razão. Digo a ele que vou ao local do sumiço do garoto. Estou com fome, vou comer algo e beber um café antes de ir até o lugar onde o garoto foi visto pela última vez.

Tenho um pouco de sorte de a oficina ficar a algumas quadras daqui, assim vou caminhando até lá para pegar o carro. Mesmo de dia essa cidade parece morta. Olhe nos olhos de um cidadão por mais de alguns minutos e sentirá as dores do mesmo. Aqui não é lugar para se viver, pouco menos para querer ter uma vida digna, criar filhos e tentar mostrar pra eles um lado bom da vida.

Em cada esquina vejo uma prostituta, elas não descansam nem de dia. São como parasitas sugando cada gota de vida de quem tem oportunidade de tocar. Olho pros meus pés e vejo que o allstar vermelho que uso está precisando de um descanso, faz algum tempo que não compro nenhum, esse foi presente da Candy, ela disse que eu fico bem de vermelho. Mais alguns metros a frente e começo a avistar a oficina. Entro e vejo o mecânico sujo de graxa e com as calças meio caídas a ponto de mostrarem a brecha de sua bunda. Ele se vira e limpa o nariz e em seguida a testa, passa o pano sujo nas mãos e a estende para mim.

Bom dia senhor. –Após tocar a sua mão eu a limpo em meu sobretudo. Ele caminha e eu o sigo. Ele fala todos aqueles nomes referentes a automóveis e seus defeitos, e eu ouço tudo, mas só consigo identificar uma palavra entre elas, “motor”. Em seguida ele abre o capô e começa tudo de novo. Eu olho com atenção e às vezes balanço a cabeça sinalizando que estou entendendo. Depois de alguns minutos ele diz o que queria saber, “está funcionando”. Baixando o capô ele estende a mão ainda suja.

-São 200 pratas. –Não faço desdenho de seu trabalho e nem de suas mentiras, ele tem que alimentar sua família de porquinhos. E assim eu pago as 200 pratas. Ele entrega as chaves e diz obrigado. Eu as pego e digo que não espero voltar ali tão cedo. Entro no carro e a primeira coisa que verifico é o porta-luvas. Ainda está lá, a velha e encardida foto em família que carrego comigo. Sinto um cheiro estranho de podridão, mas não dou importância e sigo em frente, tenho que ir para o outro lado da cidade. Não demoro muito dessa vez, o trânsito está bom e chego em menos de 25 minutos. Paro em uma vaga ao lado da escola e sigo a pé enquanto olho pra os lados. É uma área muito grande e com muitas pessoas, fica realmente difícil achar algo aqui.

Sento-me em um banco e fico pensando, tento traçar uma forma de pegar alguém em certos lugares, assim, após montar a cena eu vou até os lugares para perguntar se alguém viu algo, mas todos falam que não viram nada, que são muitas crianças saindo daqui. Em um desses lugares uma moça me olha de forma estranha e com medo, dá pra sentir o medo dela. Ela recua enquanto eu avanço para perto do balcão onde ela se encontra atrás. Que situação estranha. Pergunto o de sempre e ela diz que não sabe de nada. Moça estranha, parece que já me conhece, e de fato seu rosto é familiar, já devo ter vindo aqui alguma vez, só que não me recordo disso. Volto ao banco onde monto as minhas cenas do crime em questão. Quando me sento, ouço uma voz vinda de trás. É jack, mas o que estaria fazendo aqui?

-Oi Jack. –Permaneço sentado. Ele dá a volta e se senta ao meu lado.

-O que procura Sam? Ainda sobre o garoto desaparecido!? Ele olha para o horizonte e acende um cigarro. Eu levanto a mão e peço um. Hoje não me lembrei de comprar os meus. Ele pega um e acende encostando-o no dele. Trago e olho para frente também.

-Procuro algo que meus agentes não encontraram, mas estou na mesma deles, não tenho nada e não encontro nada. Mesmo tentando imaginar como poderia ter sido o sequestro. Eu não consigo tirar de nenhuma pessoa daqui algo que possa me dar alguma pista do sumiço dele. Ele se levanta e fica de contas.

-Não pense como um policial Sam, pense como um bandido, talvez consiga o que procura pensando dessa forma. –Eu dou um sorriso e fico pensativo. Talvez ele tenha razão.

-Amanhã é quinta, vai estar lá? – Sua confirmação vem através de sua mão direita. –Ele caminha e se perde no meio das pessoas. Tão poucas palavras, mas conseguiu me dar um pouco de luz no meio dessa escuridão. Levanto-me e saio dali, vou almoçar. Almoço no mesmo restaurante desde que me mudei pra cá. Um lugarzinho simples, mas confortável. Servem o melhor bife de fígado da cidade, ao menos é a minha opinião. Após o almoço fico pensando no que Jack me falou.

Estaciono o carro perto da praia e fico a pensar. -Pensar como um bandido – Repito essas palavras até adormecer. Quando acordo já são 18:27. Minhas costas doem e meus olhos só enxergam vultos. Hoje não foi um dia produtivo. Dirijo de volta para o departamento. Ao passar a porta a primeira pessoa que vejo é novamente Marcus. Ele sem enrolar pergunta.

-Algo pra mim?. –Eu continuo andando e digo que não, que nada ainda, mas que lhe darei algo em breve. Sento-me e vejo um envelope em minha mesa. Dentro dele tem um papel escrito “M:67”. O que significa? Fico pensando e chamo Jimmy.

-Quem estregou isso aqui?

-O carteiro senhor, foi por volta das 15hs de hoje.

-Obrigado.

-Mais alguma coisa?

-Não – Ele se retira e volta a sua mesa.

Aquilo me deixou curioso. Levanto e vou para casa pensando naquele papel “M:67”. Ao sair do elevador eu ouço o Sax do meu vizinho. Ele está empolgado hoje. Ao som daquela música e regado a Uísque eu adormeço mais um dia no escritório. Dia seguinte, após chegar ao departamento eu chamo Jimmy, falo que vamos sair e que é para ele se ajeitar, ele sorrir e fica bem animado. Dirijo para o local onde o garoto sumiu. Jimmy fica calado a viagem quase toda. Não sei o que ele sente em relação a mim, se é medo ou respeito.

-Gosta de que tipo de música?

-Rock senhor – Ele sorri e volta a olhar pra frente.

-Bom, sintonize o rádio em uma estação que goste. –Ele se recusa a primeira vista, mas insisto. –Vamos, não vai quebra-lo. –Ele cede e procura uma música de seu gosto. Ele para em uma música barulhenta e sem sentido pra mim. Não faço questão de perguntar o nome.

-Chegamos, desce e compre um café pra mim! –Ele olha em volta e sai. Sento-me no mesmo banco que estava ontem e retiro o papel do bolso. “M:67”. Olho em volta e não vejo nada. Jimmy chega e se senta. Dou-lhe o papel e peço que procure algum sentido nisso. Ele olha por alguns minutos e nada. Peço que olhe em volta e veja se pode assimilar algo aqui em volta com o papel. Ele levanta e fica um tempo em pé dando voltas. Ele retornar cansado e um pouco suado.

-Nada senhor, não tem nada aqui que eu possa assimilar com isso. Por que está procurando algo assim?

-Não sei, mas acho que isso pode ajudar no caso. –Ficamos ali um bom tempo. –Vamos voltar - Digo a ele enquanto me levanto e caminho em direção ao carro. Ele entra e já vai ligando o rádio.

O deixo no departamento e saio. Rondo a cidade caçando algo que possa me abrir os olhos em relação ao que está escrito no papel. Mas é como procurar uma agulha em um palheiro.

O dia cai, já são 20:58. Hoje é quinta-feira, e eu tenho que encontrar o Jack no bar do Bil.

Chego ao bar e vejo Jack, sento-me e chamo a garçonete. Peço uma cerveja e algo pra comer. Ela anota e sai.

-Boa noite Jack –Ele olha pela janela e ajeita o chapéu.

-A cidade está calma hoje, não ouço nenhum grito. –Ele sempre foi esquisito, já me acostumei com isso, mas hoje ele não parece igual. A garçonete trás a cerveja e apenas um copo.

-Desculpa, mas eram dois! –Ela me olha e levanta uma das sobrancelhas.

-OK, se o senhor quer.

-O que está procurando Sam? –Olhando pra mim e ajeitando o casaco.

-Algo relacionado a isso – Respondo colocando o papel na mesa. Ele olha e novamente olha para a janela.

-Pode ser algo relacionado a alguém.

-Eu acho que é um lugar. -Ele volta a olhar pra mim e enquanto se levanta me diz.

-Pode ser alguém próximo, alguém que você conheça bem. –Ele caminha lentamente em direção à porta. Ele poderia ter tomado pelo menos um copo. Passo ali bebendo sozinho em torno de uma hora. Após estar quase apto a fazer besteiras ao volante eu saio. Dirijo até em casa e pego o elevador. Pressiono com um pouco de dificuldade o número 8. Ao sair dele arrasto a minha mão direita pela parede, é uma forma de me equilibrar. Entro no meu apartamento e me sento no sofá. Ligo a TV só para quebrar o silencio. Hoje queria ouvir meu vizinho. Ele sempre toca esse horário. O que será que aconteceu? Ele estava tão empolgado ontem. Levanto-me e pego uma xícara. Vou até lá com a desculpa de querer açúcar. Bato em sua porta, mas ninguém responde. Bato mais forte, mesmo assim ninguém responde. Levo a mão à maçaneta e a giro, abro a porta um pouco e olho pela brecha.

-Oi, boa noite! –Ninguém responde. Aos poucos eu entro em seu apartamento. Quadros de artistas famosos de Jazz decoram as paredes que tem um tom esverdeado. O chão é coberto por um carpete bege e felpudo. Ando devagar, dou mais alguns passos e me deparo com ele morto no meio da sala, seu Sax está ao seu lado. Seu corpo foi cortado ao meio na vertical. Há muito sangue ao redor do mesmo. Como alguém divide um corpo com tanta precisão assim? Até a cabeça foi cortada com precisão. O sangue está apenas ao lado de seu corpo. Não há manchas nas paredes nem nos móveis. Nem todo o sangue de seu corpo está aqui, alguma parte dele foi drenado ou limpado após a morte. Cada vez que olho para aquele corpo eu fico sem ação. Não consigo acreditar ainda na cena. Eu nunca o vi, e quando isso acontece, ele está partido ao meio. Não faço nada e fico olhando estagnado para aquela cena. Depois de alguns minutos eu resolvo chamar a polícia. Eles chegam e vão logo perguntando o que eu era da vítima. Retiro o distintivo do bolso e me apresento. Falo da rotina de escuta-lo todos os dias e que hoje ele não tocará. Então resolvi perguntas o por quê? Vi que a porta estava aberta e entrei, não foi o certo a se fazer, mas fiz. Quando cheguei à sala me deparei com isso que os senhores podem ver. Saio e deixo-os fazerem o seu trabalho. Entro em meu apartamento e desligo a TV. Pego um copo e coloco um pouco de uísque. Jack não deu as caras por aqui hoje, mas enquanto adormeço sinto que ele está em pé na minha frente me olhando…