O Assassino Romano

O Assassino Romano

por Pedro Moreno (www.pedromoreno.com.br)

Ronaldo apaga a bituca de cigarro no cinzeiro e observa a última fumaça subir e se misturar ao ambiente. Volta o olhar para a foto de sua mulher. Seus cabelos negros e cacheados, sua pele linda, seus olhos... seus olhos. Uma lágrima ameaça sair porém o investigador se contém para não chorar de novo.

Faz uma semana que sua mulher foi pega pelo assassino que ele persegue. Foi encontrada desfalecida em um beco sujo com os olhos arrancados, em seus seios, à mostra, um recado: “Imago animi vultus, indices oculi”, do latim, os olhos são o espelho da alma. Ela ainda não saiu do coma. Ele quer vingança.

O investigador volta a pegar as fotos dos assassinatos junto com os boletins de ocorrência de cada caso. O primeiro a morrer foi Rômulo Otelo, açougueiro 27 anos, foi encontrado com a cabeça decepada. Por sadismo a cabeça de Rômulo foi pendurada em um gancho e no seu corpo foi costurada a cabeça de um bode. Sem digitais ou qualquer sinal que pudesse identificar o criminoso.

A segunda morte ocorreu no cais da cidade. Nayara Antunes saiu de casa para o trabalho e nunca chegou, seus familiares contataram a polícia que recebeu denúncia anônima de um corpo boiando na água perto de um pier. Confirmada a identidade da vítima, esta foi para o IML e encontraram um papel enrolado dentro de sua boca, protegido por plástico escrito apenas uma palavra: “Victus”.

O terceiro vitimado foi Leonardo Domênico 43 anos, imigrante mexicano, mecânico de carros. Seus ossos foram encontrados em meio à uma fogueira, exames indicam que ele foi carbonizado ainda vivo. No chão, um papel seguro por um pedra com a seguinte mensagem: “A magnis proprio vivitur arbitrio.”

Ronaldo comandou o caso desde a primeira vítima, há 1 ano atrás, até hoje, quando o assassino voltou suas ações para ele. O “Assassino Romano”, como a mídia o apelidou por causa do uso do Latim nos seus crimes, continua solto e ainda não acharam o padrão de suas mortes.

Pode-se sentir suas motivações, no segundo assassinato havia a palavra Victus, que siginifica vítima, porém era usada antigamente como o termo para designar o animal de sacrifício. Fato que leva ao primeiro assassinato, do rapaz com a cabeça de bode remetendo à figura de Baphomet.

Baphomet é um ídolo com corpo de homem e cabeça de bode, usado pela igreja católica na acusação que os cavaleiros templários adoravam-na, sendo esta o próprio diabo. Talvez o serial killer seja um cultista ou uma pessoa muito ligada à religião.

No terceiro crime uma frase em Latim que traduzida fica: “Lá vão as leis onde querem os reis”. Conforme a mídia dava cobertura aos crimes, mais eloquente ficou o criminoso. Ele quer aparecer. Porém Ronaldo se aproveitou de sua investigação para fazer seu nome, graças a isso, hoje sua mulher ocupa um leito no hospital.

Era preciso ser rápido.

O investigador acende mais um cigarro e olha para a madrugada na cidade. As ruas desertas da capital sangrenta mostram toda a mortalidade que existe a cada esquina. Uma cidade tão grande habita tumores difíceis de se achar.

Há alguém observando Ronaldo.

O detetive olha para o sujeito que está longe, porém nitidamente o observando e finge que não o notou. Pode ser o assassino. Ronaldo sai de perto da janela e apaga a luz, o homem ainda está de pé em direção à sua casa, encostado em um poste. Parece não se mover.

Ronaldo não pode sair de casa e perseguir o sujeito, pois esse escaparia fácilmente pelas vielas. Resolve ligar para a delegacia e pedir que uma viatura chegue por trás do indivíduo. Em poucos minutos o investigador vê dois policiais armados abordando o sujeito que não se mexe. Um deles começa o contatar o rádio em sinal que há algo errado.

O investigador calçou seus sapatos e saiu em direção ao policiais que iluminavam o sujeito com lanternas. Estava morto. Amarrado no poste com um papel pregado em seu peito por uma faca, escrito “Quae enim seminaverit homo, haec et metet”. Cada um colhe conforme semeia, se lembrou Ronaldo ao ler a frase. Com certeza o serial killer estava atrás dele.

A polícia chamou o IML que recolheu o corpo. Não havia identidades, porém uma vizinha o reconheceu como sendo Otávio, morador de rua. Como não conseguiria dormir, Ronaldo decidiu voltar para a delegacia e pensar no caso, antes que mais mortes aparecessem. Pegou seu carro e saiu.

Quando chegou haviam apenas dois policiais. Rogério e Marcelo. O primeiro não estava nem há dois anos na força policial e o segundo já havia sido indiciado por suborno, aliás o próprio Ronaldo fizera a acusação. Até hoje os dois não se falavam.

Logo a mesa do investigador ficou tomada por relatórios e fotografias dos assassinatos. Alguma coisa ele estava perdendo, mas não sabia o que era. Escreveu o nome das vítimas em uma lousa e as várias características de cada caso, não havia muita coisa em comum a não ser que foram mortas por facadas no esterno. Não frequentavam algum local, não tinham hobbies em comum ou qualquer outro tipo de coisa.

Algo lhe chamou a atenção.

No quadro os nomes estavam dispostos conforme foram sendo assassinados, dos primeiros aos últimos:

Rômulo Otelo

Nayara Antunes

Leonardo Domênico

Otávio

Havia algo de errado nesses nomes. As letras maiúsculas pareciam formar...

R O

N A

L D

O

Ronaldo. Era seu nome. O único motivo para esses assassinatos foi o próprio investigador que conduz o caso. Mas quem seria o assassino? O detetive circulou as letras formando o seu nome e parou para pensar, resolveu rever seus casos terminados em condenação, com certeza era alguém que ele havia colocado atrás das grades.

Percorreu todos os arquivos e não conseguiu imaginar quem poderia ser. De frente para a lousa e costas para a porta, remoeu todos possíveis assassinos. Havia algo estranho. Pelo reflexo da superfície laminada da lousa, ele pode ver Marcelo parado o observando. O investigador procurou não reagir e deixar ele se movimentar primeiro. O policial puxou uma faca da cintura e andou sorrateiro em direção de Ronaldo que se virou rapidamente.

Marcelo pulou em cima do detetive e os dois engalfinharam pelo chão, um terço de contas de madeira escapou de dentro da camisa do policial relevando o apreço pela religião que este tinha.

— Sim fui eu! — gritou Marcelo enquanto lutava corporalmente com Ronaldo — Você devia me agradecer por eu expiar seus pecados através de sacrifícios. Mas não! Continuou investigando e ganhando fama em cima disso... Você é um animal para mim e servirá de holocausto para seus erros!

Um tiro.

Ronaldo fica um tempo de olhos fechados imaginando que estava morto, quando enfim criou coragem, viu Rogério com uma arma de cano fumegante nas mãos.

Epílogo

Após um mês de licença, Ronaldo retorna para a força policial, o departamento comprou um bolo e refrigerantes na sua volta. Infelizmente sua esposa não aguentou e acabou sucumbindo aos ferimentos deixados pelo assassino que agora é apenas uma pasta em um arquivo.

Ronaldo senta em sua velha mesa e vê os rostos de seus amigos e companheiros no combate ao crime. Apesar das cicatrizes na alma, tudo volta ao normal.