As bitacas
Eu vi duas, e pode bem ser que fossem uma, à semelhança das entidades divinas que são por seu turno três em um. Deus, enfim, Uno e Trino. Fácil demais de entender essa doutrina. Mas no caso das bitacas, valho-me só de uma lembrança cada vez mais atenuada pelos meurônios, preguiçosa cambada...
Mas vamos à definição minha de bitaca: barraca de madeira, passando por vendeira. E essas duas de que me lembro, que bem podiam ser uma só, que teria mudado de lugar, ali à volta da imponente Matriz da Senhora do Pilar, Padroeira da Velha Serrana, se encaixavam bem na minha definição. E até o vendeiro, se não me engano um Luiz Miranda - homônimo de papai - parecia ser sempre o mesmo. Ou seja, o próprio dono da ubiquidade. E no mais que diferia de papai é que era da cidade, cultivava os seus bigodes com esmero e sem exagero, e era mais próximo de longilíneo, porquanto papai fosse mais rotundilíneo...Ah, e também com menos crédito na praça.
O que o Miranda vendia - ou pelo menos expunha em sua bitaca - eram algum legume - ou seria mais correto dizer hortaliça...? e miudezas que nunca logrei distinguir por não ter altura pra ver sobre o seu balcão. Um único artigo de que me lembro foi um molho de cebolinhas verdes, jazendo sobre o balcão, anunciado a Cr$5,00. Achei um absurdo, mas nem comentei. Sabia que papai era criterioso para comprar os mantimentos que consumíamos, geralmente por atacado, tipo saco de arroz, saco de feijão, saco de açúcar...e me senti assim, ainda que silente, seguro de que ele não se veria tentado a cair na armadilha da carestia do xará...
E a próxima bitaca que vim a ver, já foi en tierras y tiempos lejanos, quando numa excursão escolar a Ponta Porã, uns quinze anos depois, adentrei pelo território guarani e lá vi, além do túmulo del Mariscal López, meio à distância uma cena inusitada: homens modestamente trajados, de chapéus de palha, e pés no chão, à beira do balcão da bitaca, tomando Johnny Walker, black label.