Agora são cinzas...

Vicente Sextulano. Assim os mais antigos, os coetâneos do povoado de São Gonçalo do Brumado a ele se referiam. Nós meninos, ouvíamos, ora atentos, ora nem ali, e íamos cuidar de nossas distrações.

Casado com Mariana, e com uma reca de filhos que iam saindo de casa à busca de trabalho em outras plagas, o casal ficou só, com suas filhas Maria e Terezinha, já moças formadas.

A Terezinha, possivelmente a caçula fora aquinhoada com uma beleza extraordinária, graça não gozada por sua irmã mais velha Maria, que ainda teve ainda o infortúnio de ser tirada do mundo antes de se tornar balzaquiana. Foi a primeira pessoa que vi, da janela, sem vida. Chumaços de algodão nas narinas e aquele rosto plácido constituem pedaços indeléveis de lembrança de minha infância, sem atemorizar nem arrebatar.

O pai, Vicente, já andava encumbucado, e suas saídas de casa eram raras. Quase sempre na companhia da filha restante, ou da mulher Mariana, quando prestante.

A casa de vovó Inhana, com suas quatro filhas e um filho varão ficava defronte, mas não nos ajudava muito a descobrir mais coisas do velho Vicente Sextulano. Afinal, o que nos açulava mais a curiosidade ficava justamente atrás de sua casa, no quintal: montinhos de cinza, espaçados entre uma ou outra árvore frutífera que davam a entender que ali se evitava a exposição indiscreta de algo orgânico e bastante frequente na produção da casa que, aparentemente, não dispunha de vaso sanitário. Meus seis anos, mesmo impelidos por uma avassaladora curiosidade, não me davam cabedal para inquirir o velho Sextulano sobre o que ele porventura escondia por debaixo das cinzas...enquanto a zelosa Tia Isabel, a Tibebé, fazia delas tão bom uso delas com a barrela que protegia suas panelas do pretume do fogão...

Inconformado, não me rebelei contudo. Um dia ia descobrir a razão daquele monumental desperdício de cinzas...Mas após seis décadas de lucubrações, deixei o mistério das cinzas de lado e passei a me interessar pelo nome do patriarca dos Amaral... Vicente, tudo bem, nome amplamente usado, que homenageia o Santo dos pobres, dos desvalidos...mas Sextulano...por quê, como chegou-se aí? Andei pesquisando no google com a esperança de achar algum Sextulanus, dos tempos de César, de Cristo, mas quá, nada nada encontrei. Vi contudo, algo que se aproximava, mas bem mais recente, Estulano. Sim, Estulano como nome próprio, quiçá de origem galega, ou espanhola... Você, caro leitor, se teve a pachorra de andar por Andorra e chegar até aqui, dga aí: se nunca ouviu falar num Sextulano, ao menos terá ouvido um Estulano?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 27/03/2020
Reeditado em 27/11/2023
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