Diferenças
Diferenças
por Pedro Moreno (www.pedromoreno.com.br)
Qual a diferença entre a a dor e paixão? Eu não sei. Você deve ter dito que há muitas ou sequer há conexão entre as duas, porém se raciocinar um pouco sobre o assunto verá que as diferenças são poucas. Eu amei. Não tenho vergonha de dizer que amei e provavelmente fui amado. Hoje essas poucas palavras me machucam muito mais que poderia imaginar enquanto eu amava.
Conheci Laura em uma festa. Seus olhos brilhavam mais do que os olhos de qualquer outra garota que eu já tinha visto. Quando nossos olhares se cruzaram ela sorriu e eu me afundei. Caí no abismo daqueles que não tem sentido, apenas sentimento. Senti que ela também sentia o mesmo por mim.
…
Aquele cara estranho está olhando para mim. Desde que cheguei ele não para de me olhar. No começo achei que conhecia, até sorri! Seu jeito esquisito está me deixando nervosa. Será que ele não vai parar?
...
Seus gestos delicados puxam uma taça para perto da boca. Laura sempre fez isso, ela está tentando me seduzir. Ela brinca com o morango na borda do vidro. Dessa vez me farei de difícil, não vou falar com Laura logo de cara, vou esperar ela vir até mim. O morango caiu. A fruta escorregou pelo seu corpo e me encheu de volúpia, ela abaixa e um pedaço de sua coxa se mostra para mim.
…
Droga, estou bêbada! Fui pegar o morango e este caiu no chão, sem pensar desci para pegá-lo e me lembrei que não posso comer coisas que caíram, ao menos na frente das pessoas. Subir me fez ficar tonta, estou com medo de vomitar, é melhor eu tomar um ar fresco na sacada.
…
Ela passou por mim. Veio na minha direção, porém no último minuto “resolveu” ir à sacada. Conheço esse jogo, Laura quer que eu a siga e tome-a em meu braços. Abro a porta e o ar noturno invade minhas narinas, do lado de fora ela se escora na grade de proteção. Seu corpo me deseja e eu a desejo.
…
Tadeu chega na cena do crime pouco tempo depois do ocorrido. Uma mulher estirada no chão de frente para um prédio. Pose clássica para suicídio se não fosse as mãos em frente ao corpo indicando uma possível desistência na hora do salto. Na sua bolsa de festa documentos: Vanessa Rodrigues Catalão. O investigador se agacha ao lado do corpo. Álcool. A poção de coragem dos covardes. Seria desilusão amorosa? Perdeu emprego? Por enquanto as perguntas se multiplicavam e as respostas não tinham consistência.
O policial levanta os olhos e perscruta o prédio, em um dos andares parece ter uma festa, o que já explicaria o vestido de Vanessa ser tão formal. Munido de uma caderneta e um lápis, ele adentra no prédio em direção ao andar. É hora de descobrir o porquê.
Os convidados parecem não ter percebido a chegada da polícia ou o sumiço da moça. Será um caso clássico de depressão? Como alguém some de uma festa e ninguém percebe? Talvez Vanessa não seja tão querida assim... Assassinato? Nunca podemos descartar essa possibilidade.
O corpo segue para o legista. Os médicos trabalharão no decorrer da noite, pela manhã tenho uma resposta conclusiva.
Antes do sol nascer Tadeu já fazia suas flexões e abdominais. O relógio marca seis quando o telefone toca, o assistente de legista informa do outro lado da linha algumas escaras e hematomas nos braços e pescoço. Sinais de luta. Vanessa brigou por sua vida. A conclusão de haver um assassino parece se tornar mais forte agora. O investigador pegou sua lista de interrogados e passou os olhos pelos nomes. Será que alguém tem alguma conexão com a vítima? Logo chegasse na delegacia, mandaria alguém conferir.
…
Qual a diferença entre o amor e o poder? Laura está comigo, anestesiada depois de uma noite de amor sem restrições. Indefesa entre os lençóis brancos de uma cama de motel. Seus cabelos negros desprendidos sobre os ombros adornando sua figura quase que melancólica. Suas guardas abaixadas para eu amá-la incondicionalmente.
…
Quando consigo abrir os olhos nem lembro direito onde estou. Aos poucos a minha memória me diz que um cliente me levou ao Motel para um programa, bebemos algo... Com certeza ele me drogou! Como é possível eu não lembrar de nada? Tento levantar porém cordas limitam meus movimentos, tento gritar e sinto gosto de uma meia descendo pela goela. Tento exprimir piedade com os olhos, porém os olhos que vejo parecem não ter misericórdia.
…
Entre as pilhas de papéis da delegacia, Tadeu, com os relatórios na mão, sente-se frustrado por nenhuma ligação com a vítima. Como alguém poderia estar em uma festa e só conhecer os donos do apartamento? O telefone toca trazendo más notícias. Prostituta morta em motel em beira de rodovia. O investigador pega as chaves e celular, arruma a gravata e parte em direção da nova cena de crime.
A estrada poeirenta ficou para trás. Tadeu se pergunta se não havia outro investigador para cobrir o caso, porém quando entrou naquele quarto, viu que ele era a pessoa certa. A prostituta morta era muito parecida com Vanessa. O formato do corpo, o cabelo... Pareciam irmãs. Seria coincidência? Os documentos comprovam nenhum parentesco, a prostituta morta se chama Ivone Matheus Silva. Morreu esganada por mãos fortes e amarrada para não fugir. O teste de estupro será feito, porém por causa da profissão da vítima não se poderá saber se foi consensual ou não.
Diferença de seis horas entre os crimes. Talvez o assassino não tenha se satisfeito com a primeira morte e procurou por outra pessoa para realizar tua fantasia. Mas assumir que é a mesma pessoa pode cegar a investigação. Por enquanto são casos diferentes.
Algumas fibras são recolhidas, assim como fios de cabelo, mas o nível dessa espelunca me avisa que estes restos podem pertencer a qualquer pessoa que já esteve neste quarto. Mandarei para análise, porém não tenho esperanças de conseguir uma reposta em menos de um mês. Se for o mesmo assassino, até sair o resultado o número de mortas será maior.
…
Qual a diferença de sucesso ou fracasso? Laura é uma mulher muito bonita, sua beleza estonteante fez dela a garota do tempo de um canal local. Conforme seus dedos deslizam sobre o mapa ela sorri. Ela sabe que eu a estou vendo pela TV. Se não soubesse não estaria insinuando-se desta forma. Preciso vê-la.
…
Mal consigo sentar na minha cadeira, e o telefone do meu gabinete toca. Uma denúncia me leva para uma casa simpática em um bairro residencial. Os vizinhos reclamaram de um mau cheiro vindo de uma das residências. Os primeiros policiais a chegarem tomaram a iniciativa de arrombar a porta e descobriram um cadáver. Será que essa maldita cidade não me deixa um dia sem um assassinato? Porém quando entro na sala e o odor da putrefação atinge minhas narinas eu vi que tudo poderia ganhar um sentido.
É uma mulher de cabelos negros, estatura mediana e olhos cor de mel. Poderia ser apenas mais um caso se não fosse o fato dela ser muito parecida com Vanessa e Ivone dos casos anteriores. Pelo nível de decomposição, essa deve ser a primeira vítima do nosso assassino. Com esta última peça, seria muito difícil não relacionar os casos. Um dos policiais entra com um papel na mão indicando os moradores da casa. A vítima se chama Laura Menezes, esposa de Gabriel Menezes, este último não compareceu ao seu emprego há pelo menos cinco dias, data estimada da morte de sua mulher, também enforcada com as mãos. Pelo visto temos o nosso homem.
Enquanto a valiosa equipe forense procurava por pistas, um policial acidentalmente pisou em um controle remoto e ligou a TV. Abstraí olhando para as notícias. Morte, violência e corrupção. Uma pausa para a previsão do tempo e senti meu mundo girar em torno de meus pés. A apresentadora, uma tal de Márcia Vilanova, é idêntica as três vítimas. Um dos investigadores olhou para meu rosto e em seguida para a tela, parece ter entendido meu pensamento e começou a ligar para a emissora perguntando pelo endereço de Márcia. Espero que não seja tarde.
…
Qual a diferença entre prazer e crueldade? Sinceramente não sei a resposta. Parece que Laura deve saber. Ela chega em casa e deixa propositalmente a porta aberta, me convidando para entrar, sinto o sangue em minhas veias correndo mais rápido. Excito-me com esses jogos que Laura faz. Entro logo em seguida, está escuro, mas consigo perceber a silhueta dela, sorrio ao ver seu rebolado macio. Meus olhos ainda se adaptam à escuridão quando percebo uma sombra que pula sobre mim e me algema. Tento lutar, arranco sua orelha em uma mordida, porém um soco na nuca me nocauteia, caio no chão e vejo Laura, sorrindo de satisfação.
Qual a diferença de fantasia e realidade? Eu não sei.