O ALFAIATE

Firmino, o alfaiate, acordou sobressaltado com aquele sonho. Não que tivesse sido um pesadelo, mas um daqueles sonhos repetitivos, sufocantes e intermináveis. Varou toda a noite tendo o mesmo inquietante sonho.

Na manhã seguinte, contou para a esposa o que tinha sonhado, enquanto ela lhe preparava o café.

- Essa noite sonhei de novo com uma mulher que chegava e me trazia um pano de cor marrom para que eu fizesse um paletó. Dizia que tinha que ser com urgência e então ia embora. O que será que significa? Já faz um bom tempo que eu tenho a impressão que sonho com isso toda a noite.

A mulher não deu muita importância com aquela história do marido. Falou que devia ser porque ele estava muito atarefado no trabalho. Ele concordou, mas não disse para a esposa que o que mais o impressionou no sonho, é que a dita mulher chorava muito. O choro dela fora o que mais o tinha impressionado.

Ao cabo de alguns meses, já no final do ano, Firmino, o alfaiate, deixou de sonhar com aquela mulher. Tinha já, na verdade, esquecido. E por ter realmente esquecido daquele estranho sonho, não percebeu quando recebeu uma encomenda de um paletó. Ele como o único e mais requisitado alfaiate da cidade, era comum receber encomendas de paletós e becas, principalmente no final de ano, para as festas de formatura e colação de grau.

Uma mulher viera bem cedo da manhã e deixara um pacote com o tecido para a encomenda. Firmino, o alfaiate, estremeceu ao abrir o embrulho: um tecido marrom acetinado. Junto com o tecido, um bilhete onde vinha escrito: "urgente, urgentíssimo".

- Só pode ser coincidência! Não é possível! - pensou consigo mesmo.

Quis logo saber quem era a tal mulher que solicitou-lhe a encomenda do paletó. Junto com o bilhete, havia também uma quantia em dinheiro e o endereço de entrega. Pôs, então, imediatamente, a fazer o paletó. Fez da melhor maneira possível, caprichou mais do que nas outras encomendas, usou as melhores linhas, o mais caprichado corte e colocou os melhores botões que pôde encontrar. No final, o seu empenho resultou em excelente trabalho.

Embatucado e amedrontado com aquela estranha coincidência, decidiu ir pessoalmente ao tal endereço. Tinha que saber quem era aquela mulher. Tinha que saber quem estava lhe pregando aquela peça. Na sua conturbada cabeça, dizia-se a si próprio que aquilo não iria ficar por isso mesmo.

Chegou ao endereço que estava escrito no bilhete. Era um palacete desses antigos, numa rua pacata e deserta. O aspecto do casarão demonstrava ser de pessoas de classe alta e abastada. O enorme portão de ferro estava entreaberto. Tocou a campainha e como ninguém atendia, corajosamente curioso, adentrou no bem cuidado jardim do casarão. Andou por alguns metros e quando subia os primeiros degraus que dava para a casa, foi impedido por um balaço que lhe estilhaçou o crânio, sem chance de sequer saber quem seria o seu agressor.

Num instante, o local ficou cheio de curiosos e carros de polícia, com seus frenéticos gemidos dos toques das sirenes intermitentes. A única coisa que os jornais disseram é que Firmino, o alfaiate, fora assassinado pelo marido enganado que aquartelado dentro de casa, estava à espera do infeliz amante de sua esposa adúltera, que também fora encontrada morta no interior do palacete. O marido corneado também matou-se com outro certeiro tiro entre os olhos, deixando a terrível história dita pelo não dito, sem outras explicações, refém somente das especulações dos circunstantes.

No velório do desgraçado alfaiate, todos notaram que ele vestia um luxuoso paletó marrom acetinado.