Átras das Grades

ATRAS DAS GRADES

Sua mãe comeu o pão que o diabo amassou, na esperança de formá-lo um homem de verdade. Só conseguiu tal intento com seu irmão mais velho, hoje um excelente “pai de família”.

Seus três irmãos mais novos, ainda menores de idade, viveram sendo recolhidos nessas instituições correcionais mas parece que não haverá remédio para eles, o futuro lhes parece sombrio.

A história dele é peculiar. Desde pequenino reclamou a presença do pai. A mãe sempre sustentou que o marido foi embora assim que nasceu o filho caçula, pois o homem desconfiou que a tal criança não era dele. Descrevia-lhe – quando perguntada – que seu genitor era alto, tinha um dente de ouro na arcada dentária superior e uma verruga no lado esquerdo do rosto. Com sorte, talvez um dia o visse pela vida. Ele não queria outra coisa, não se sabe bem porque, encontrar esse referencial, esse alguém que o pôs no mundo.

Para completar, aos cinco anos, quando pela primeira vez saiu à rua, foi violentamente espacancado e estuprado por um grupo de adolescentes, vizinhos de sua casa.

Paupérrimo como era, foi crescendo humilhado, desencantado, sem estímulos maiores para ser alguém de valor na vida e, mal aprendeu fazer algumas contas e escrever poucas palavras.

Habituou-se a pedir esmolas em semáforos e ali foi “fotografando” as pessoas nos interiores de seus carros. Crianças limpas, bem nutridas, alegres e seus pais, famílias! Seu pai, nem sinal de vida, grande frustração cotidiana.

Virou matador profissional, mandou segundo ele: “muito cabra pro cemitério”. Especializou-se, para ser coerente com sua desgraça, em matar estupradores.

Sabendo de sua “especialidade”, um comerciante do lugar, negociou com ele a morte de um deliquente que seviciou sua filha menor- de apenas quatorze anos- com requintes de perversidade.

Ouvindo a história, o sangue subiu-lhe à cabeça, ficou possesso! Lembrou do “filme” de sua própria vida. Prometeu executar o desclassificado e garantiu: para esse serviço não cobraria “honorários”.

Como o trauma da menina foi grande demais, ela não conseguiu descrever o vagabundo, só disse que o vira antes, muitas vezes, passando sempre pelo mesmo caminho, próximo ao matagal onde foi atacada, sempre com a mesma calça branca encardida e uma jaqueta de couro bem velha. Para o matador essa descrição era mais que suficiente, experiente como era!

Não demorou muito e tal elemento foi reconhecido exatamente pelas vestes. O “justiceiro” se aparelhou, preparou a tocaia e dias depois estava frente a frente com o estuprador. O que seria mais uma rotineira execução, transformou-se num drama, esse “profissional” fraquejou!

A noite estava clara, o céu limpo e deu para ver nitidamente o rosto do indivíduo. O velho vagabundo tinha a tal verruga no lado esquerdo do rosto e ao pedir clemência, escancarou aquela bocarra e ele pôde ver aquele dente de ouro!

EDSON LEITE