Papo de galo
De regra, durmo de cinco a seis horas por noite. Com o natural abatimento
para uma ida ao banheiro e, quando hospedado na casa de mamãe, o regalo de um mingau de fubá, uma farofa de ovos, ou alguma outra iguaria caipira, entre as três e quatro da madrugada. E leio alguma coisa até os pernilongos me atazanarem, quando a retomada do sono não chega antes.
Há coisa de 3 ou 4 dias, com mais irmãos na casa, a rotina noturna não se alterou, senão por um fato extraordinário, em que só um dos dois galos cantou. O de pescoço pelado, jovem, crista alta, cheio de vitalidade. O outro, o vermelho, de seus três anos de idade, em plena maturidade, havia sido operado. Andava cabisbaixo e rabisbaixo, de papo estufado e absolutamente ignorado pelos demais emplumados.
A operação, de abertura do papo e retirada de mais de 600 gramas de empanzinamento era o último recurso que restava e, até que se comprovasse correta, trazia alívio e esperanças. O cirurgião Hércules, marceneiro de truz nas horas vagas, e afeito a pensar fatais ferimentos de galos de briga, nada garantia, mas tudo ao alcance fazia por aquela alma pia.
Desvelado, como de hábito, e com mamãe repousando, encontrei sobre o fogão a gás a vasilha com o mingau, que esquentei, e passei no papo.
Senti-o mais denso do que o costumeiro e infinitamente mais adoçado. Achei que mamãe errara na dose... E apesar do esplendor do luar, e até da trégua que os mosquitos me obsequiavam, assim que o sono veio
não resisti, a caí sob o cortinado protetor.
Ao alvorecer, pus-me de pé para comprar o pão e me dei com o mano Nato já coando o café. Cumprimentando-me meio ressabiado, foi logo lascando a pergunta:
- Ô Paulo, ocê comeu o mingau do galo...?
E o galo, que sobrevivera à operação e até ensaiava uma recuperação, já levantando a bela cauda, escapara ao mingau para, na jornada seguinte, entregar a alma penada, e encontrar a paz perene, tão ansiada.